Davi e os seus homens estavam abrigados na região de Adulão, onde havia cavernas para se esconderem do rei Saul e seus asseclas, quando receberam notícia que os filisteus haviam atacado as eiras dos habitantes de Queila. Esta era uma cidade de Judá, distante uns cinco quilômetros ao sul de onde eles estavam, na fronteira do território dos filisteus.
As eiras eram áreas circulares abertas no campo, onde se separava o grão do trigo. Ao atacar as eiras, os filisteus roubavam os israelitas das suas provisões de cereais.
Antes de tomar qualquer providência, Davi consultou ao SENHOR para saber se deveria ir ferir os filisteus. Ao invés de procurarmos saber a vontade de Deus depois de entrar numa situação difícil, ou de pedir o seu socorro para evitar as conseqüências de decisões apressadas, deveríamos tomar algum tempo para descobrir qual é realmente a Sua vontade. Podemos descobrí-la através do conselho de outros, da Sua Palavra, da direção do Espírito Santo em nossas mentes, bem como das circunstâncias.
Com ele estava o sacerdote Abiatar (22:20-23) que trazia a estola sacerdotal (v.6). Nela estavam o Urim e Tumim, possivelmente duas pedras preciosas que eram colocadas dentro do peitoral. Podem ter sido usadas para determinar a vontade de Deus mediante sorteio (Êxodo 28:30, Levítico 8:8, Números 27:21; Deuteronômio 33:8; 1 Samuel 28:6; Esdras 2:63; Neemias 7:65)).
Recebendo a aprovação do SENHOR, Davi foi com seus homens a Queila, desbaratou os filisteus e salvou os moradores de Queila.
Queila era uma cidade fortificada, cercada por um muro. O muro protegia os habitantes dos assaltantes, mas também os prendia se estivessem cercados por inimigos. O rei Saul achou providencial que Davi e seus homens estivessem ali, e chamou todo o povo para irem cercar a cidade.
Ele queria tanto matar Davi, que estava disposto a aceitar qualquer coisa como sinal que Deus aprovava o seu ato. Nenhuma oportunidade que nos apareça para fazer alguma coisa errada deve ser interpretada como sinal da aprovação divina. Quando nos vêm as oportunidades, examinemos bem os nossos motivos e nos certifiquemos que estamos fazendo a vontade de Deus e não só a nossa.
Davi sabia que estava vulnerável e que Saul planejava o mal contra ele, portanto novamente consultou o SENHOR. Vemos como formulou as perguntas através de Abiatar, com a estola sacerdotal:
Orou primeiro ao SENHOR, explicando a situação.
Perguntou se Saul realmente desceria para prendê-lo.
Perguntou se os homens de Queila o entregariam a Saul.
Notemos que as respostas eram próprias para um sorteio, "sim" ou "não". As respostas que recebeu às duas perguntas foram positivas. Não se tratava, é claro, de uma profecia, mas de um esclarecimento sobre o que Saul e os homens de Queila estariam dispostos a fazer.
Davi e seus homens saíram portanto de Queila e se foram sem rumo certo, o que evitou que pudessem ser perseguidos. O deserto de Judá é uma região árida e inóspita entre a região montanhosa e o mar Morto. Existem ali muitas cavernas e desfiladeiros onde eles podiam se refugiar de Saul. O deserto de Zife é um planalto árido que ficava 6,5 quilômetros a sudeste de Hebrom. Saul não conseguiu achá-los.
No entanto, seu amigo Jônatas foi até onde ele se achava e encontrou-o. Jônatas fortaleceu a confiança de Davi em Deus, declarando que Saul não iria encontrá-lo para fazer-lhe mal, que era do conhecimento dele e do seu pai que Davi ia ser rei, e se dispôs a ser o segundo no seu reino.
Eles ali renovaram a sua aliança perante o SENHOR e partiram, indo Davi para o deserto e Jônatas para a sua casa. A atitude de Jônatas nesta ocasião nos lembra João Batista, que disse, a respeito do Senhor Jesus: "convém que Ele cresça e que eu diminua" (João 3:30). Talvez foi a última vez que se encontraram. Eles eram verdadeiros amigos, encorajando um ao outro e fortalecendo a sua fé em Deus mutuamente.
