Existe a idéia, bastante disseminada, segundo a qual “disciplina” é um castigo imposto na igreja local aos que desobedecem a certas regras de conduta consideradas de importância para o crente.
Em algumas igrejas esse castigo consiste quase invariavelmente em proibir a participação da Santa Ceia, geralmente imposto pelos supervisores; eles também exigem que o infrator compareça a essa reunião regularmente como simples assistente até convencê-los que se arrependeu do seu pecado. Supondo-se que as infrações possam ser classificadas em vários graus de gravidade, pareceria justo que a “disciplina” fosse proporcional obedecendo a uma escala. Daí a pergunta que nos foi feita.
O verbo disciplinar, traduzido na Bíblia do grego paideuo tem um sentido muito mais amplo do que este: é treinar crianças, ser instruído, ser ensinado ou aprender, fazer com que alguém aprenda, castigar com palavras, corrigir o caráter mediante repreensão e advertência, ou castigar fisicamente como o pai usa da vara para castigar o filho, um juiz ordena açoites, ou Deus usa de males e calamidades.
A disciplina compreende, portanto, todo o processo de educação, amadurecimento e aprimoramento do crente em sua nova vida com Cristo. Inclui tanto a sua instrução, como o seu treinamento e a sua correção. Em seu sentido amplo é usada por Deus, com o poder do seu Espírito, para que os Seus filhos cheguem à perfeição da maturidade espiritual (Efésios 6:4, 1 Timóteo 3:4, Hebreus 12:7-11). Percebemos que essa disciplina é do tipo que um pai usa para educar e treinar o seu filho, na sua infância e adolescência até se tornar um adulto (Deuteronômio 8:5).
Ninguém, nem mesmo uma igreja local, pode usurpar a autoridade de Deus nesse processo. É de se notar que, em toda a Bíblia, os vocábulos disciplina e disciplinar, só são usados com referência ao tratamento carinhoso de Deus para com o Seu povo, um pai para com o seu filho, e um servo do Senhor, com mansidão, para com os que se opõem (2 Timóteo 2:24-26).
De certa forma a igreja local, que é a casa de Deus (1 Timóteo 3:15) se assemelha a uma escola: entre os seus membros o Espírito Santo constitui os supervisores (chamados de anciãos, bispos ou presbíteros - Atos 20:28) responsáveis pelo pastoreio do rebanho, mais maduros espiritualmente, deles sendo requerida uma conduta irrepreensível (Tito 1:7); todos os membros se reúnem para o aprendizado e prática das Escrituras para chegar à perfeição e habilitação para toda a boa obra (2 Timóteo 3:16,17). A igreja local tem assim uma parte na disciplina do crente, assim como a escola tem na educação de uma criança, nos aspectos de instruir, treinar e corrigir os seus membros nos caminhos de Deus.
Mas, para respondermos à pergunta que nos foi feita, vamos atentar apenas à disciplina em seu aspecto de corrigir, pois é aqui que poderia entrar a punição.
Ninguém se alegra em castigar ao seu irmão, ao contrário, isso traz tristeza a si próprio e aos outros. O apóstolo Paulo ensina: “basta-lhe a punição pela maioria. De modo que deveis, pelo contrário, perdoar-lhe e confortá-lo, para que não seja o mesmo consumido por excessiva tristeza. Pelo que vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor.” (2 Coríntios 2:5-8). Não encontramos autoridade na Bíblia para punir com castigos físicos, mas para corrigir o caráter dos seus membros a igreja tem autoridade para usar palavras de repreensão e advertência, ou usar o ostracismo.
Os que vivem no pecado devem ser repreendidos na presença de todos, para que também os demais temam (1 Timóteo 5:20). Vejamos as circunstâncias e as diferentes correções:
Não se deve disputar sobre coisas duvidosas, aquelas sobre as quais as Escrituras silenciam: o apóstolo Paulo citou algumas que surgiam no tempo dele: comer ou não comer certas coisas, guardar ou não certos dias. “Portanto, acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo nos acolheu para a glória de Deus.” (Romanos 14:1-7).
Com respeito à Santa Ceia, existe uma única advertência: “aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si… Se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando julgados, somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo.” (1 Coríntios 11:27-32). A decisão é individual e o castigo vem do Senhor, o único que pode ler o nosso coração.
“Se alguém for surpreendido em alguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado” (Gálatas 6:1). Trata-se de uma falta, um tropeção: a igreja deve corrigi-lo, consertá-lo, usando de mansidão, que é fruto do Espírito Santo. Uma repreensão, uma advertência, um aconselhamento feitos com mansidão serão geralmente o suficiente. Estejamos atentos para não sermos tentados também.
“Exortamo-vos, também, irmãos, a que admoesteis os insubmissos … e sejais longânimos para com todos.” (1 Tessalonicenses 5:14). Trata-se de submissão aos ensinos apostólicos, que inclui obediência e submissão aos seus guias porque “velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros” (Hebreus 13:17).
Com a autoridade do Senhor Jesus Cristo, Paulo ordenou que os membros da igreja se apartem de todo irmão que ande desordenadamente e não segundo a tradição recebida dele. Ele se referiu especialmente aos que viviam ociosos às custas dos outros e se intrometiam na vida alheia, e ordenou: “se alguém não quer trabalhar, também não coma”. A punição de ostracismo neste caso tinha por finalidade fazer com que o infrator ficasse envergonhado. Ele não devia ser considerado por inimigo, nem posto fora de comunhão na igreja como aqueles mencionados em 1a. Coríntios 5:11-13, a seguir, mas advertido como irmão (2 Tessalonicenses 3:6-15).
Sendo a igreja local a casa de Deus, os seus membros devem protegê-la de qualquer contaminação (1 Coríntios 5:1-13). Eles devem afastar da sua companhia e nem sequer comer com quem se diz irmão mas é:
Impuro, segundo os padrões bíblicos de conduta sexual
Avarento, para quem a riqueza material vem em primeiro lugar
Idólatra, que adora outras coisas com ou acima do Deus vivo
Maldizente, cuja língua venenosa assassina o caráter de outros
Beberrão, voluntariamente se entregando ao vício do alcoolismo
Roubador, que destitui os outros de bens, sejam materiais ou imateriais, para benefício próprio.
Note-se que não se trata de cair em tentação, como vemos em “3”, mas de uma característica pessoal que põe em dúvida se houve um novo nascimento. Ele se diz irmão mas não dá evidência disso e, se não for, é pior do que os incrédulos por causa da influência que pode ter na igreja local.
7. Para conservar a pureza da fé, é preciso:
"fazer calar os insubordinados, palradores frívolos e enganadores: eles devem ser repreendidos severamente, para que sejam sadios na fé " (Tito 1:10,11).
"evitar o homem faccioso, depois de admoestá-lo primeira e segunda vez, pois … vive pecando" (Tito 3:10,11). São os sectários e falsos mestres, que causam divisões e ofensas (Romanos 16:17-20, 1 Timóteo 6:3-5).
"Não receber em casa nem dar as boas vindas a todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece, pois ele não tem Deus " (2 João 1:9-10).
“Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor. Porque toda a lei se cumpre em um só preceito, a saber: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Se vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos outros, vede que não sejais mutuamente destruídos.” (Gálatas 5:13-15).