A pergunta é feita tendo por base 1 Samuel 28:7-20. Embora o texto bíblico diga claramente que foi Samuel (versículos 12, 15, 16, 20) parece surpreendente à primeira vista que, tendo o SENHOR recusado a se comunicar com Saul através dos meios usuais (versículo 6), o espírito de Samuel subisse do paraíso para falar com ele quando procurou a médium de Endor, já que os necromantes e os que consultam os mortos são abominação ao SENHOR (Êxodo 22:18, Levítico 20:27, Deuteronômio 18:9-14).
Por causa disso, muitos comentaristas, a partir dos primeiros da igreja católica (Tertuliano e Jerônimo), reformadores protestantes (Lutero, Calvino), e outros mais recentes, mediante um raciocínio bem elaborado defendem a tese, com muitos argumentos, que não foi Samuel que subiu do paraíso, mas foi o próprio diabo ou um dos seus demônios que fingiu subir da terra para falar com Saul (e desta forma, tendo enganado Saul, enganar também a todos os que lêem sobre o fato para fazê-los pensar que realmente os médiuns têm poder para chamar os espíritos dos mortos).
Não existe outro caso como este na Bíblia, nem outra referência a esta passagem. Os judeus aparentemente nunca puseram em dúvida este texto bíblico, e seus comentaristas, baseados no hebraico, aceitam que foi realmente o espírito de Samuel. Que fôsse Samuel mesmo quem subiu não é somente o que a escritura diz, o que já é amplamente suficiente para a maioria de nós, mas com isso concordam eruditos da antiguidade como Justino Mártir, Origines e Agostinho, e os comentaristas que se batem pela ortodoxia bíblica são quase unânimes em declarar que o profeta morto realmente apareceu e anunciou a destruição de Saul e do seu exército.
Mas eles mantêem que Samuel não subiu em virtude das artes mágicas da médium, mas através de um milagre produzido pela onipotência de Deus. Não é o único caso em que Deus, pela sua soberana vontade e na sua infinita sabedoria, age de forma contrária ao nosso raciocínio. Como em outros casos, creio que ao tomarmos uma decisão, devemos aceitar a inspiração divina na redação original do texto bíblico. Se assim fizermos, não podemos deixar de concordar que foi realmente o espírito de Samuel.
Se admitirmos que Satanás teve a liberdade de inserir uma mentira no relato bíblico, abrimos uma brecha na credulidade que nos merecem todas as Escrituras Sagradas.
O SENHOR não atendeu diretamente às consultas feitas por Saul (Saul havia assassinado oitenta e cinco sacerdotes do SENHOR anteriormente), e as Escrituras nos dizem que a situação em que ele agora se encontrava era porque de maneira altiva e leviana ele havia desobedecido às instruções que o SENHOR lhe havia dado diretamente em outra ocasião (versículo 18).
Saul, desesperado e sem saber o que fazer, quiz aconselhar-se com o profeta Samuel, já morto. Foi então procurar a médium (gênero de atividade que ele próprio havia procurado eliminar do país em dias melhores), e jurou a ela, em nome do SENHOR, que não a castigaria. Com isso, desobedeceu a Deus duas vezes.
Contra todas as expectativas, Samuel subiu do paraíso no Sheol, onde se encontrava, para lhe falar: a Bíblia não nos diz a razão por que Deus o permitiu e só podemos fazer conjecturas a esse respeito. Por exemplo, seria talvez uma última oportunidade para Saul se arrepender, confessar seus pecados, e voltar-se para Deus. Pelo seu grito e exclamação de grande surpresa, deduzimos que a médium nada teve a ver com a vinda de Samuel. Houve uma interferência extraordinária e desconhecida sobre a sua rotina usual: ela percebeu que algo completamente fora do seu controle estava acontecendo, vendo o que ela pensou ser um “deus” subir da terra, pois ela estava acostumada apenas a usar arte mágica para enganar seus clientes. Em nenhum momento a Bíblia diz que o espírito de Samuel se “incorporou” na médium.
