Julga-se que dificilmente os "ricos" aqui mencionados são crentes, e que este trecho, portanto, não é tanto uma advertência como uma denúncia: não há uma exortação aos crentes ricos que estiverem em falta para se arrependerem e mudar a sua maneira de agir, mas sim um prenúncio do destino dos ricos deste mundo que praticam a maldade. A denúncia é tão forte, e as palavras são tão violentas e sem misericórdia que o trecho é pouco usado para pregações do Evangelho.
Embora a passagem se dirija diretamente aos ricos, ela é uma lição para os crentes, a quem toda a carta é endereçada, fazendo-os compreender que, embora neste mundo os ricos pareçam ter prazer e alegria com as suas riquezas, obtidas mediante a injustiça e a exploração dos outros, grande vai ser a sua punição e sofrimento quando as suas riquezas lhes forem tiradas.
Os crentes podem sofrer dificuldades e injustiça por causa da opressão a que estiverem sujeitos, podem mesmo estar à mercê destes homens maus, ricos. Contudo estes homens não devem ser invejados: Deus tratará dos ricos ímpios na eternidade se não aqui, por isso os crentes oprimidos devem ser pacientes.
O primeiro versículo manda os ricos maus chorarem e prantearem por causa das misérias que estão para vir sobre eles. Um dia Deus lhes mandará dar conta dos seus atos e a sua punição será grande. Eles serão expostos à vergonha e se encherão de remorso ao tomarem conhecimento da enormidade das injustiças que cometeram a fim acumular sua fortuna.
Este prenúncio se realiza a qualquer hora, mas os judeus ricos que estavam em Jerusalém quando a carta foi escrita se transformaram numa boa ilustração do seu cumprimento quando, alguns anos mais tarde, os romanos invadiram, saquearam, confiscaram tudo que era de valor e destruíram completamente a cidade no ano 70 A.D. Isto já havia sido previsto pelo Senhor (Lucas 21:20).
Quatro pecados são especificados:
O acúmulo de fortuna: ser rico não é um pecado. Um patrimônio pode ser herdado, ou adquirido mediante o mérito, a habilidade ou outras circunstâncias. Mas o Senhor Jesus havia ensinado especificamente que não se acumulasse uma fortuna neste mundo (Mateus 6:19 - 21). Três tipos de coisas que eram entesouradas naquele tempo são mencionadas aqui:
Riquezas sujeitas a corrupção: tipicamente, naqueles tempos, gêneros alimentícios como cereais, azeite e semelhantes. Eles eram armazenados até se estragarem, ao invés de serem supridos aos necessitados.
Roupas, peles e tecidos guardados até serem comidos pelas traças: obviamente não estavam em uso regular, sendo supérfluos às necessidades, e o motivo de serem guardados era a ganância dos seus proprietários que dessa forma impediam o seu uso por outros que precisavam deles.
Ouro e prata, sujeitos à ferrugem: o ouro não se oxida como outros metais, mas o valor de ambos está sujeito às oscilações do mercado, e o seu entesouramento em nada contribui para o bem de ninguém. O dinheiro poderia ser utilizado para o alívio dos necessitados, das viúvas e dos órfãos ou mesmo empregado como capital para empreendimentos, beneficiando a coletividade
Ganhos ilegítimos: a maneira com que os ricos maus adquirem seu patrimônio é iníqua: a exploração da sua mão-de-obra, privando os trabalhadores do seu justo ordenado, era provavelmente o maior delito dos ricos daquele tempo. Embora ninguém no mundo esteja disposto a defender a sua causa, os clamores dos que são explorados são ouvidos pelo Senhor dos Exércitos e Ele os vingará. Em nosso mundo mais sofisticado de hoje existem muitos outros meios tortuosos de enriquecer, como enganar sócios e acionistas de empresas, evadir impostos, fazer propaganda enganosa, aproveitar a ignorância dos outros para fazer lucros desleais em compras e vendas de propriedades, etc., e todos causam danos financeiros a outras pessoas.
Luxo: os ricos maus levam uma vida indolente, vivendo arbitrariamente no prazer e no luxo, apreciando em ostentosa abundância, extravagância e prazer o que existe de melhor. Como animais destinados ao corte, eles se preparam inconscientemente para o dia do abate que vem para eles.
