Existem três correntes de opinião:
Pedro, sustentada principalmente pelas instituições católicas (romana e ortodoxas) que vêem aqui a designação de Pedro como o líder da igreja. "Pedro" e "pedra" são duas palavras diferentes no grego no qual o Evangelho foi escrito, mas ambas igualmente traduzem o aramaico "Kêphâ" em que provavelmente o Senhor Jesus falou. Uma observação: os discípulos não entenderam que fosse Pedro, pois pouco depois discutiam entre eles sobre quem seria o maior no reino dos céus (Mateus 18:1, Marcos 9:34); tampouco é essa opinião confirmada por ensinos e eventos posteriores registrados nas Escrituras.
A declaração feita por Pedro no versículo anterior: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo". Em grego, a língua usada pelo Espírito Santo para nos transmitir os Evangelhos, "Pedro (Petros)" é uma pedra, ou lasca de rocha, enquanto que "pedra (petrâi)" é uma rocha, ou penhasco, a mesma palavra usada para a rocha em que o homem sábio construiu a sua casa (Mateus 7:24). O Senhor Jesus estava fazendo um trocadilho com a palavra "Kêphâ", referindo-se primeiro a Pedro e depois ao que ele havia declarado, e esta é a rocha sobre a qual se fundamenta a igreja de Cristo.
O próprio Senhor Jesus. Em consonância com muitas Escrituras que O chamam de "pedra", ou "pedra angular" (Salmo 118.22, Mateus 21:42, Efésios 2:20, etc.), assim também foi entendido por Pedro (Atos 4:11, 1 Pedro 2:6,7), tratando-se de um trocadilho como explicado em "b". Seria como se Ele dissesse: "Simão, foi o Pai que te revelou o que declaraste; também te digo que teu nome é Pedro, mas agora Eu vou revelar-te que sobre esta Pedra (apontando para Si) edificarei a Minha igreja".
A primeira corrente não é justificável, a segunda é aceitável e tem bons defensores, mas a terceira tem maior base nas Escrituras, ajustando-se perfeitamente com Efésios 2:20: "edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular". Os apóstolos e profetas não são o fundamento, mas o fundamento deles é o ensino de Cristo Jesus, a pedra angular cuja posição e dimensões, como nos edifícios daquela época, é a diretriz para todo o edifício.
O "inferno" é a palavra que Almeida usou aqui para traduzir a palavra grega "hades", por sua vez tradução do hebraico "sheol", o mundo invisível para onde vão os mortos. A palavra "inferno" não é uma tradução apropriada, pois ele também usa "inferno" para traduzir a palavra "geena", o lugar que recebe os espíritos dos que estão destinados à perdição eterna (Mateus 5:29, 10:28, etc.). "Inferno" é mais conhecido como sendo este último lugar.
O "sheol" compreende o "geena", mas também ali está o "seio de Abraão" onde vão os justos (Lucas 16:22,23). Por exemplo, entre a Sua morte e ressurreição Cristo foi para o "paraíso", outra palavra para o "seio de Abraão" (Lucas 23:43), que está no "sheol" (Atos 2:27, 31). Almeida ainda traduz a mesma palavra "sheol" por "sepultura" (Gênesis 37:35, etc.), "abismo" (Números 16:30,33), "morte" (Salmos 16:10; 18:5, etc.) e "reino dos mortos" (Isaías 14:15).
Temos no versículo em foco a figura de dois edifícios, a igreja de Cristo sobre a Rocha, e a casa da morte com as suas portas. Essas portas são mencionadas no Velho Testamento (Jó 38:17; Salmo 9:13; 107:18; Isaías 38:10) e a idéia aqui é que só dão entrada, não permitindo a saída a ninguém. Mas elas não impediram Cristo de sair, tendo Ele voltado ao mundo dos vivos triunfante mediante a Sua ressurreição.
Igualmente não prevalecerão contra a Sua igreja. Tendo triunfado sobre a morte, Cristo é a garantia da perpetuidade da igreja. Quando Cristo vier buscar a Sua igreja, os que tiverem morrido ressuscitarão e os vivos serão transformados, para viverem eternamente com Ele. Então "Tragada foi a morte pela vitória. Onde está, ó morte (Hades, Sheol), a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?... Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Coríntios 15:54,55,57).
"Edificarei a minha igreja": é a primeira vez que a igreja de Cristo é mencionada no Novo Testamento. Ela não aparece no Velho Testamento. Ele diz que vai edificá-la Ele próprio. Se a pedra sobre a qual a igreja é edificada é Ele, como pode Ele também edificá-la? Em termos físicos isso seria impossível.