A vinda de Samuel não trouxe consolo para Saul, pois, além de repreendê-lo por chamá-lo, Samuel confirmou a justiça de Deus, anunciou a sua morte iminente e a dos seus filhos (que combatiam com ele) e a vitória dos filisteus sobre o seu exército.
Saul, já enfraquecido por não ter comido nada por cerca de vinte a quatro horas, foi tomado de grande medo por causa das palavras de Samuel, caiu por terra e ali lhe faltaram as forças.
Hoje em dia o mundo procura grandes sensações e emoções na religião. Um dos caminhos é pelo espiritismo moderno, a antiga necromancia, cuja prática consiste, quando não em simples fraude, em chamar um demônio, que fala através da médium, como se fosse o espírito de um morto. Os demônios podem ter tido conhecimento daquela pessoa e dos seus hábitos, e assim o demônio pode enganar o cliente fazendo-o pensar que se trata realmente da pessoa morta.
Este trecho tem servido de argumento pelos espíritas para tentar dar alguma legitimidade bíblica às suas sessões. Eles dizem que a médium trouxe o espírito de Samuel para falar com Saul. Mas se assim fosse, seria o único caso na Bíblia, e as Escrituras Sagradas inegavelmente sempre condenam o espiritismo, que abrange adivinhação, prognóstico, agouro, feitiçaria, encantamento, magia e necromancia, que Deus abomina (Deuteronômio 18:10-12, Gálatas 5:19-21).
A narrativa bíblica do trecho em estudo não dá qualquer apoio ao espiritismo, pois a médium evidentemente nada tinha a ver com a subida de Samuel e foi apenas uma espectadora. Deus não violou suas próprias regras permitindo que a médium trouxesse o verdadeiro espírito de Samuel para a superfície, porque não foi isso o que aconteceu, embora ela depois procurasse reivindicar o feito para si.
Concluimos que Deus permitiu que Samuel falasse com Saul naquele recinto naquela ocasião, como permitiu que Moisés falasse com o Senhor Jesus no monte da transfiguração (Marcos 9:4). Não sabemos como o espírito de Moisés apareceu e foi identificado pelos três apóstolos, assim como não sabemos como o de Samuel foi identificado por Saul. Mas Saul, que conhecia muito bem Samuel, sabia que era ele: seria quase impossível convencê-lo se fosse apenas uma “voz” falando através da médium.
A médium, no entanto, aparentemente não conhecia Samuel e pensava que fosse um deus: se fosse obra da sua magia, e julgando que sua vida estava em jogo, ela teria procurado convencer Saul que era Samuel, coisa que não fez.
Podemos tirar algumas lições para nós desta ocorrência, e certamente esta é a principal razão porque é relatada na Bíblia, e dá origem a tanta controvérsia:
Deus, mediante seu Espírito age com a Sua Palavra para convencer o homem do seu pecado, levando-o ao arrependimento. Mas não agirá para sempre (Gênesis 6:3). “Enquanto tendes a luz, crede na luz, para que vos torneis filhos da luz” (João 12:36). O incrédulo que resiste está em perigo de cometer o pecado contra o Espírito Santo, para o qual nunca terá perdão.
A desobediência a Deus nunca vai nos tirar de um apuro ou nos livrar das consequências de nos termos afastado dEle.
Ninguém, vivo ou morto, pode ajudar-nos, se Deus nos desampara. Esta é uma mensagem para os que confiam na intervenção dos vivos, sejam eles clérigos ou gurus, ou dos mortos, sejam “santos” (veja Jeremias 15:1) ou “espíritos”. Há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem (1 Timóteo 2:5).
Consultar os “espíritos” através de médiuns não somente é abominável diante de Deus, mas é enganoso e resulta em desgraça (Isaías 8:19-22).