Este evento aconteceu quase três meses depois das discussões que seguiram a cura do homem cego. O Senhor Jesus aparentemente tinha passado o tempo entre as festas dos tabernáculos e da dedicação na Judeia (Lucas 10:1-13:21).
Quando voltou a Jerusalém os fariseus O receberam com o mesmo desejo apanha-lo como antes. Era agora a festa da dedicação, também conhecida como chanuca ou festa das luzes, celebrada com muito alegria e festividade durante oito dias no meio de nosso dezembro; foi instituída em 164 a.C. para lembrar a purificação do templo da corrupção da adoração pagã, e a reconstrução do altar depois que os invasores sírios foram expulsos. Não era uma das grandes festas e poderia ser observada em outros lugares sem precisar vir a Jerusalém. Por ser inverno, era frequentemente um período de fortes chuvas (Esdras 10:9, 13).
O Senhor estava andando pelo pórtico de Salomão, uma colunata coberta fora do templo, onde se podia andar em qualquer tempo e onde era permitido aos gentios ir (Esta parte do templo de Salomão foi deixada incólume pelos babilônios e sobreviveu aparentemente até a destruição do templo por Tito em 70 d.C.. Quando João escreveu este Evangelho já não estaria mais lá, mas os seus primeiros leitores se lembrariam ainda dele). Jesus foi abordado agressivamente pelos líderes religiosos que exigiram que declarasse abertamente que Ele era o Messias (traduzido Cristo), como tinham feito antes na festa dos tabernáculos (capítulo 8:25).
Ele provavelmente se recusava a usar a palavra Messias diante deles provavelmente porque tinha um cunho político forte em suas mentes (uma multidão na Galileia já tinha uma vez tentado fazê-lo rei em oposição a Pilatos conforme o capítulo 6:14, e quando Ele declarou eventualmente em juramento diante de Caifás que era o Cristo o Filho de Deus, conforme Marcos 14:61 e Mateus 26:63, o sinédrio imediatamente votou declarando-O culpado de blasfêmia e O trouxe a Pilatos com a acusação de reivindicar ser rei como se fosse rival de César). Jesus sabia muito bem o que se passava em suas mentes e não seria apanhado agora, antes do tempo certo.
Em Sua resposta, disse que já lhes tinha dito, mas eles não haviam acreditado, implicando que era inútil dizer mais. Ele já tinha demonstrado que era o Filho do Pai (capítulo 7:14-10:18) como tinha antes reivindicado (capítulo 5:17-47). As Suas obras confirmavam as Suas palavras como já havia mostrado (capítulo 5:36). Eles não acreditavam nas palavras dele nem em Suas obras porque não eram as Suas ovelhas. Este tinha sido o argumento na alegoria do Bom Pastor (na realidade, eles eram filhos do diabo em espírito e conduta conforme o capítulo 8:43, e embora parecessem ser eclesiásticos piedosos na realidade eram verdadeiros lobos disfarçados em ovelhas - Mateus 7:15).
Em contraste com eles, as Suas ovelhas não estavam em dúvida e expectativa: elas conheciam a Sua voz e O seguiam (capítulo 10:4), e Ele lhes dá vida eterna (então e agora - capítulo 6:27, 40, 1 João 2:25; 5:11). Estão seguras, porque nunca perecerão (capítulo 3:16; 6:39; 17:12; 18:9), e ninguém as arrebatará da Sua mão (capítulo 6:37, 39, Colossenses 3:3). A grandeza do Pai que lhas deu é a base da segurança do rebanho, porque ninguém as pode arrebatar da mão do Pai.
O Senhor declarou que Ele e o Pai eram da mesma essência, ou natureza (não uma só pessoa). Os fariseus O tinham acusado antes de se fazer igual a Deus ao dizer que era Pai unicamente dele (capítulo 5:18), e Jesus havia admitido e provado a sua reivindicação (capítulo 5:19-30). Agora Ele declarou o mesmo concisamente nesta grande declaração, repetida depois (capítulo 17:11, 21). Esta curta declaração foi o apogeu das reivindicações de Cristo relativo à relação entre o Pai e Ele (o Filho). Provocou os fariseus a um furor incontrolável. Eles novamente pegaram pedras, talvez indo busca-las longe para subjugar e mata-lo mediante apedrejamento.
O Senhor sabia perfeitamente bem a razão por que eles O queriam matar, mas Ele lhes deu mais uma oportunidade para refletir na sua loucura, chamando a sua atenção às muitas boas obras do Seu Pai que Ele tinha lhes mostrado. Teria alguma destas ações feito com que merecesse tal punição? Já não mais O acusando de trabalhar no sábado (capítulo 5:18), eles se limitam agora a O acusar de blasfêmia porque, sendo um homem, ele se fez Deus (chamando-se Filho de Deus). Isto ele fez sem dúvida. Mas era blasfêmia? Só se ele não fosse o Filho de Deus. A punição para blasfêmia era morte por apedrejamento (Levítico 24:16; 1 Reis 21:10, 13).
Não fosse a seriedade da situação, poderíamos ser levados a pensar que em Sua resposta o Senhor estava zombando destes guardiães cegos da lei (aplicando-se aqui ao Velho Testamento inteiro). Ele obviamente conhecia as Escrituras imensamente mais do que eles, e, sobre essa base comum, citou o Salmo 82:6 onde os juízes de Israel, que abusaram do seu ofício, foram chamados “deuses” (eloim). Ele não estava negando a Sua própria divindade, mas simplesmente fechando as bocas dos rabinos da acusação de blasfêmia, eficazmente, pois era um argumento perfeitamente legal.