Em 1 Pedro 2:4-10 vemos a relação entre Cristo e essa construção espiritual, a igreja, como:
a) A Pedra fundamental: "Eis que ponho em Sião uma pedra angular, eleita e preciosa; e quem nela crer não será, de modo algum, envergonhado". Sendo o Verbo de Deus, o Senhor Jesus veio ao mundo adquirindo a forma de Filho do Homem, fez-nos conhecer a Deus e nos permitiu ter vida eterna ao dar-Se em sacrifício por nós na cruz.
b) As pedras usadas na construção: "...vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo". A matéria prima da construção consiste de pessoas, todas as que foram salvas pela graça mediante a fé na obra redentora de Cristo, e elas são as "pedras que vivem". Ele não constrói a Sua igreja com idéias, doutrinas, filosofias ou métodos. Eles para nada servem, por mais excelentes e ortodoxos que sejam, se não houver em primeiro lugar almas convertidas para observá-los.
c) O Construtor: Ressuscitado e tendo recebido do Pai a suprema autoridade, o Senhor Jesus está construindo esse edifício espiritual do qual os que Ele crêem fazem parte. Ele "alimenta e cuida da Sua igreja" (Efésios 5:29), que é "o seu corpo e da qual Ele é a cabeça" (Colossenses 1:18,24). É muito importante nos conscientizarmos disso: "Ora, o Deus de toda a graça, que em Cristo vos chamou à sua eterna glória, depois de terdes sofrido por um pouco, ele mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar" (1 Pedro 5:10). O Construtor não é um homem falho, nem uma igreja local ou uma entidade para-eclesiástica: é o Deus eterno, na pessoa de Cristo! O próprio apóstolo Paulo disse, sobre a sua missão: "de Deus somos cooperadores; lavoura de Deus, edifício de Deus sois vós".
A "igreja de Cristo" é uma construção espiritual que abrange o mundo inteiro, começou no dia de Pentecostes e terminará no arrebatamento da igreja. Não é apenas uma igreja local, pois "sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus..."; é a igreja universal, ainda em formação hoje, e ainda não iniciada quando o Senhor Jesus disse aquelas palavras.
Pelo sangue de Cristo gentios e judeus foram e continuam sendo unidos e reconciliados em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz, tendo acesso ao Pai em um Espírito e passando a pertencer à família de Deus. Esse é o edifício espiritual que está em construção, "sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular" (Efésios 2:20). É pela igreja que a "multiforme sabedoria de Deus se torna conhecida dos principados e potestades nos lugares celestiais, segundo o eterno propósito que estabeleceu em Cristo Jesus, nosso Senhor" (Efésios 3:10,11).
Uma assembléia ou igreja, que se reúne em determinado local, ou uma instituição, seja ela grande ou pequena, não deve ser confundida com essa construção eterna, que é "a igreja de Cristo". A igreja local será "casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade" (1 Timóteo 3:15), somente se lhe for submissa, fiel e obediente. As igrejas locais são essenciais para a prática do amor e da comunhão entre os crentes, instrução, apoio mútuo, e crescimento em Cristo "para santuário dedicado ao Senhor, sendo todos juntamente edificados para habitação de Deus no Espírito" (Efésios 2:21-22). As instituições religiosas fogem ao sentido bíblico de igreja.
Da mesma forma que a igreja universal de Cristo, as igrejas locais são compostas de pessoas! Pouco adianta uma ênfase sobre pureza de doutrina, regras de fé ou uma comunhão incontaminada, dentro de um vácuo. As igrejas locais nascem, mas também morrem: não há garantia de perpetuidade. Morrem por causa do falecimento dos seus membros, ou pela sua dispersão para outras localidades se não houver sobreviventes.
Essas são causas naturais, mas, se não forem vigilantes, as igrejas locais podem ainda se desvirtuar e mesmo apagar-se espiritualmente, envenenadas por heresias, contaminadas com alianças com o mundo; ou abafadas por regulamentos e tradições de homens impostos pelos seus supervisores; ou resultantes de alianças, de convenções e de laços eclesiásticos com outras igrejas como elas.
É sumamente desejável que os seus membros sejam todos "pedras que vivem" da igreja de Cristo mas, infelizmente, as igrejas locais estão sujeitas à infiltração de incrédulos disfarçados de crentes. As "pedras que vivem" que porventura estiverem dentro delas sofrerão por causa disto, mas nunca deixarão de pertencer à igreja de Cristo, pois são os que se salvaram pela graça de Deus, mediante a fé, e têm a vida eterna que nunca lhes será tirada.