A partir da formação das igrejas constituídas na época apostólica, todas inegavelmente independentes entre si conforme comprovamos através de todo o texto das epístolas do Novo Testamento e os capítulos 2 e 3 do Apocalipse, houve polarização das igrejas em torno das mais influentes, os homens que superintendiam as igrejas individuais se organizaram dando a supervisão geral do seu grupo a bispos regionais, estes por sua vez escolheram um líder, ou arcebispo, que se tornou a suprema autoridade, funcional e doutrinária.
Esses agrupamentos reivindicaram ser a “igreja de Cristo” na terra, e os que recusavam submeter-se a eles eram perseguidos e eliminados, sendo taxados de “hereges”. Uniram-se, ainda, aos poderes políticos para pressionar o povo a se submeter ao seu governo e autoridade civil e religiosa. Para facilitar a imposição das suas heresias esconderam a Bíblia do público.
Assim as igrejas locais perderam o princípio bíblico de ter como sua cabeça o Senhor Jesus, e de dar liberdade ao Espírito Santo para fazer de cada igreja local o Seu templo, e de conceder dons a cada um dos seus membros para servi-la (1 Coríntios 12:7-11, 27, 30), de guiar os membros em seu serviço (Lucas 2:27, 4:1, Atos 16:6-7) e de ser Ele próprio o poder para esse serviço (Atos 1:8, 2:4, 1 Coríntios 2:4).
Como resultado da “Reforma Protestante” e da consequente disseminação da tradução da Bíblia a partir dos documentos mais antigos em suas línguas originais, foram surgindo mais e mais organizações eclesiásticas que se chamavam de “igrejas”, afastando-se das mais antigas e aproximando-se mais dos ensinos bíblicos. Infelizmente mantiveram o clericalismo, em grande parte a união política, e muitos outros vícios que permeavam as antigas.
Vamos agora pular os dezessete séculos durante os quais as igrejas independentes que sobraram, e outras que surgiram durante todo esse tempo, foram espezinhadas, destruídas ou absorvidas por essas organizações eclesiásticas, e dar um relato muito breve de como vieram a se congregar alguns dos muitos santos desejosos de voltar aos princípios ensinados no Novo Testamento, novamente formando genuínas igrejas independentes em tempos mais recentes.
Na Escócia, no fim do século 18, dois irmãos de uma família rica e bem relacionada, Robert e James Alexander Haldane, da igreja nacional da Escócia (Presbiteriana), se converteram e passaram a estudar diligentemente as Escrituras. James casou-se e começou a ter culto doméstico em casa, onde ensinava a família. Percebeu que isto era agradável e edificante para si próprio e foi assim que o Senhor o preparou para falar em público.
Embora sem ordenação de ministro, começou a pregar o Evangelho, com outros, em pequenas congregações quando o ministro não podia comparecer. Eles próprios escreviam folhetos para distribuição. Eventualmente tomavam emprestados edifícios de igrejas para ter as suas reuniões.
Reagindo, o Sínodo da Igreja da Escócia proibiu a pregação por pessoas não licenciadas por ela, e este foi acompanhado por outros sínodos. James Haldane e seus companheiros não deram ouvidos e defenderam o dever de todo o cristão de prevenir os pecadores para fugir da ira vindoura e apontar a Jesus como o Caminho, a Verdade e a Vida. Eles enfatizavam a justificação pela fé na morte e ressurreição de Cristo, sem as obras.
Enfim eles se separaram da igreja da Escócia, porque não podiam mais se unir com pessoas que manifestavam que nunca se haviam convertido, e passaram a se reunir somente com os que evidenciavam ser filhos de Deus. Congregaram uma igreja em Edimburgo, que começou com 300 membros e cresceu depressa. Um dos seus primeiros atos foi reconhecer James Haldane como seu “pastor”. Robert Haldane providenciava grandes lugares de reunião (que chamavam de “tabernáculos”), tanto em Edimburgo quanto em outros lugares onde as igrejas se reuniam.
Começaram a obedecer ao exemplo e ensinamento das Escrituras, celebrando a Ceia do Senhor todos os domingos, cessaram de passar “coleta” durante as reuniões de ordem geral, mas os membros contribuíam com o que podiam. Isto foi sendo introduzido aos poucos, na medida em que compreendiam melhor a vontade do Senhor conforme as Escrituras, assim como, se não houver intervenção humana, o Espírito Santo irá prover uma variedade de ministros e ministérios, o que eles tiveram a grande alegria de verificar que acontecia.
Eventualmente James se convenceu que o batismo infantil não tinha base bíblica, e outros com ele. Nem todos concordaram, e assim houve uma separação amigável em que algumas congregações mantiveram o batismo infantil, outras batizavam por imersão os que se convertiam, enquanto outras praticavam as duas coisas; alguns membros saíram, voltando para a igreja da Escócia e outras denominações.
