Um judeu, um gentio e um escravo. Eis as três pessoas, cujo relacionamento entre si dá motivo para este título.
Do ponto de vista humano eles tinham pouco em comum, pois:
o judeu estava em Roma, preso, acusado de sedição em Jerusalém. Era o apóstolo Paulo.
o gentio, próspero e de boa fama, morava em Colossas, cidade da antiga Frígia (Ásia Menor), atual Turquia. Era Filemom.
o escravo pertencia a Filemom, mas fugiu para Roma, implicitamente tendo roubado o seu senhor. Era Onésimo.
No entanto, pela graça de Deus, os três chegaram ao conhecimento do Evangelho, e tendo crido em Jesus Cristo, tornaram-se Seu servos. A maneira com que vieram conhecer o Senhor os aproximou da seguinte forma:
Paulo, inicialmente ferrenho perseguidor dos cristãos, foi chamado pelo Senhor e escolhido para ser o seu mensageiro aos gentios. Fez três viagens missionárias, passando duas vezes por Éfeso, cidade próxima de Colossas onde morava Filemom. É possível que foi assim que o Evangelho chegou até Filemom, que se converteu, e, por sua vez tornou-se num cooperador de Paulo. Ele reunia em sua própria casa a igreja formada em Colossas.
Onésimo havia fugido para Roma, onde ouviu o Evangelho de Paulo que ali estava aprisionado, converteu-se, e dedicou-se a servi-lo, sendo-lhe muito útil. Lembremos que os escravos eram destituídos de todos os direitos de cidadão na sociedade daquela época, sendo pouco mais que simples objetos destinados a obedecer às ordens dos seus senhores. Mas Paulo deu-lhe dignidade, como filho na fé, e o tratava como “irmão amado”.
A situação agora nos pareceria bem cômoda para o apóstolo Paulo, tendo Onésimo para servi-lo na prisão. Mas Paulo sabia que era necessário acertar o relacionamento entre Onésimo e Filemom. Paulo, em sua carta, disse a Filemom que quisera conservar Onésimo com ele, para que o servisse nas prisões do evangelho como se fosse Filemom. Em outras palavras, sendo Onésimo escravo de Filemom, o trabalho que ele prestava a Paulo poderia valer como sendo prestado por Filemom, e assim Paulo poderia justificar ficar com ele.
Mas a honestidade de Paulo o fez reconhecer que isto corresponderia a “forçar a mão” de Filemom. Paulo não ia abusar da sua autoridade, e queria que Filemom tivesse a oportunidade de tomar a decisão ele próprio.
Este é um exemplo notável que Paulo nos dá. Nunca devemos nos prevalecer de alguma vantagem pessoal sobre os outros irmãos para deles extrair algum benefício para nós. Paulo poderia ter simplesmente escrito a Filemom, explicando a situação de Onésimo e pedindo sua autorização para toma-lo “emprestado”. Isto seria correto. Mas Filemom sem dúvida se sentiria pressionado a permitir que a situação existente continuasse, e Paulo sabia disso. Ele resolveu portanto devolver Onésimo a Filemom.
Com isto ele estava cumprindo a lei romana, devolvendo um escravo ao seu legítimo senhor. É outro exemplo notável, onde ele cumpriu o que o Espírito Santo nos ensina por intermédio do próprio apóstolo Paulo em 1 Coríntios 7:17, 20-21: “E, assim, cada um ande como Deus lhe repartiu, cada um, como o Senhor o chamou. É o que ordeno em todas as igrejas.... Cada um fique na vocação em que foi chamado. Foste chamado sendo servo? Não te dê cuidado; e, se ainda podes ser livre, aproveita a ocasião.” As leis humanas muitas vezes fogem à justiça perfeita de Deus, mas cumpre-nos ser obedientes às autoridades do país mesmo quando nos são desfavoráveis. Por outro lado, não podemos nos apoiar nas leis para tirar uma vantagem desonesta para nós.
É o que Paulo fez ver em seguida a Filemom: “ Bem pode ser que ele se tenha separado de ti por algum tempo, para que o retivesses para sempre, não já como servo; antes, mais do que servo, como irmão amado, particularmente de mim e quanto mais de ti, assim na carne como no Senhor. Assim, pois, se me tens por companheiro, recebe-o como a mim mesmo. E, se te fez algum dano ou te deve alguma coisa, põe isso na minha conta” (vs. 15-16).
A lei dava a Filemom pleno direito de continuar a tratar Onésimo como escravo, mas também não o impedia de libertá-lo para em seguida tratá-lo como se fosse irmão na carne, além de irmão na fé. Paulo o exortou a fazer isso, pois ele próprio considerava Onésimo dessa forma. E argumentou: “se me tens por companheiro, recebe-o como a mim mesmo” (v.17), ou seja, se Filemom admitia que tinha Paulo como companheiro, e Paulo tinha Onésimo, logo Filemom devia receber Onésimo como companheiro também, assim como receberia Paulo.
