A colheita não tinha sido boa, e havia escassez de alimentos. Como costuma acontecer nessas circunstâncias, havia muitos cujos recursos eram insuficientes para enfrentar essa crise pois os preços dos alimentos haviam subido muito.
Houve um grande clamor do povo contra alguns judeus entre eles, dizendo:
Para sobreviver eles tinham que obter trigo para si e para suas famílias, e eram muitos.
Outros disseram que haviam empenhado suas terras, suas vinhas e as suas casas, para conseguir trigo naquela fome.
Alguns declararam que tiveram que tomar dinheiro emprestado até para pagar o tributo do rei sobre as suas terras e as suas vinhas.
Pior ainda, alguns disseram que estavam tendo que sujeitar seus filhos e suas filhas à servidão, ficando impedidos de resgatá-los pois haviam já entregue as suas terras e as suas vinhas, e não tinham mais renda.
Este problema da falta de dinheiro para comprar alimentos estivera crescendo entre o povo em geral, agravado pelo tempo dedicado à reconstrução dos muros que os impedia de trabalhar para ganho próprio, mas aparentemente Neemias não havia sido informado da gravidade até agora.
Os empréstimos eram obtidos na medida da necessidade, e havia sempre aqueles entre os judeus que dispunham dos recursos financeiros para fornecê-los com usura. Criou-se então um ambiente de conflito entre o próprio povo, dividido entre os exploradores e os explorados, do qual os inimigos poderiam se aproveitar.
A usura consistia na cobrança de juros sobre um empréstimo. Era proibida pela lei mosaica (Êxodo 22:25), que também obrigava o povo a ser generoso com os pobres, emprestando-lhes livremente, e cancelando a dívida no ano da remissão, que acontecia de sete em sete anos (Deuteronômio 15:1-11). Também os que se tivessem vendido deveriam ser despedidos forros no sétimo ano, e enriquecidos pelo seu senhor (Deuteronômio 15:12-15).
Sem dúvida a prática dessas leis haviam de há muito sido esquecidas, pois enquanto estivera no exílio o povo não pudera acompanhar com rigor o calendário hebraico mediante o qual se observava o ano da remissão e muitos outros requisitos da lei.
Lemos em 1 Timóteo 6:10: "o amor do dinheiro é a raiz de toda espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se traspassaram a si mesmos com muitas dores" e em Tiago 3:16: "onde há inveja e espírito faccioso, aí há perturbação e toda obra perversa". O amor ao dinheiro continua perturbando a igreja de Deus no mundo, a começar por Ananias e Safira, que mentiram ao Espírito Santo sobre o produto da venda de um imóvel e por isso foram executados (Atos 5:1-10).
Muitas instituições que se chamam cristãs e seitas que se dizem evangélicas têm desavergonhadamente enveredado pelo caminho do mercantilismo, e fazem comércio do Evangelho de Cristo (2 Pedro 2:3), desobedecendo ao mandamento do Senhor "de graça recebestes, de graça dai" (Mateus 10:8).
A usura tem hoje o significado de "juros exorbitantes", reconhecendo-se que, com o declínio geral do valor aquisitivo de uma moeda, é justo que quem empresta receba uma compensação na forma de juros correspondentes à alta de preços.
Os usurários, porém, cobram juros muito acima do que é justo, explorando assim os pobres que não têm a quem mais recorrer. É resultante da avareza, que a Bíblia diz ser uma forma de idolatria, da qual o crente deve se afastar (Colossenses 3:5).
Ao saber agora do que estava acontecendo, Neemias se indignou muito. Depois de refletir bastante sobre o assunto, ele convocou os nobres e magistrados que, devido à sua posição privilegiada, exploravam o povo, tirando vantagem da carência de alimentos.
Neemias acusou-os do crime de cobrar juros dos seus compatriotas e convocou uma grande reunião contra eles.
Reunida a assembléia, Neemias lembrou-os que na medida do possível ele e seus companheiros haviam comprado de volta os judeus que haviam sido vendidos a outros povos. Agora estes aproveitadores estavam até vendendo seus irmãos, e assim eles teriam que ser vendidos a Neemias e seus companheiros de novo.
Tendo eles ficado em silêncio, Neemias declarou que não era certo o que faziam, e que deviam andar no temor de Deus para evitar a zombaria dos outros povos, seus inimigos. Neemias acrescentou que ele e os seus companheiros também estavam emprestando dinheiro e trigo ao povo (sem dúvida da forma legal, sem juros).
O cristianismo atualmente é objeto da zombaria do mundo. Em grande parte isso é devido à conduta dos que se dizem cristãos, mas agem de forma igual ou mesmo pior do que os descrentes, negando assim a santificação que se espera daquele que leva o nome de Cristo. Cuidemos para que nós próprios não estejamos contribuindo para essa situação deprimente.
Neemias deu a subentender que ele próprio poderia ter se aproveitado da situação para enriquecer como aqueles outros. Mas ele não quis ter esse lucro ilícito.
Neemias apelou para que acabassem com a cobrança de juros, que imediatamente devolvessem suas terras, suas vinhas, suas oliveiras e suas casas, e também os juros. Além disso deviam pagar-lhes uma centésima parte do dinheiro, do trigo, do vinho e do azeite (como um gesto de boa vontade, talvez, ou multa).
Os culpados imediatamente se prontificarem a fazer tudo o que Neemias havia dito, e a não exigir mais nada dos seus devedores.