Mesmo no deserto de Zife havia gente disposta a trair Davi. Ele teve que sair de lá mas, eventualmente, o rei Saul conseguiu cercar Davi e os seus homens quando se refugiavam sobre uma rocha. Decerto teriam sido apanhados, se não houvesse chegado uma notícia a Saul que os filisteus estavam invadindo a terra. Saul teve que abandonar a perseguição e correr para enfrentar os invasores. Vemos aqui que Deus interveio na hora certa, fazendo uso dos filisteus quando a situação parecia desesperadora para Davi.
Davi foi, com seus companheiros, até um oásis a leste de Hebrom, acima das margens do mar Morto, chamado En-Gedi (fonte do cabrito). Era um bom lugar para se refugiar, porque existem muitas cavernas por ali, e podem ser vistas ainda hoje. Algumas eram usadas como residência e túmulo, mas as maiores podem abrigar milhares de pessoas.
O rei Saul perseguiu os filisteus, depois voltou e soube onde Davi estava. Reuniu então um exército formidável de três mil homens, escolhidos entre todo o Israel e foi ao encalço de Davi e dos seus seiscentos homens (mais ou menos).
Chegando ali, Saul entrou numa dessas cavernas para aliviar-se, sem saber que Davi se encontrava assentado no fundo com seus homens. Estes logo perceberam a oportunidade que se oferecia e concluíram que o SENHOR havia entregue o rei Saul a Davi.
Davi foi furtivamente até onde Saul estava, mas apenas cortou a orla do manto de Saul (que ele provavelmente havia tirado e colocado à parte), e voltou para onde estavam os seus homens.
A consciência de Davi ficou perturbada, pois tocar as vestes de Saul eqüivalia a tocar a pessoa do rei, e Davi sabia ser errado erguer a mão contra o rei ungido pelo SENHOR. Ele declarou isso aos seus homens, e com isso conteve aos seus homens, não permitindo que fizessem mal a Saul.
Embora Saul estive sendo rebelde a Deus, Davi ainda respeitava a posição que ele ocupava como o rei ungido por Deus. Sabia que um dia ia tomar o seu lugar, mas também que não lhe competia eliminá-lo ele próprio.
Deixando Saul se retirar da caverna e prosseguir no seu caminho, Davi também saiu e gritou para Saul: "ó rei, meu senhor". É Deus quem dá poder e autoridade aos reis e governadores deste mundo (Romanos 13:1-7). Embora sem saber a razão, devemos respeitá-los, como Davi, e obedecê-los a não ser em algo que nos torne desobedientes a Deus, a autoridade suprema.
Em atitude de completa submissão, Davi declarou ao rei como teve a sua vida em suas mãos dentro da caverna, mas que o havia poupado porque era o ungido de Deus. Mostrou-lhe a orla que havia cortado da sua capa, como prova de que não o queria mal nem era rebelde. Declarou que deixava a justiça nas mãos do SENHOR, mas que nunca levantaria a mão contra Saul. Manifestou surpresa por ser perseguido por Saul, sendo que era absolutamente inofensivo ao rei.
Parece que, ao ver e ouvir isso, Saul sinceramente se arrependeu, chegando a chorar de emoção. Ele reconheceu que Davi lhe havia pago o mal com o bem, o abençoou por isso e afirmou que estava convencido que Davi seria rei, definitivamente. Pediu que Davi jurasse não eliminar a sua descendência (como é costumeiro ao entrar uma nova dinastia), nem os deserdasse. Isto Davi jurou, e Saul voltou para sua casa. Infelizmente seu remorso foi por pouco tempo.
Davi já não confiava mais em Saul, por isso subiu com seus homens ao lugar seguro.
Capítulo 23:
1 E foi anunciado a Davi, dizendo: Eis que os filisteus pelejam contra Queila e saqueiam as eiras.
2 E consultou Davi ao SENHOR, dizendo: Irei eu e ferirei estes filisteus? E disse o SENHOR a Davi: Vai, e ferirás os filisteus, e livrarás Queila.
3 Porém os homens de Davi lhe disseram: Eis que tememos aqui em Judá, quanto mais indo a Queila contra os esquadrões dos filisteus.
