A ressurreição do Senhor Jesus Cristo é o grande acontecimento histórico que forma o auge do Evangelho, sendo ela por isso um dos alicerces da fé cristã. Porém a história da ressurreição, como relatada pelos quatro evangelistas e referida no primeiro capítulo de Atos e em 1ª Coríntios 15, tem dado certa dificuldade por causa de algumas dessemelhanças nos fatos descritos pelos respectivos autores.
Por exemplo, Mateus e Marcos falam em um só anjo que anunciou às mulheres a ressurreição, enquanto Lucas menciona dois e João nenhum (senão que dois falaram, depois, a Maria Madalena). Mateus diz que "Maria Madalena e a outra Maria" foram ao sepulcro, Marcos menciona três, Lucas fala nessas três "e as demais que estavam com elas", mas João fala somente em Maria Madalena.
As mensagens dadas pelos anjos parecem diferentes.
Conforme Mateus, a primeira aparência do Senhor foi às mulheres (28.9), mas Marcos diz que apareceu primeiro a Maria Madalena, e João confirma isto. Marcos diz que Jesus "finalmente" apareceu aos discípulos "sentados à mesa", e depois de dar-lhes instruções, "foi recebido no céu"; Lucas diz que foram até Betania para a Ascensão, enquanto Mateus e João descrevem encontros na Galiléia e omitem a Ascensão.
Outrossim, em Mateus o Senhor dá a "grande comissão" na Galiléia, mas em Marcos e Lucas parece que foi dada em Jerusalém. Como se explica tanta diversidade?
É claro que Mateus, Marcos, Lucas e João não descrevem sempre os mesmos fatos; cada escritor escolhe, guiado pelo Espírito Santo somente alguns dentre os muitos acontecimentos daqueles quarenta dias maravilhosos. Há bastante matéria comum a todos, mas cada um menciona fatos omitidos pelos outros, e os escritores de Atos 1.1-12 e 1ª Co 15.4-7 acrescentam ainda um pouco mais. Sem dúvida, todos os seus trechos juntos nos dão bastantes provas da veracidade da ressurreição do Senhor.
Comparando muito cuidadosamente as afirmações dadas nos seis trechos, podemos resolver a ordem dos acontecimentos com bastante certeza. A seguinte solução se oferece, não como a única possível, mas pelo menos para mostrar que os relatórios bíblicos não são contraditórios mas sim, complementares uns aos outros, assim fornecendo, juntos uma história coerente e convincente daquela maravilhosa época. Eis, então, a ordem sugerida:
Maria Madalena, outra Maria, Salomé e outras mulheres foram ao túmulo bem de madrugada. (A menção de uma pessoa não exclui, necessariamente, a presença de outras; compare Mt 8.28 com Mc 5.2 e Lc 8.27; também Mt 20.29 com Mc 10.46).
Elas entraram no túmulo, vendo primeiramente um só anjo (o que tinha removido a pedra); este disse-lhes que Jesus ressuscitou e que encontraria os discípulos na Galiléia, assim como Ele tinha dito. Depois notaram que havia dois anjos, mas só um deles falou.
Então todas elas voltaram a Jerusalém para informar os discípulos. Estes não creram; mas Maria Madalena falou particularmente a Pedro e João, os quais voltaram com ela para o túmulo, viram os lençóis e voltaram para casa Lc 24.12; Jo 20.3-10, deixando Maria ali no jardim. Dois anjos falaram com ela.
Jesus apareceu a Maria Madalena, no jardim. Ela voltou a Jerusalém, e anunciou-o aos discípulos Mc 16.9; Jo 20.16-18.
Jesus apareceu a outras mulheres na cidade, depois de terem dado a mensagem dos anjos aos discípulos; Ele as enviou para repetir a mensagem Mt 28.9-10.
Jesus apareceu a Pedro Lc 24.34; 1ª Co 15.5.
Jesus apareceu aos dois que iam a Emaús Mc 16.12; Lc 24.13-31.
Na mesma tarde, apareceu aos "onze" (menos Tomé) e outros. Comeu na presença deles Mc 16.14; Lc 24.33-43; Jo 20.19-23.
Oito dias depois, Ele apareceu aos "Doze", Tomé estando presente Jo 20.26-29; 1ª Co 15.5.
Jesus apareceu aos discípulos na Galiléia ("a terceira vez"- Jo 21.14); sete foram pescar, mas os outros estavam presentes mais tarde. Receberam a Comissão: "Ide, fazei discípulos…". Depois, apareceu a "mais de 500 irmãos" Jo 21; Mt 28.16-20; 1ª Co 15.6.
Apareceu a Tiago, na Galiléia ou em Jerusalém 1ª Co 15.6.
Apareceu a todos os apóstolos, em Jerusalém, e deu-lhes as últimas instruções Mc 16.15-20; Lc 24.44-49; At 1.4-8. Foram até Betânia, num lado do Monte das Oliveiras, e subiu ao céu.
Note que, no No. 8, a palavra "finalmente" em Mc 16.4 se refere àquele mesmo dia (o da ressurreição) e não ao período todo. Também o grupo dos discípulos naquela tarde se chama "os onze" (em Marcos e Lucas) porque incluiu a Matias, reconhecido como um dos apóstolos em lugar de Judas Iscariotes (At 1.26). Pela mesma razão a reunião do domingo seguinte se chama "os Doze", o número sendo completo pela presença de Tomé e Matias.
Tal a harmonia das narrativas sagradas. Alguém poderá sugerir uma ordem diferente, mas creio que a proferida neste artigo satisfaz todas as referências bíblicas.
" A Tua Palavra é a verdade desde o princípio" Salmo 119.160.