Nas epístolas do Novo Testamento vamos encontrar os indícios das primeiras seitas que foram se formando, combatidas severamente pelos apóstolos.
As primeiras igrejas foram formadas por judeus e seus prosélitos, elas se reuniam inicialmente no templo de Jerusalém e nas sinagogas. As sinagogas eram, e ainda são, edifícios próprios para a leitura das Escrituras (a Lei e os Profetas), o ensino dos seus preceitos e a oração. A sua origem é muito antiga, pelo menos desde os tempos do cativeiro, quando são citadas no Salmo 74:4,8.
Quando o Evangelho se espalhou pelo mundo conhecido naquele tempo, principalmente com o apostolado de Paulo, lemos no livro de Atos que era primeiro pregado nas sinagogas existentes nas cidades, porque ali as Escrituras eram ensinadas tanto a judeus quanto a prosélitos: a chegada do Messias de Israel, e a mensagem da salvação pela fé nEle, deveria ser logo compreendida.
Os que eram convertidos a Cristo passaram a ser vistos por judeus e gentios como uma seita judaica, a dos nazarenos, e foram sendo expulsos do templo e das sinagogas. Os judeus que rejeitavam a Cristo, ciosos da sua religião tradicional, atacavam os cristãos física e moralmente.
Os judeus cristãos se encontravam diante de um dilema, pois eram pressionados a manter a tradição judaica para satisfazer os seus compatriotas, mas ela não tinha mais razão de ser no Novo Testamento. Essa pressão era tal que muitos vacilaram, e mesmo o apóstolo Pedro mostrou-se um tanto dúbio, sendo por causa disso certa vez repreendido em público pelo apóstolo Paulo (Gálatas 2:14).
Surgiram assim os “judaizantes”, a primeira seita que ameaçou a fé cristã. Professavam ser crentes em Cristo, convertidos ao Evangelho, mas pregavam que os cristãos estavam ainda obrigados a cumprir com o cerimonial judaico, guardando os sábados, dias de festa, mantendo a circuncisão, abstendo-se de alimentos, etc. A fé cristã estava sendo ameaçada de se confinar dentro dos limites de uma seita judaica e de, assim, perder o seu poder e liberdade de trazer o conhecimento da salvação de Deus ao mundo inteiro.
O Senhor Jesus já havia ensinado que o Novo Testamento substituía o Velho, e que não era possível misturá-los: “Ninguém deita remendo de pano novo em veste velha, porque semelhante remendo rompe a veste, e faz-se maior a rotura. Nem se deita vinho novo em odres velhos; aliás, rompem-se os odres, e entorna-se o vinho, e os odres estragam-se; mas deita-se vinho novo em odres novos, e assim ambos se conservam” (Mateus 9:16-17).
O remendo de pano novo em veste velha é como misturar a “lei” e a “graça”: quando a veste velha é lavada, o remendo novo vai encolher e rasgar a veste que já passou pelo processo de encolhimento. Ela vai ficar mais imprestável do que antes. Assim também a colocação de vinho novo em odres velhos provoca o rompimento dos odres por causa da fermentação do vinho novo. Os odres velhos não têm mais elasticidade. A vida e a liberdade do Evangelho arruínam os preceitos e rituais fixos da lei de Moisés.
A utilidade do Velho Testamento, com a lei de Moisés, estava no fim, e o Senhor Jesus não veio para lhe dar continuidade mediante alguns remendos, pois estes só podiam piorar a sua situação. O Velho Testamento não podia conter o Evangelho da salvação unicamente mediante a fé na obra redentora de Cristo.
O Senhor Jesus veio para introduzir uma veste totalmente nova, um vinho completamente novo, para substituir de uma só vez o que existia naquela época. O apóstolo João resume assim: “a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo”.
Os ensinadores da seita dos judaizantes foram severamente censurados pelo apóstolo Paulo na epístola aos Gálatas, e chamados de “falsos irmãos” porque “se tinham entremetido e secretamente entraram a espiar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus, para nos porem em servidão” (Gálatas 2:4). A epístola aos Hebreus mostra que o sacerdócio mosaico e o ritual dos sacrifícios da lei eram apenas figuras da realidade que se vê em Cristo e, portanto, foram totalmente superados por essa realidade.
OS GNÓSTICOS
Ao se espalhar pelos países de cultura grega, o Evangelho encontrou outro inimigo que adentrou pelas suas fileiras: a filosofia grega.
A filosofia (procura da verdade) grega, procurando definir a divindade, explicar a natureza e fornecer orientação para a conduta humana, fazia uso de todas as religiões do mundo conhecido para compor a gnose ou “conhecimento”. Surgia um sistema filosófico atrás de outro, e eram discutidos calorosamente. Os sistemas, em sua maioria, juntavam alguns princípios judeus e pagãos, mais tarde também cristãos, com material de várias origens.
Organizavam-se escolas onde o ensinamento era transmitido, interpretado e mantido em segredo, o que chamavam de “mistério”. Freqüentemente ensinavam a existência de dois deuses ou princípios, a Luz e a Escuridão, um Bom e o outro Mau. O que era material seria produto do poder das trevas e estava debaixo do seu controle; o que era espiritual era atribuído ao deus superior, o da Luz.
