Este capítulo marca o início do movimento do Espírito Santo para espalhar cada vez mais o Evangelho entre as nações gentílicas, preparando um apóstolo especial destinado a esse fim. O livro vai ocupar-se cada vez mais sobre ele, e menos sobre Pedro e os demais apóstolos iniciais.
Saulo, ou Saul em hebraico, significa “solicitado”. Como o rei Saul, o primeiro rei na história do povo de Israel, Saulo era da tribo israelita de Benjamim, e seu pai, ao que tudo indica, era um homem de posses, tendo dado ao seu filho a melhor educação possível para um judeu da sua época.
Altamente instruído e muito religioso, Saulo pertencia ao ramo de judaísmo ultra-ortodoxo dos fariseus. Tinha ainda a privilegiada cidadania romana por ter nascido na cidade de Tarso.
Acompanhando os seus líderes religiosos, Saulo estava convicto que o nazareno Jesus, executado por Pilatos, era um impostor e que os que ainda espalhavam a idéia que ele fora o Messias das profecias deveriam ser eliminados, pois eram, ao seu ver, uma ameaça à sua religião. Saulo relatou mais tarde ao rei Agripa que havia encerrado muitos dos santos nas prisões, e contra eles dava o seu voto, quando os matavam. Julgava que isso agradava a Deus (ver João 16:2).
É a mesma cegueira que, mesmo em nossos dias, impede multidões de admitirem a realidade do Evangelho de Jesus Cristo. Mesmo crendo na realidade de Deus, ficam presos a religiões que consistem de rituais, sacrifícios, ascetismo e superstições, chegando mesmo à idolatria, julgando que podem agradar a Deus mediante as suas obras.
Sem o saber, Saulo estava perseguindo o Ungido de Deus: o Messias, através do Seu corpo, a igreja de Deus. Saulo, a esta altura, teria cerca de trinta anos, era altamente conceituado pelos rabinos, sendo o mais zeloso entre seus companheiros. Em Sua misericórdia por este israelita religioso, sincero, mas mal orientado, Deus interveio.
Após presenciar e consentir no apedrejamento do diácono Estêvão, Saulo havia resolvido ir até Damasco, na Síria, para visitar as sinagogas daquela cidade e aprisionar e trazer para julgamento a Jerusalém "alguns que eram do Caminho" caso os achasse lá. Obteve cartas do sumo sacerdote dando-lhe autorização e permissão para essa finalidade.
No entanto, Deus o havia separado “desde o ventre materno” e agora ia “chamá-lo por Sua graça” (Gálatas 1:15). No caminho para Damasco, uma grande luz vinda do céu brilhou ao redor dele, fazendo com que ele caísse por terra, e então ele ouviu uma voz que dizia “Saulo, Saulo, por que tu me persegues?” Ao perguntar “Quem és Tu, Senhor?” Saulo teve a resposta “Eu sou Jesus, a quem tu persegues; mas levanta-te e entra na cidade, e lá te será dito o que te cumpre fazer.” Esta é apenas uma parte do diálogo, havendo mais detalhes no capítulo 26:14-18.
Saulo sabia que Jesus havia sido morto e enterrado. Estava convencido que a sua alma teria ido para o Sheol para aguardar o julgamento final. Mas decerto teria também ouvido falar que os seus discípulos criam que o suposto Messias havia ressuscitado, e ele ouvira o testemunho de Estêvão. Agora aquela luz e aquela voz o convenceram que eles tinham razão. Embora seus olhos tivessem sido cegados pela intensidade daquela luz, a sua visão espiritual, até então inexistente por causa da cegueira religiosa, abriu-se e ele percebeu o terrível engano em que estava mergulhado.
Sua opção agora era entre continuar com a sua religião tradicional, eliminar a oposição e alcançar posições de mais destaque em sua sociedade, ou crer na realidade do que havia ouvido, admitir que Jesus era realmente o Messias, submeter-se e obedecê-lO. Ele sabia que a segunda opção traria grandes sacrifícios, a perda de sua posição e autoridade, e o ódio dos seus colegas e mestres. A mesma opção se oferece a muitos que ouvem o Evangelho hoje em dia.
Mas Saulo “não foi desobediente à visão celestial” (cap. 26:19): ele levantou-se, e foi até Damasco , com a ajuda dos que o acompanhavam em sua viagem (estes haviam ouvido a voz e visto a luz, mas não entenderam o que foi dito). Ao chegar em Damasco, Saulo ficou ali três dias, cego, sem comer nem beber, aguardando que alguém viesse lhe dizer o que fazer, como o Senhor havia dito.
Havia já em Damasco um grupo de discípulos (seriam as prováveis vítimas da perseguição que Saulo planejara fazer) dos quais um era Ananias.
Ananias teve uma visão e nela o Senhor falou com ele, e o incumbiu de ir procurar Saulo, que estava orando. Saulo já tinha visto (em antecipação), a ida de Ananias para impor-lhe as mãos, para que recuperasse a vista. Ananias hesitava, porque já tinha ouvido falar de Saulo e das perseguições que promovia aos santos do Senhor Jesus e do poder que tinha para prender todos os que invocavam o nome de Cristo em Damasco.
Mas o Senhor lhe disse que fosse porque Saulo tinha sido escolhido para levar o Nome dEle aos gentios, aos reis e aos filhos de Israel... e mostraria a Saulo quanto lhe cumpria padecer pelo Seu nome. Note-se que Saulo não ia ser Sua testemunha, como foram os outros apóstolos, pois não havia estado com Cristo no seu ministério, nem em Sua morte e ressurreição. Mas ia levar o Seu Nome, ao proclamar o Evangelho. Assim fazem todos os cristãos até hoje. Também passaria por perseguição e martírio, coisas que todos os cristãos devem estar dispostos a padecer.