4 Então, Davi tornou a consultar o SENHOR, e o SENHOR lhe respondeu e disse: Levanta-te, desce a Queila, porque te dou os filisteus na tua mão.
5 Então, Davi partiu com os seus homens a Queila, e pelejou contra os filisteus, e levou os gados, e fez grande estrago entre eles; e Davi livrou os moradores de Queila.
6 E sucedeu que, quando Abiatar, filho de Aimeleque, fugiu para Davi, a Queila, desceu com o éfode na mão.
7 E foi anunciado a Saul que Davi era vindo a Queila. E disse Saul: Deus o entregou nas minhas mãos, pois está encerrado, entrando numa cidade de portas e ferrolhos.
8 Então, Saul mandou chamar a todo o povo à peleja, para que descessem a Queila, para cercar a Davi e os seus homens.
9 Sabendo, pois, Davi que Saul maquinava esse mal contra ele, disse a Abiatar, sacerdote: Traze aqui o éfode.
10 E disse Davi: Ó SENHOR, Deus de Israel, teu servo decerto tem ouvido que Saul procura vir a Queila, para destruir a cidade por causa de mim.
11 Entregar-me-ão os cidadãos de Queila na sua mão? Descerá Saul, como o teu servo tem ouvido? Ah! SENHOR, Deus de Israel, faze-o saber ao teu servo. E disse o SENHOR: Descerá.
12 Disse mais Davi: Entregar-me-iam os cidadãos de Queila, a mim e aos meus homens, nas mãos de Saul? E disse o SENHOR: Entregariam.
13 Então, se levantou Davi com os seus homens, uns seiscentos, e saíram de Queila e foram-se aonde puderam; e, sendo anunciado a Saul que Davi escapara de Queila, cessou de sair contra ele.
14 E Davi permaneceu no deserto, nos lugares fortes, e ficou em um monte no deserto de Zife; e Saul o buscava todos os dias, porém Deus não o entregou na sua mão.
15 Vendo, pois, Davi que Saul saíra à busca da sua vida, Davi esteve no deserto de Zife, num bosque.
16 Então, se levantou Jônatas, filho de Saul, e foi para Davi ao bosque, e fortaleceu a sua mão em Deus,
17 e disse-lhe: Não temas, que não te achará a mão de Saul, meu pai; porém tu reinarás sobre Israel, e eu serei contigo o segundo; o que também Saul, meu pai, bem sabe.
18 E ambos fizeram aliança perante o SENHOR. Davi ficou no bosque, e Jônatas voltou para a sua casa.
19 Então, subiram os zifeus a Saul, a Gibeá, dizendo: Não se escondeu Davi entre nós nos lugares fortes do bosque, no outeiro de Haquila, que está à mão direita de Jesimom?
20 Agora, pois, ó rei, apressadamente desce conforme todo o desejo da tua alma; por nós fica entregarmo-lo nas mãos do rei.
21 Então, disse Saul: Benditos sejais vós do SENHOR, porque vos compadecestes de mim.
22 Ide, pois, e diligenciai ainda mais, e sabei, e notai o lugar que freqüenta e quem o tenha visto ali; porque me foi dito que é astutíssimo.
23 Pelo que atentai bem e informai-vos acerca de todos os esconderijos em que ele se esconde; e, então, voltai para mim com toda a certeza, e ir-me-ei convosco; e há de ser que, se estiver naquela terra, o buscarei entre todos os milhares de Judá.
24 Então, se levantaram eles e se foram a Zife, adiante de Saul; Davi, porém, e os seus homens estavam no deserto de Maom, na planície, à direita de Jesimom.
25 E Saul e os seus homens se foram em busca dele, o que anunciaram a Davi, que desceu para aquela penha e ficou no deserto de Maom; o que ouvindo Saul, seguiu a Davi para o deserto de Maom.
26 E Saul ia desta banda do monte, e Davi e os seus homens, da outra banda do monte; e sucedeu que Davi se apressou a escapar de Saul; Saul, porém, e os seus homens cercaram Davi e os seus homens, para lançar mão deles.