Havia muito desacordo entre os grupos com respeito à importância de rituais, alguns praticando eucaristias pseudo-cristãs e batismos, e outros rejeitando todos os aspectos de adoração convencional, oração, jejum e esmolas. Suas noções sobre ética variavam muito. Essas especulações e filosofias contribuíram para a existência de muitas heresias que, desde logo, invadiram igrejas cristãs e foram combatidas nas epístolas de Paulo e João, quando falam dos “falsos mestres”.
É de se notar que na epístola aos Colossenses, capítulo 2, os primeiros 15 versículos ensinam que Cristo é a resposta à filosofia, e o restante do capítulo que Ele é a resposta ao legalismo. Os gnósticos e os judaizantes são as primeiras seitas que ameaçaram o cristianismo com as suas heresias, e veremos que ambas persistem, em várias formas, até hoje.
A carnalidade - Além dessas seitas vindas de fora, que seriam os primeiros pássaros da parábola do grão de mostarda, encontramos um início de seitas dentro da igreja de Corinto, o fermento que a mulher da parábola coloca em três medidas de farinha: houve contendas entre os membros, levando à formação de grupos, cada um dos quais dizia ser de determinado mestre da igreja - Paulo, Cefas, Apolo e … Cristo! O acontecimento mereceu uma severa exortação de Paulo: “Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa e que não haja entre vós dissensões; antes, sejais unidos, em um mesmo sentido e em um mesmo parecer” (1 Coríntios 1:10). Mais adiante ele volta ao assunto e declara que por haver inveja, contendas e dissensões na igreja, eles mostravam que ainda eram carnais, “meninos em Cristo”, incapazes de receber alimento espiritual. Eles não compreendiam ainda que os seus mestres eram apenas instrumentos na mão de Deus para a igreja. A igreja não pode ser dividida assim, pois é Deus quem dá o crescimento a ela, sendo ela a Sua lavoura e Seu edifício (1 Coríntios 3:3-7).
O clericalismo - Os gnósticos chegaram ao auge no século 2 d.C, e, em seu combate, muitas igrejas se refugiaram no poder e controle episcopal, junto com o clericalismo que veio modificar e prejudicar seriamente o caráter das igrejas. O clericalismo surgiu já no fim do primeiro século da era cristã. É mencionado em duas cartas às igrejas do Apocalipse, a de Éfeso e a de Pérgamo, sob o nome de “práticas dos nicolaítas” e “ensinos dos nicolaítas”, práticas estas odiadas pelo Senhor Jesus (Apocalipse 2:6). Na língua grega, em que as cartas foram originalmente escritas, nicolaítas são aqueles que “conquistam, para dominar o povo”. Segundo os historiadores, já havia naquele tempo uma tentativa para estabelecer uma ordem religiosa de homens que se colocariam em posição de domínio sobre as igrejas, uma espécie de ordem sacerdotal, mais ou menos segundo o modelo judaico. Eles encontraram resistência em Éfeso, mas tiveram sucesso em Pérgamo. A atitude deles era como a de Diótrefes (3 João 9-11).
Os falsos mestres proliferavam, confundindo as igrejas, especialmente com a filosofia grega dos gnósticos, e os princípios da religião judaica. Foram combatidos pelos apóstolos e as suas epístolas, como as temos, eram copiadas e circuladas pelas igrejas. Segundo nos contam os historiadores, Pedro foi executado no ano 65 e Paulo poucos anos depois, sendo Jerusalém destruída, e tudo que ali havia, pelos romanos no ano 70. João concluiu as Escrituras do Velho e Novo Testamento com o seu Evangelho, suas epístolas e o Apocalipse perto do fim do século.
No entanto, eram abundantes os outros escritos que circulavam, notadamente inferiores em seu conteúdo ao que Deus inspirou e que encontramos na Bíblia. Um dos primeiros, e ainda conservados, foi escrito por Clemente, um presbítero de Roma, à igreja em Corinto, ainda durante a vida do apóstolo João. São citadas muitas passagens do Velho Testamento, bem como do Novo, comprovando como as Escrituras estavam sendo circuladas. Mas, em sua carta, já se nota uma distinção feita na igreja dele em Roma entre o clero e os leigos, tirada das ordenanças do Velho Testamento.
Até aproximadamente o ano 170 d.C. as igrejas haviam sido fundadas em sua maior parte pelos apóstolos, principalmente Paulo e Pedro; até 96 a.D. os cristãos eram ainda legalmente considerados uma seita do judaísmo (Atos 24:14), religião tolerada pela lei romana. As igrejas rejeitavam os falsos apóstolos que se apresentavam com novas doutrinas, bem como, em grande parte, o clericalismo incipiente. No entanto, o amor original foi se esfriando e a noção da irmandade entre os crentes, como numa família, foi sendo aos poucos olvidada; a conformidade com o mundo e a sua maneira de vida aumentou, os nicolaítas tiveram sucesso em alguns lugares e uma organização de igrejas chamando-se católicas (universais) começou a se desenvolver.
R David Jones