Ananias obedeceu prontamente, foi até a casa de Judas na rua Direita onde Saulo estava hospedado, impôs-lhe as mãos em sinal de comunhão como Saulo havia visto na visão, e o chamou de “irmão Saulo”, explicando que tinha sido enviado pelo Senhor Jesus para que tornasse a ver e fosse cheio do Espírito Santo.
Entende-se que, no caminho de Damasco, Saulo foi cegado fisicamente a fim de poder enxergar espiritualmente, e foi nesse momento que ele se converteu a Cristo, a Quem chamou de Senhor, e recebeu o Espírito Santo. Durante três dias ele orou e aguardou a direção do Senhor, e agora o Senhor lhe mandou um dos Seus servos para lhe dar a mão de comunhão, e restaurar a sua vista para que fosse cheio do Espírito Santo, o que aconteceu imediatamente. Ficou cheio do Espírito Santo, para melhor servir a Deus.
Em seguida, Saulo levantou-se, foi batizado, e alimentou-se ficando fortalecido. Salvo, sadio física e espiritualmente, cheio do Espírito Santo, demorou-se alguns dias com os discípulos que estavam em Damasco, e logo foi pregar o Evangelho nas sinagogas, proclamando que Jesus era o Filho de Deus.
Que Jesus é o Filho de Deus foi a base das pregações de Saulo, até o fim da sua vida. Era o oposto do que ele havia sustentado antes, mas o encontro com Cristo ressuscitado no caminho de Damasco e a mensagem através de Ananias fizeram com que se voltasse para a realidade. A expressão “Filho de Deus” significa que Ele era o Messias prometido e desejado, esperado por João Batista (João 1:34) e Natanael (João 1:49), pois Saul estava proclamando a sua fé no Senhor Jesus naquelas mesmas sinagogas onde ele antes pretendia prender aqueles que confessassem a sua fé nEle.
Desde logo ele declarava a Sua divindade ao chamá-lo Filho de Deus, e sempre a manteve. Com essa fé ele sacudiu o mundo, pois não existe poder numa pregação diferente. Pedro, por sua vez, enfatizava a ressurreição de Jesus como um fato glorioso e O proclamava como o Senhor e o Cristo.
É de se notar que Ananias, assim como Filipe e multidões mais que eram do seu tempo e os seguiram até nós, eram simples “discípulos”, homens salvos pela sua fé e seguidores de Cristo, aprendendo dEle, obedecendo ao que Ele ensinou e enchendo-se do Espírito Santo.
Não existe nem há delegação de “autoridade” por parte dos apóstolos para o seu ministério, sendo os evangelistas, os doutores e os mestres dons do Espírito Santo à igreja de Cristo, assim como os apóstolos e profetas no início (Efésios 4:11).
Quando uma pessoa se converte, há certos acontecimentos que mostram a realidade da sua conversão, e que são vistas no caso de Saulo, como:
1 Saulo, porém, respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor, dirigiu-se ao sumo sacerdote,
2 e pediu-lhe cartas para Damasco, para as sinagogas, a fim de que, caso encontrasse alguns do Caminho, quer homens quer mulheres, os conduzisse presos a Jerusalém.
3 Mas, seguindo ele viagem e aproximando-se de Damasco, subitamente o cercou um resplendor de luz do céu;
4 e, caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues?
5 Ele perguntou: Quem és tu, Senhor? Respondeu o Senhor: Eu sou Jesus, a quem tu persegues;
6 mas levanta-te e entra na cidade, e lá te será dito o que te cumpre fazer.
7 Os homens que viajavam com ele quedaram-se emudecidos, ouvindo, na verdade, a voz, mas não vendo ninguém.
8 Saulo levantou-se da terra e, abrindo os olhos, não via coisa alguma; e, guiando-o pela mão, conduziram-no a Damasco.
9 E esteve três dias sem ver, e não comeu nem bebeu.
10 Ora, havia em Damasco certo discípulo chamado Ananias; e disse-lhe o Senhor em visão: Ananias! Respondeu ele: Eis-me aqui, Senhor.
11 Ordenou-lhe o Senhor: Levanta-te, vai à rua chamada Direita e procura em casa de Judas um homem de Tarso chamado Saulo; pois eis que ele está orando;
12 e viu um homem chamado Ananias entrar e impor-lhe as mãos, para que recuperasse a vista.
13 Respondeu Ananias: Senhor, a muitos ouvi acerca desse homem, quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém;
14 e aqui tem poder dos principais sacerdotes para prender a todos os que invocam o teu nome.
15 Disse-lhe, porém, o Senhor: Vai, porque este é para mim um vaso escolhido, para levar o meu nome perante os gentios, e os reis, e os filhos de Israel;
16 pois eu lhe mostrarei quanto lhe cumpre padecer pelo meu nome.
17 Partiu Ananias e entrou na casa e, impondo-lhe as mãos, disse: Irmão Saulo, o Senhor Jesus, que te apareceu no caminho por onde vinhas, enviou-me para que tornes a ver e sejas cheio do Espírito Santo.
18 Logo lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e recuperou a vista: então, levantando-se, foi batizado.
19 E, tendo tomado alimento, ficou fortalecido. Depois demorou- se alguns dias com os discípulos que estavam em Damasco;
20 e logo nas sinagogas pregava a Jesus, que este era o filho de Deus.
Atos capítulo 9, versículos 1 a 20