Outro exemplo notável: no relacionamento cristão, os companheiros dos meus companheiros são meus companheiros também (se formos todos irmãos em Cristo). Somos todos igualmente filhos de Deus, de forma que os laços que nos unem são como os que unem os irmãos em uma família. Não existe mais distinção de raça, nacionalidade ou de classes sociais.
Filemom poderia fazer tudo isto, mas faltava uma coisa, e Paulo logo tratou de acertá-la: “E, se te fez algum dano ou te deve alguma coisa, põe isso na minha conta. Eu, Paulo, de minha própria mão o escrevi: Eu o pagarei, para te não dizer que ainda mesmo a ti próprio a mim te deves.” (vv. 18,19). Está implícito aqui que Onésimo teria roubado algo de Filemom quando fugiu, e seria devedor quando libertado. Prevendo que Onésimo não teria com que pagar, Paulo assumiu a dívida ele próprio e assinou uma “nota promissória” para Filemom, mas lembrou-o que ele, Filemom, devia a Paulo a si próprio - talvez referindo-se à sua salvação mediante a pregação do Evangelho por Paulo.
Segundo um estudioso, Dr. Barry, “nesta carta o apóstolo Paulo fala simplesmente como cristão para cristão. Ele fala, portanto, com aquela humildade e cortesia peculiar que, sob o cristianismo, desenvolveu o espírito de cavalheirismo e o que é chamado “o caráter de um cavalheiro”, certamente pouco conhecido nas civilizações grega e romana.”
Esta Epístola ainda nos oferece uma boa ilustração do Evangelho:
Filemom, o dono roubado, representa Deus, contra Quem todos nós temos pecado.
Onésimo, o escravo fugitivo, é figura de nós, os pecadores, sem meios de salvar-nos da justiça divina.
Paulo, o mediador amigo, representa o Senhor Jesus, que diz a todo pecador que confia nEle: “Já paguei a tua dívida, com o Meu próprio sangue” (Colossenses 1:13-14 e 1a. Pedro 3:18).
1 Paulo, prisioneiro de Jesus Cristo, e o irmão Timóteo, ao amado Filemom, nosso cooperador,
2 E à nossa amada Afia, e a Arquipo, nosso camarada, e à igreja que está em tua casa:
3 Graça a vós e paz da parte de Deus nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.
4 Graças dou ao meu Deus, lembrando-me sempre de ti nas minhas orações;
5 Ouvindo do teu amor e da fé que tens para com o Senhor Jesus Cristo, e para com todos os santos;
6 Para que a comunicação da tua fé seja eficaz no conhecimento de todo o bem que em vós há por Cristo Jesus.
7 Tive grande gozo e consolação do teu amor, porque por ti, ó irmão, as entranhas dos santos foram recreadas.
8 Por isso, ainda que tenha em Cristo grande confiança para te mandar o que te convém,
9 Todavia peço-te antes por amor, sendo eu tal como sou, Paulo o velho, e também agora prisioneiro de Jesus Cristo.
10 Peço-te por meu filho Onésimo, que gerei nas minhas prisões;
11 O qual noutro tempo te foi inútil, mas agora a ti e a mim muito útil; eu to tornei a enviar.
12 E tu torna a recebê-lo como às minhas entranhas.
13 Eu bem o quisera conservar comigo, para que por ti me servisse nas prisões do evangelho;
14 Mas nada quis fazer sem o teu parecer, para que o teu benefício não fosse como por força, mas, voluntário.
15 Porque bem pode ser que ele se tenha separado de ti por algum tempo, para que o retivesses para sempre,
16 Não já como servo, antes, mais do que servo, como irmão amado, particularmente de mim, e quanto mais de ti, assim na carne como no Senhor?
17 Assim, pois, se me tens por companheiro, recebe-o como a mim mesmo.
18 E, se te fez algum dano, ou te deve alguma coisa, põe isso à minha conta.
19 Eu, Paulo, de minha própria mão o escrevi; eu o pagarei, para te não dizer que ainda mesmo a ti próprio a mim te deves.
20 Sim, irmão, eu me regozijarei de ti no Senhor; recreia as minhas entranhas no Senhor.
21 Escrevi-te confiado na tua obediência, sabendo que ainda farás mais do que digo.
22 E juntamente prepara-me também pousada, porque espero que pelas vossas orações vos hei de ser concedido.
23 Saúdam-te Epafras, meu companheiro de prisão por Cristo Jesus,
24 Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus cooperadores.
25 A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espírito. Amém.
Epístola de Paulo a Filemom.