O dicionário adequadamente define misericórdia como “sentimento de dor e solidariedade com relação a alguém que sofre uma tragédia pessoal ou que caiu em desgraça, acompanhado do desejo, ou da disposição de ajudar ou salvar essa pessoa; dó, compaixão, piedade”.
Misericórdia é um dos maravilhosos atributos de Deus, sendo Ele “riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou” (Efésios 2:4), e “segundo a sua grande misericórdia, nos gerou de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos” (1 Pedro 1:3).
Gerados de novo, passamos a ser os filhos espirituais de Deus que nos gerou e, como tal, somos dotados com o fruto do Espírito Santo, que é “amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança” (Gálatas 5:22). Com essas características incorporadas ao nosso caráter, demonstramos nossa filiação divina.
Todavia, nossa velha natureza se opõe contra o novo caráter, exigindo uma luta interior de nossa parte para mortifica-la, e isso se vê de várias maneiras. Uma delas, por exemplo, é através da misericórdia que mostramos para com nossos irmãos que estão em falta conosco. A velha natureza, egocêntrica, quer justiça para si, e é vingativa quando não recebe o que considera que lhe é devido, mas o Senhor disse: “Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso” (Lucas 6:36).
Ele ilustrou a situação mediante uma parábola, que encontramos em Mateus 18:23-35:
Em um acerto de contas foi apurado que o servo de um rei lhe devia dez mil talentos: uma fortuna correspondente ao valor de cerca de trinta quilos de ouro. Para ressarcir-se, o rei mandou vender o servo e tudo o que ele possuía, direito soberano que tinha.
O servo prostrou-se reverente diante do rei, e rogou por paciência porque tudo lhe pagaria. O rei, misericordioso, compadeceu-se, mandou-o embora e perdoou a sua dívida, ou seja, assumiu o prejuízo.
Mas esse servo não era misericordioso como o rei, provando isso logo em seguida, ao recusar perdoar um colega que lhe devia uma insignificância. Exigiu tudo que lhe era devido, sob as penas da lei, não ouvindo seus apelos por clemência. O Senhor ressaltou a maldade desse servo, pois agarrava e sufocava o colega que lhe devia.
Os outros colegas, vendo o que se havia passado, foram contar ao rei. Este chamou novamente o seu servo, declarou que ele era malvado por não ter se compadecido do colega assim como o rei havia se compadecido dele, e entregou-o aos verdugos para que não o soltassem até que pagasse toda a dívida.
Deus tem compaixão de quem se humilha, reconhece o seu pecado e, sabendo que nunca poderá pagar por ele, pede perdão: Deus acertou a conta, assumindo o “prejuízo” na pessoa do Seu Filho, que veio ao mundo e deu a sua vida na cruz do Calvário. Essa é uma combinação de justiça, amor, compaixão e graça de Deus, o Evangelho.
A parábola nos ensina que, quem não usar de misericórdia, também não receberá misericórdia da parte de Deus, pois: “O juízo é sem misericórdia para com aquele que não usou de misericórdia” (Tiago 2:13).
Ou, como o Senhor Jesus colocou no Sermão do Monte: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia” (Mateus 5:7). Os misericordiosos são compassivos, têm pena e aliviam os que estão sofrendo, perdoam as ofensas e as dívidas dos que não podem pagar, ajudam os necessitados e fazem o bem ao próximo.
“O que despreza ao seu próximo peca, mas o que se compadece dos humildes é bem-aventurado” (Provérbios 14:21). “E se abrires a tua alma ao faminto, e fartares a alma aflita; então a tua luz nascerá nas trevas, e a tua escuridão será como o meio-dia” (Isaías 58:10). Essas promessas são dirigidas ao povo de Deus, representado pelos israelitas quando foram feitas. Se um incrédulo for misericordioso, isto por si só não lhe ganhará o perdão dos pecados, pois a salvação “não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2:9).
Por isso, muito apropriadamente, o perdão veio primeiro da parte do rei na parábola. Segue-se que a misericórdia que alcançam os misericordiosos é concernente ao galardão que lhes será concedido no tribunal de Cristo (1 Coríntios 3:12-15).
Haverá nessa ocasião um acerto de contas entre o Senhor Jesus Cristo e todos os que pertencemos à Sua igreja, com a distribuição de galardões. Tudo o que tivermos feito com a nossa vida aqui no mundo, depois de salvos e perdoados, será avaliado.
A nossa misericórdia para com os outros será levada em conta:
“Quem se compadece do pobre empresta ao Senhor, e ele lhe recompensará” (Provérbios 19:17).
“Se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós” (Mateus 6:14).
“Dai, e vos será dado; uma boa medida, calcada, sacudida e transbordante vos será dada. Pois a medida que usardes também será usada para vos medir” (Lucas 6:38).
Para usarmos de misericórdia nas dívidas e ofensas entre irmãos, resolvidas conforme o ensino do Senhor Jesus em Mateus 18:15 a 17, devemos proceder da seguinte maneira, seguindo de perto o modelo que Deus nos deu de perdoar:
Se um irmão nos ofender, devemos perdoá-lo imediatamente: “Sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo” (Efésios 4:32). Esse perdão deve ser do íntimo (v.35). Com isso ficamos livres de um espírito vingativo e maldoso.
Sem declarar nosso perdão ao irmão faltoso, enquanto ele não reconhecer a sua culpa e se mostrar arrependido, devemos ir até ele e repreendê-lo em amor, esperando conduzi-lo ao arrependimento (Lucas 17:3). Se ele não nos quiser ouvir, devemos continuar o procedimento conforme Mateus 18:16 e 17.
Logo após ele reconhecer o seu pecado e pedir desculpas podemos, sinceramente, manifestar nosso perdão (Lucas 17:4). Se não o perdoarmos, Deus nos punirá e disciplinará neste mundo e nosso galardão será prejudicado quando nossas ações forem julgadas diante do tribunal de Cristo.
“O que … exercita misericórdia, faça-o com alegria.” (Romanos 12:8)