Cauteloso, Neemias convocou os sacerdotes para ouvir uma declaração solene deles sob juramento, confirmando o que haviam prometido. Neemias ainda pronunciou uma praga sobre qualquer que não cumprisse o juramento: que Deus o despojasse de sua casa e de seus bens.
Neemias era prudente, não confiava em promessas, portanto exigiu que o acordo fosse devidamente formalizado e estabeleceu uma forte sanção pela falta de cumprimento.
Deveríamos confiar na palavra de um irmão na fé, mas infelizmente muitos se aproveitam da nossa confiança e acabamos sendo prejudicados. Um empresário cristão certa vez declarou: "Já não mais gosto de trabalhar com cristãos. Eu prefiro muito mais fazer negócios com gente do mundo porque automaticamente os vigio de perto. Mas o crente - eu assumo que ele é honesto, mas isso nem sempre é o caso".
Todos na assembléia confirmaram o acordo, e louvaram o SENHOR. E o povo cumpriu o que prometera.
Neemias tinha o direito de recolher do povo um salário para si. Os que o antecederam haviam feito isso, e também para os seus servos, mas por todo o tempo em que foi governador, doze anos, Neemias preferiu não ser pago a fim de que o povo não fosse oprimido.
Ele não pensava em si, e em seu próprio engrandecimento, mas todo o seu empenho estava na execução da Obra do Senhor, dedicando-se ele próprio ao trabalho no muro de Jerusalém. Ele e seus homens não compraram imóveis para si, para se aproveitarem da valorização que seria garantida após os melhoramentos.
Ele custeava do próprio bolso as refeições de cento e cinqüenta homens, bem como visitantes das nações vizinhas, e nunca exigiu a comida destinada à posição de governador que ocupava, para não aumentar as exigências que pesavam sobre o povo.
O povo esqueceria toda essa dedicação, mas ao invés de construir monumentos para ser lembrado pela posteridade, Neemias pediu que Deus se lembrasse dele e levasse em conta tudo o que fizera pelo povo. Deus pode esquecer nossos pecados, mas sempre se lembra das nossas boas obras.
1 Foi, porém, grande o clamor do povo e de suas mulheres contra os judeus, seus irmãos.
2 Porque havia quem dizia: Com nossos filhos e nossas filhas, nós somos muitos; pelo que tomemos trigo, para que comamos e vivamos.
3 Também havia quem dizia: As nossas terras, as nossas vinhas e as nossas casas empenhamos, para tomarmos trigo nesta fome.
4 Também havia quem dizia: Tomamos dinheiro emprestado até para o tributo do rei, sobre as nossas terras e as nossas vinhas.
5 Agora, pois, a nossa carne é como a carne de nossos irmãos, e nossos filhos, como seus filhos; e eis que sujeitamos nossos filhos e nossas filhas para serem servos, e até algumas de nossas filhas são tão sujeitas, que já não estão no poder de nossas mãos; e outros têm as nossas terras e as nossas vinhas.
6 Ouvindo eu, pois, o seu clamor e essas palavras, muito me enfadei.
7 E considerei comigo mesmo no meu coração; depois, pelejei com os nobres e com os magistrados e disse-lhes: Usura tomais cada um de seu irmão. E ajuntei contra eles um grande ajuntamento.
8 E disse-lhes: Nós resgatamos os judeus, nossos irmãos, que foram vendidos às gentes, segundo nossas posses; e vós outra vez venderíeis vossos irmãos ou vender-se-iam a nós? Então, se calaram e não acharam que responder.
9 Disse mais: Não é bom o que fazeis: Porventura, não devíeis andar no temor do nosso Deus, por causa do opróbrio dos gentios, os nossos inimigos?
10 Também eu, meus irmãos e meus moços, a juro, lhes temos dado dinheiro e trigo. Deixemos este ganho.
11 Restituí-lhes hoje, vos peço, as suas terras, as suas vinhas, os seus olivais e as suas casas, como também o centésimo do dinheiro, do trigo, do mosto e do azeite, que vós exigis deles.
12 Então, disseram: Restituir-lho-emos e nada procuraremos deles; faremos assim como dizes. Então, chamei os sacerdotes e os fiz jurar que fariam conforme esta palavra.
13 Também o meu regaço sacudi e disse: Assim sacuda Deus a todo homem da sua casa e do seu trabalho que não cumprir esta palavra; e assim seja sacudido e vazio. E toda a congregação disse: Amém! E louvaram o SENHOR; e o povo fez conforme esta palavra.
14 Também desde o dia em que fui nomeado seu governador na terra de Judá, desde o ano vinte até ao ano trinta e dois do rei Artaxerxes, doze anos, nem eu nem meus irmãos comemos o pão do governador.
15 Mas os primeiros governadores, que foram antes de mim, oprimiram o povo e tomaram-lhe pão e vinho e, além disso, quarenta siclos de prata; ainda também os seus moços dominavam sobre o povo; porém eu assim não fiz, por causa do temor de Deus.
16 Antes, também na obra deste muro fiz reparação, e terra nenhuma compramos; e todos os meus moços se ajuntaram ali para a obra.
17 Também cento e cinqüenta homens dos judeus e dos magistrados e os que vinham a nós, dentre as gentes que estão à roda de nós, se punham à minha mesa.
18 E o que se preparava para cada dia era um boi e seis ovelhas escolhidas; também aves se me preparavam e, de dez em dez dias, de todo o vinho muitíssimo; e nem por isso exigi o pão do governador, porquanto a servidão deste povo era grande.
19 Lembra-te de mim para bem, ó meu Deus, e de tudo quanto fiz a este povo.