27 Então, veio um mensageiro a Saul, dizendo: Apressa-te e vem, porque os filisteus, com ímpeto, entraram na terra.
28 Pelo que Saul voltou de perseguir a Davi e foi-se ao encontro dos filisteus. Por esta razão, aquele lugar se chamou Sela-Hamalecote.
29 E subiu Davi dali e ficou nos lugares fortes de En-Gedi.
Capítulo 24:
1 E sucedeu que, voltando Saul de perseguir os filisteus, lhe anunciaram, dizendo: Eis que Davi está no deserto de En-Gedi.
2 Então, tomou Saul três mil homens, escolhidos dentre todo o Israel, e foi à busca de Davi e dos seus homens, até aos cumes das penhas das cabras monteses.
3 E chegou a uns currais de ovelhas no caminho, onde estava uma caverna; e entrou nela Saul, a cobrir seus pés; e Davi e os seus homens estavam aos lados da caverna.
4 Então, os homens de Davi lhe disseram: Eis aqui o dia do qual o SENHOR te diz: Eis que te dou o teu inimigo nas tuas mãos, e far-lhe-ás como te parecer bem a teus olhos. E levantou-se Davi e, mansamente, cortou a orla do manto de Saul.
5 Sucedeu, porém, que, depois, o coração doeu a Davi, por ter cortado a orla do manto de Saul;
6 e disse aos seus homens: O SENHOR me guarde de que eu faça tal coisa ao meu senhor, ao ungido do SENHOR, estendendo eu a minha mão contra ele, pois é o ungido do SENHOR.
7 E, com estas palavras, Davi conteve os seus homens e não lhes permitiu que se levantassem contra Saul; e Saul se levantou da caverna e prosseguiu o seu caminho.
8 Depois, também Davi se levantou, e saiu da caverna, e gritou por detrás de Saul, dizendo: Rei, meu senhor! E, olhando Saul para trás, Davi se inclinou com o rosto em terra e se prostrou.
9 E disse Davi a Saul: Por que dás tu ouvidos às palavras dos homens que dizem: Eis que Davi procura o teu mal?
10 Eis que este dia os teus olhos viram que o SENHOR, hoje, te pôs em minhas mãos nesta caverna, e alguns disseram que te matasse; porém a minha mão te poupou; porque disse: Não estenderei a minha mão contra o meu senhor, pois é o ungido do SENHOR.
11 Olha, pois, meu pai, vê aqui a orla do teu manto na minha mão; porque, cortando-te eu a orla do manto, te não matei. Adverte, pois, e vê que não há na minha mão nem mal nem prevaricação nenhuma, e não pequei contra ti; porém tu andas à caça da minha vida, para ma tirares.
12 Julgue o SENHOR entre mim e ti e vingue-me o SENHOR de ti; porém a minha mão não será contra ti.
13 Como diz o provérbio dos antigos: Dos ímpios procede a impiedade; porém a minha mão não será contra ti.
14 Após quem saiu o rei de Israel? A quem persegues? A um cão morto? A uma pulga?
15 O SENHOR, porém, será o juiz, e julgará entre mim e ti, e verá, e advogará a minha causa, e me defenderá da tua mão.
16 E sucedeu que, acabando Davi de falar a Saul todas estas palavras, disse Saul: É esta a tua voz, meu filho Davi? Então, Saul alçou a sua voz e chorou.
17 E disse a Davi: Mais justo és do que eu; pois tu me recompensaste com bem, e eu te recompensei com mal.
18 E tu mostraste hoje que usaste comigo bem; pois o SENHOR me tinha posto em tuas mãos, e tu me não mataste.
19 Porque quem há que, encontrando o seu inimigo, o deixaria ir por bom caminho? O SENHOR, pois, te pague com bem, pelo que hoje me fizeste.
20 Agora, pois, eis que bem sei que certamente hás de reinar e que o reino de Israel há de ser firme na tua mão.
21 Portanto, agora, jura-me pelo SENHOR que não desarraigarás a minha semente depois de mim, nem desfarás o meu nome da casa de meu pai.
22 Então, jurou Davi a Saul. E foi Saul para a sua casa, porém Davi e os seus homens subiram ao lugar forte.
1 SAMUEL 23 e 24