O dízimo é a décima parte de um todo. É freqüente ouvir exortações pelo rádio ou televisão conclamando os ouvintes a contribuir com o dízimo do seu salário, e qualquer outra receita, para determinadas organizações ou igrejas, com base em versículos tirados do Velho Testamento (na absoluta falta de qualquer referência a esta pretensa obrigação no Novo Testamento). É um exemplo clássico da retirada de versículos fora do seu contexto para uma indevida aplicação.
Vejamos as três ocorrências do dízimo encontradas no Velho Testamento:
“Depois que Abrão voltou de ferir a Quedorlaomer e aos reis que estavam com ele, saiu-lhe ao encontro o rei de Sodoma, no vale de Savé (que é o vale do rei). Ora, Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; pois era sacerdote do Deus Altíssimo; e abençoou a Abrão… E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo. Então o rei de Sodoma disse a Abrão: Dá-me a mim as pessoas; e os bens toma-os para ti. Abrão, porém, respondeu … não tomarei coisa alguma de tudo o que é teu, nem um fio, nem uma correia de sapato, para que não digas: Eu enriqueci a Abrão” (Gênesis 14:17-23).
Sobre este evento temos referência no Novo Testamento: “Porque este Melquisedeque, rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, que saiu ao encontro de Abraão quando este regressava da matança dos reis, e o abençoou, a quem também Abraão separou o dízimo de tudo… Considerai, pois, quão grande era este, a quem até o patriarca Abraão deu o dízimo dentre os melhores despojos… E, por assim dizer, por meio de Abraão, até Levi, que recebe dízimos, pagou dízimos” (Hebreus 7:1-9).
Abraão deu a Melquisedeque, sacerdote do Deus Altíssimo, a décima parte do saque conquistado na guerra, “os melhores despojos”. Não era parte da sua propriedade, e nem tencionava Abraão ficar com o resto dos despojos, pois os entregou imediatamente depois ao rei de Sodoma, de quem haviam sido roubados anteriormente. Não há nada na Bíblia que nos possa sugerir que Abraão costumava dar o dízimo regularmente sobre a sua renda. É, portanto, um absurdo ridículo concluir que esta ocorrência isolada e apenas demonstrativa da superioridade do sacerdote Melquisedeque sobre Abraão e sobre o sacerdócio Levítico, seja exemplo válido para exigir que os cristãos paguem 10% dos seus salários (não despojos de guerra), à sua igreja ou aos pregadores no rádio e televisão, como alguns destes sustentam.
“Fez também Jacó um voto, dizendo: Se Deus for comigo e me guardar… e me der pão… e vestes… de modo que eu volte em paz à casa de meu pai, e se o Senhor for o meu Deus, então… de tudo quanto me deres, certamente te darei o dízimo” (Gênesis 28:20-22).
Jacó, neto de Abraão, primeiro reconheceu que o Senhor é Deus, depois lhe propôs um negócio: se o Senhor cumprisse com as condições estabelecidas por Jacó, então Jacó lhe devolveria um décimo. Esta é a primeira e única vez que lemos na Bíblia sobre alguém que promete devolver a Deus o dízimo de tudo o que dEle receber. A importância dessa proposta de Jacó, ou Israel como Deus o chamou mais tarde, é que o Senhor a aceitou, e cumpriu com a Sua parte, e com base nela estabeleceu as regras dos dízimos na lei dada aos seus descendentes através de Moisés.
Não se recomenda a nenhum cristão negociar com o Senhor desta forma, muito menos considerar que ele e seus irmãos na fé estão obrigados a pagar dízimos por causa do que Jacó contratou. Deste exemplo aprendemos que Deus não espera um “dízimo” antes de ter abençoado o “contribuinte”. Jacó declarou que devolveria a décima parte a Deus: mas como? Ainda não havia igreja local, templo ou o sacerdócio levítico, e não havia como entregá-lo pessoalmente a Deus ou a um anjo. Mas havia duas maneiras diferentes: participando de uma parte ele próprio e a sua família em comunhão e com agradecimentos a Deus (Deuteronômio 12:6-7), e distribuindo ao estrangeiro, ao órfão e à viúva (Deuteronômio 14:29).