Os juízes só foram chamados deuses porque a palavra de Deus veio a eles, mas isto é inalterável , o que os fariseus tiveram que aceitar. Em contraste com os meros juízes do Salmo 82:6, o Pai tinha santificado (ungido) o Seu Filho e O tinha enviado ao mundo (reivindicando assim que era o Messias: O mensageiro ungido de Deus). Não era então nenhuma blasfêmia o fato de Ele dizer o que era na realidade: o Filho de Deus. Não havia resposta para este argumento, a menos que Ele estivesse mentindo; mas as obras d’Ele provavam que estava dizendo a verdade, assim não podia ser negado!
Até mesmo se eles continuassem não acreditando nas Suas palavras, as Suas obras eram irrefutáveis (as reivindicações, caráter, palavras e obras do Senhor Jesus desafiam o mundo hoje da mesma maneira que naquele tempo). Se fossem honestos consigo próprios, em vez de aterem-se a uma convicção dogmática que Ele não poderia ser mais que qualquer pessoa comum, eles examinariam as Sua obras e verificariam que só podiam proceder de Deus; viriam então a saber e a acreditar na Sua correta reivindicação sobre a Sua unidade com o Pai como o Seu Filho, e daí na Sua verdadeira divindade. Tudo que eles precisavam fazer era abrir os seus olhos e ver por si mesmos.
Mediante este argumento magistral, intimidados, eles renunciaram à tentativa de O apedrejar e deixaram as pedras cair no chão. Mas ainda estavam zangados e continuaram procurando prendê-lo, mas em vão pois o Senhor escapou das suas mãos.
Jesus voltou a Betabara além do Jordão onde tinha estado na parte inicial do Seu ministério (capítulo 1:28). Provavelmente daqui Ele prosseguiu na primeira parte do seu posterior ministério pereiano (Lucas 13:22-16:10) antes da visita para Betânia para a ressurreição de Lázaro (capítulo 11:1-44). Era um ambiente mais agradável que Jerusalém e muitos vieram para O conhecer.
João Batista, que tinha sido reconhecido como sendo um profeta de Deus e havia atraído grandes multidões para estes lugares, não tinha ele próprio feito sinais de que o povo se lembrasse, mas Jesus fez muitos aqui (Mateus 19:2); as multidões ainda se lembravam do testemunho de João sobre Cristo e agora se convenceram que era verdadeiro.
Jesus tinha se identificado claramente, e aqueles que O aceitaram compreenderam que era o Messias, o Cristo. André tinha dito o seu irmão: "Achamos o Messias" (capítulo 1:41). Natanael O aceitou, "Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és rei de Israel. " (capítulo 1:49). A mulher samaritana entendeu que era Ele, e os homens de Samaria disseram, "Já não é pela tua palavra que nós cremos; pois agora nós mesmos temos ouvido e sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo" (capítulo 4:42). Também o homem curado da cegueira acreditou e O adorou. Só os líderes religiosos estavam tentando surpreendê-lo com suas perguntas sutis, fazendo parecer como se fosse a Sua culpa por não dar suficiente informação, enquanto que era a falta de vontade deles de crer o que Deus tinha revelado para eles. Jesus revelou ser o Messias para todos os que quiseram ouvir.
22 Celebrava-se então em Jerusalém a festa da dedicação. E era inverno.
23 Andava Jesus passeando no templo, no pórtico de Salomão.
24 Rodearam-no, pois, os judeus e lhe perguntavam: Até quando nos deixarás perplexos? Se tu és o Cristo, dize-no-lo abertamente.
25 Respondeu-lhes Jesus: Já vo-lo disse, e não credes. As obras que eu faço em nome de meu Pai, essas dão testemunho de mim.
26 Mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas.
27 As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu as conheço, e elas me seguem;
28 eu lhes dou a vida eterna, e jamais perecerão; e ninguém as arrebatará da minha mão.
29 Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai.
30 Eu e o Pai somos um.
31 Os judeus pegaram então outra vez em pedras para o apedrejar.
32 Disse-lhes Jesus: Muitas obras boas da parte de meu Pai vos tenho mostrado; por qual destas obras ides apedrejar-me?
33 Responderam-lhe os judeus: Não é por nenhuma obra boa que vamos apedrejar-te, mas por blasfêmia; e porque, sendo tu homem, te fazes Deus.
34 Tornou-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: Vós sois deuses?
35 Se a lei chamou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi dirigida (e a Escritura não pode ser anulada),
36 àquele a quem o Pai santificou, e enviou ao mundo, dizeis vós: Blasfemas; porque eu disse: Sou Filho de Deus?
37 Se não faço as obras de meu Pai, não me acrediteis.
38 Mas se as faço, embora não me creiais a mim, crede nas obras; para que entendais e saibais que o Pai está em mim e eu no Pai.
39 Outra vez, pois, procuravam prendê-lo; mas ele lhes escapou das mãos.
40 E retirou-se de novo para além do Jordão, para o lugar onde João batizava no princípio; e ali ficou.
41 Muitos foram ter com ele, e diziam: João, na verdade, não fez sinal algum, mas tudo quanto disse deste homem era verdadeiro.
42 E muitos ali creram nele.
Evangelho de João capítulo 10, versículos 22 a 42