Condenar e matar o justo: os ricos controlam os tribunais e eles mataram o justo. Não parece haver uma referência direta a uma pessoa em particular, mas isto é bem ilustrado na morte de Cristo, e foi também mais tarde na morte do próprio autor, Tiago, que era conhecido como "O Justo". Estêvão acusou os membros do sinédrio de serem traidores e homicidas do Justo, referindo-se aqui ao Senhor Jesus (Atos 7:52). Os ricos maus são capazes de subornar os que são responsáveis pela administração da justiça, e os justos não têm meios para resistir.
Embora sendo muito improvável que esses ricos fossem crentes no Senhor Jesus, há algumas lições proveitosas para a nossa vida cristã nessa passagem.
Poucos de nós somos ricos em bens materiais. A Bíblia nos diz que o amor do dinheiro é a raiz de toda espécie de males (1 Timóteo 6:10), e o Senhor Jesus ensinou que em vez de ajuntar tesouro aqui na terra, onde não há segurança, devemos procurar ajuntar um tesouro nos céus onde estará seguro, não é perecível e está fora do alcance de agentes daninhos e da ação de terceiros. Temos o maior interesse no lugar onde está o nosso tesouro: se estiver na terra, os interesses materiais serão colocados em primeiro lugar; se estiver no céu, nosso maior interesse estará nas coisas celestiais (Mateus 6:19-21), e a nossa conduta será de natureza a agradar nosso Deus e Pai.
Somos administradores daquilo que Deus colocou em nossas mãos. Mesmo sem procurar entesourar riquezas no mundo, elas podem chegar às nossas mãos da parte de Deus, para que as administremos. Mas esta passagem é uma advertência contra seguir o que faz o mundo e lutar para acumular uma fortuna usando de meios ilegítimos, que não passam de roubo disfarçado. Um dia quem for culpado de tal coisa se cobrirá de vergonha e de remorso, quando vier a perceber o mal que fez a outros.
Como administradores de uma pequena fração dos bens e riquezas do mundo, somos responsáveis pela sua administração e investimento para o desenvolvimento dos propósitos de Deus no mundo e o bem-estar do Seu povo.
O entesouramento é inútil e pecaminoso. É como o servo da parábola que recebeu um talento e o enterrou por causa de medo do seu mestre (Mateus 25:14-30). O que temos em nosso poder deve ser investido para o bem estar dos necessitados, especialmente os domésticos da fé (Gálatas 6:10), e para o desenvolvimento da pregação do Evangelho de Cristo, para o qual somos chamados. O entesouramento também indica uma falta de fé na provisão de Deus para nós.
O que nos foi confiado não deve ser aplicado de forma egoísta em um viver luxuoso, extravagante e em bel-prazer. A norma deve ser a moderação. Vivemos num mundo onde milhares morrem diariamente de fome e metade da população nunca ouviu falar do Senhor Jesus Cristo, mesmo em nossa vizinhança. Como podemos justificar um esbanjamento extravagante dos recursos que nos foram confiados, por menores que sejam?
A lição das Escrituras é que não pertencemos a este mundo e que estamos aqui com um propósito - combater numa luta espiritual contra Satanás e os poderes do mal, e espalhar o Evangelho de Cristo aos fins da terra. Podemos não ter sido chamados a fazer isto pessoalmente, mas devemos usar os recursos ao nosso dispor a fim de que aqueles que receberam o chamado sejam supridos com o que necessitam para desenvolver a sua missão. Nossa compaixão pelos perdidos deveria afastar qualquer desejo de viver no luxo enquanto houver uma alma no mundo que ainda não ouviu o Evangelho.
1 Eia, pois, agora vós, ricos, chorai e pranteai por vossas misérias, que sobre vós hão de vir.
2 As vossas riquezas estão apodrecidas, e as vossas vestes estão comidas da traça.
3 O vosso ouro e a vossa prata se enferrujaram; e a sua ferrugem dará testemunho contra vós e comerá como fogo a vossa carne. Entesourastes para os últimos dias.
4 Eis que o salário dos trabalhadores que ceifaram as vossas terras e que por vós foi diminuído clama; e os clamores dos que ceifaram entraram nos ouvidos do Senhor dos Exércitos.
5 Deliciosamente, vivestes sobre a terra, e vos deleitastes, e cevastes o vosso coração, como num dia de matança.
6 Condenastes e matastes o justo; ele não vos resistiu.
Tiago capítulo 5, versículos 1 a 6