Seria necessário ler a lei para verificar todas as suas minúcias. O povo de Israel era composto de doze tribos, das quais uma, a de Levi, fornecia os sacerdotes e escribas para o serviço de Deus e para a instrução do povo. Essa tribo não herdou território do qual pudesse tirar o seu sustento da terra, e os dízimos se destinavam principalmente ao seu sustento e à própria manutenção do templo. Os dízimos eram cobrados apenas dos fazendeiros, que pagavam dízimos em espécie sobre o que cultivavam e criavam, havendo a cobrança de dois durante cada ano e um terceiro em cada terceiro ano.
Quem não fosse fazendeiro pagava apenas meio siclo por ocasião da Páscoa: não se cobravam dízimos sobre salários ou rendas financeiras. A imposição de dízimos era parte da lei de Moisés, e somente podia vigorar enquanto a lei de Moisés estivesse vigente. A lei de Moisés terminou quando Jesus Cristo morreu na cruz, dando início ao Novo Testamento com o Seu sangue.
Com o Novo Testamento, o pagamento de dízimos pelos filhos de Deus cessou completamente, pois:
Como o Senhor Jesus havia declarado, o templo israelita foi totalmente destruído (Mateus 24:1-2). Somente os sacerdotes levitas podiam receber os dízimos dos israelitas, e não existem mais.
Deus não habita em templos feitos por mãos de homens (Atos 17:24).
Os verdadeiros crentes, os santos, são agora individual e pessoalmente o templo de Deus segundo o Novo Testamento (2 Coríntios 6:16).
Como não há mais templo de Deus, construído por mãos humanas neste mundo, também não existe sacerdócio de templo aqui, sendo cada crente parte de um novo sacerdócio em que o Sumo Sacerdote é o Senhor Jesus Cristo (1 Pedro 2:9).
Do crente não se requer que dê um dízimo a Deus do seu salário, ou da sua renda, mas que entregue tudo o que ele é e tem (seu "corpo") ao dispor de Deus (Romanos 12:1). Ele não precisa de um intermediário ou intercessor, sendo Jesus Cristo seu perfeito intercessor e Sumo Sacerdote assentado à destra da Majestade nos céus (Hebreus 7:28-8:1). Somente começaram a aparecer as cobranças de “dízimos” financeiros em igrejas muitos séculos depois do início do cristianismo, para sustentar as instituições religiosas que se formaram. São totalmente diferentes dos dízimos do Velho Testamento, logo não se pode basear em textos do Velho Testamento para defendê-los.
Em princípio, a contribuição financeira dos santos à obra de Cristo não é feita em função de uma alíquota obrigatória, igual para todos, mas cada um contribui na medida em que tiver prosperado. Alguns podem dar muito, outros pouco e alguns mesmo nada. Deus ama ao que dá com alegria (2 Coríntios 9:7).
Cada um poderá destinar sua contribuição a um ou mais fins específicos na obra de Deus, por exemplo: Paulo em seu tempo recomendou aos santos de Corinto que semanalmente pusessem à parte uma contribuição destinada aos que sofriam em Jerusalém (1 Coríntios 16:1-4). Muitos vão preferir fazer ofertas anônimas em obediência ao princípio que encontramos em Mateus 6:3. Não é necessário, e poucas vezes é recomendável, que se assuma um compromisso com o destinatário.
A Bíblia não ensina em lugar algum que a contribuição deve ser dada integralmente à igreja local, a uma missão, entidade ou a uma pessoa qualquer. Ao contrário, a recomendação de Paulo foi no sentido de que seja guardada à parte, em particular, para ser fornecida na medida da necessidade. Devemos ajudar na manutenção da nossa igreja local, mas isso não significa passar tudo para ela.
A Bíblia especifica que deverão ser estimados por dignos de duplicada honra, ou remunerados, os presbíteros que governam bem, principalmente os que trabalham na Palavra e na doutrina (1 Timóteo 5:17, Gálatas 6:6). As necessidades que chegam ao nosso conhecimento podem ser variadas, e às vezes algumas surgem inesperadamente. Como despenseiros daquilo que Deus nos confia, sejamos sábios com a maneira em que o empregamos.
Ninguém tem o direito de assumir autoridade para distribuir o que é da nossa responsabilidade, muito menos de ditar quanto deve ser a nossa contribuição para determinado trabalho. Por outro lado, existem irmãos que oferecem ao Senhor o seu tempo e habilidade para encaminhar contribuições ao seu destino, como o apóstolo Paulo, e fazemos bem em usar os seus serviços, agradecendo a Deus por eles.