Surgiram assim as chamadas igrejas congregacionais, que enfatizavam o direito e responsabilidade de cada congregação organizada corretamente de governar a si mesma, sem ter que se submeter ao julgamento de uma autoridade humana superior, assim eliminando bispos e presbitérios. Nelas existia uma forte convicção sobre a soberania de Deus e o sacerdócio de todos os crentes. Cada igreja individual era autônoma e independente.
Em várias partes do mundo continuavam a existir e a surgir novas congregações de crentes que procuravam se ater apenas às Escrituras. No início do século 19 um irlandês do norte chamado Alexander Campbell, ministro da igreja presbiteriana, emigrou para Filadélfia, nos Estados Unidos. Ao chegar, ele se uniu a uma igreja presbiteriana de lá, mas se surpreendeu ao ver que havia profundas separações nas igrejas presbiterianas, e foi até censurado por receber na Ceia do Senhor presbiterianos que não pertenciam ao círculo em que estava.
Por defender a sua posição com base nas Escrituras, foi tratado com hostilidade ao ponto de levá-lo a se afastar daquela igreja. Mas continuou o seu ministério à parte, e pessoas de várias denominações se reuniram à sua congregação, descontentes com a hostilidade que havia entre as várias igrejas. Ele pregava que a união era somente possível mediante uma volta aos ensinos da Bíblia, e fez que compreendessem que as lutas e dissensões dentro das igrejas vêm como resultado de teorias e sistemas religiosos fora das Escrituras, e para haver comunhão era necessário “falar quando as Escrituras falam; manter silêncio quando as Escrituras silenciam”.
Com a experiência da comunhão e a hostilidade das igrejas de origem, todos resolveram reunir-se como uma só igreja obedecendo estritamente o que o Novo Testamento ensinava, e nada mais. A igreja se formou em 1811 sem denominação qualquer, com trinta membros, dos quais nomearam um presbítero e alguns diáconos.
Descobriram que a igreja primitiva tinha pluralidade de presbíteros, extinguiram a distinção entre “clero” e “leigos”, passaram a ter a Ceia do Senhor todos os domingos e a batizar só os crentes, por imersão (o próprio Alexander Campbell, sua esposa, seus pais e sua irmã foram batizados em 1812), e a igreja foi abençoada, crescendo e evangelizando e assim formando outras assembleias.
O mesmo ocorreu na Rússia, a exemplo do que ocorria por todo o mundo, e foram apelidados de “nazarenos” sendo muito perseguidos pela igreja Ortodoxa lá reinante.
Em 1827 surgiu espontaneamente na Inglaterra algo semelhante. Um dos pioneiros foi um dentista em Plymouth chamado Antony Groves, um evangelista dedicado, e com ele formou-se uma igreja de grande porte naquela localidade. Os membros se chamavam de “irmãos” entre si, e espalharam o Evangelho por outras localidades. Como não queriam adotar uma denominação, vieram a ser conhecidos como “irmãos de Plymouth”, tanto eles, como os membros de muitas outras igrejas independentes como aquela.
O Evangelho em sua simplicidade passou a ser pregado dentro de salões (geralmente chamados “Salões do Evangelho”) e ao ar livre, formando-se igrejas baseadas apenas e inteiramente no ensino bíblico, sem clericalismo ou rituais, mas obedecendo às ordenanças do batismo (por imersão) e da Ceia do Senhor. As igrejas se multiplicaram, mantendo sua independência entre si, e enviaram missionários para todo o mundo, inclusive para o Brasil, para pregar o Evangelho de Cristo, sem tomarem para si qualquer denominação.
No Brasil, as igrejas denominacionais frequentemente confundem os membros dessas igrejas com uma seita exclusivista, que chamam de “darbista”. É verdade que o fundador dessa seita, um ministro anglicano, de grande erudição, chamado John Nelson Darby, participou da formação de uma destas igrejas. Ele fez uma tradução da Bíblia a partir dos textos originais ainda hoje considerada excelente, e desenvolveu um proveitoso ministério de evangelização e ensino.
Mas Darby não abandonou o batismo infantil, prática da igreja anglicana, e mantinha que as igrejas locais deviam ter um líder e submeter-se a uma autoridade central. Teve outras teorias a respeito da igreja primitiva que o separavam do entendimento comum da maioria das igrejas neotestamentárias. Eventualmente cortou a comunhão com as igrejas que não admitiam as suas ideias, e tornou-se o titular das igrejas que o seguiam, introduzindo nelas uma disciplina severa e proibindo a comunhão com qualquer outra igreja, denominacional ou independente.
Suas igrejas, portanto, ficaram sendo conhecidas como igrejas dos “irmãos exclusivos” ou “darbistas”. Darby infelizmente partiu em direção oposta à de Campbell: este congregou os crentes que compreendiam que era correto reunir-se em nome de Cristo apenas, deixando as instituições religiosas de várias denominações para voltarem-se apenas ao ensino do Novo Testamento, enquanto Darby criou a sua própria instituição, reunindo sob a sua autoridade as congregações que o seguiam.