O local de onde o Senhor Jesus ascendeu ao céu ficava no monte das Oliveiras, próximo de Jerusalém (ver. 12) e de Betânia (Lucas 24:50). Lucas esclarece para benefício de Teófilo e nosso que o monte das Oliveiras fica "à distância da jornada de um sábado" de Jerusalém, que é um quilômetro.
Os Seus discípulos voltaram a Jerusalém, e os onze apóstolos subiram ao aposento onde se achavam hospedados, para aguardar a chegada do Espírito Santo como o Senhor havia ordenado. Esta é a quarta e última vez que os apóstolos são relacionados por nome na Bíblia (ver Mateus 10:2-4; Marcos 3:16-19; Lucas 6:14-16), faltando agora Judas Iscariotes.
Durante esse tempo eles se reuniam "em harmonia" para orar, conforme o Senhor lhes havia ensinado: "Se dois de vós na terra concordarem acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus."
As mulheres se reuniam com os apóstolos para orar, estando entre elas Maria, sendo esta a última vez que Maria é mencionada na Bíblia. Aqui ela é qualificada como "mãe de Jesus". Foi através dela que o Senhor veio ao mundo, adquirindo forma humana e tomando o nome de "Jesus" em Sua humanidade, e ela foi sua mãe apenas por isto.
Maria nunca é chamada "mãe de Deus", o que seria um absurdo, mesmo uma blasfêmia, pois Deus (Pai, Filho e Espírito Santo) é um ser eterno, sendo o Filho o Criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis (Colossenses 1:16). Maria pode ter tido um caráter muito bom, pouco sabemos sobre isto, mas era pecadora e precisava de um Salvador, como todos nós (Lucas 1:47). Os discípulos não dirigiam suas orações a ela, mas ela os acompanhava nas suas orações a Deus Pai em nome do Senhor Jesus.
Os irmãos do Senhor Jesus estavam também presentes. Antes da Sua morte e ressurreição não haviam crido nEle (João 7:5), mas Ele apareceu a pelo menos um deles depois da Sua ressurreição, Tiago (1 Coríntios 15:7) que se tornou um dos líderes da igreja pioneira em Jerusalém (Atos 12:17, 15:13, 21:18, Gálatas 1:9), e escreveu a epístola com seu nome.
Num destes dias de espera, muitos dos discípulos se achavam congregados com os apóstolos, num total de cerca de cento e vinte pessoas.
Pedro então achou por bem tratar de um assunto que o preocupava: como os "doze" (apóstolos) haviam sido reduzidos a onze, ele julgou que já deviam escolher entre eles o seu substituto. Observemos que:
Os apóstolos haviam sido escolhidos pessoalmente pelo Senhor Jesus, e ele não havia instruído Pedro ou qualquer outro a escolher quem devia preencher a "vaga" deixada por Judas.
A passagem em Salmo 109:6 a 20 é uma maldição genérica contra os acusadores e caluniadores do rei Davi, aplicando-se em princípio a todos os que difamam os justos. Não parece ser específica para Judas, pois o crime dele não foi difamação, mas "serviu de guia aos que prenderam Jesus". Mesmo que seja aplicável ao seu caso, a substituição do versículo 8 não cabia a Pedro, nem havia urgência para fazê-la.
Sem dúvida Pedro deveria ter aguardado a direção do Espírito Santo que estava para vir, antes de se arrogar o direito de encontrar um substituto.
Pedro, portanto, levantou-se no meio daquela congregação para fazer a sua proposta. Como preâmbulo, ele deu detalhes sobre o suicídio de Judas que não encontramos nos Evangelhos. Em Mateus lemos que Judas jogou o dinheiro pago pela sua traição dentro do templo, saiu e enforcou-se (Mateus 27:5). Os chefes dos sacerdotes compraram um campo com o dinheiro, que passou a ser chamado "campo de sangue".
Pedro disse que Judas usou o dinheiro para comprar um campo, e ali teve um acidente e morreu. Como conciliar essas afirmações? A explicação mais verossímil é que Judas se enforcou com algo que tinha à mão, provavelmente seu cinturão, no galho de uma árvore. O o galho ou o cinturão se rompeu e ele se precipitou abaixo.
Por outro lado, os chefes dos sacerdotes não podiam ficar com dinheiro ganho ilegalmente. A lei judaica mandava que fosse devolvido ao doador e, se ele insistisse em não recebê-lo de volta, que fosse induzido a gastá-lo para o bem público. Legalmente o dinheiro ainda pertencia a Judas, e os sacerdotes o usaram para comprar o campo do Oleiro, para cemitério de estrangeiros conforme lemos em Mateus, como se fosse comprado por Judas.
Pedro continuou, dizendo que era necessário escolher o substituto de Judas Iscariotes, para ser testemunha da ressurreição do Senhor Jesus junto com os onze apóstolos (Mateus 28:16-20). Só se qualificaria quem tivesse estado com eles durante todo o tempo em que o Senhor Jesus viveu entre eles, desde o batismo de João até a Sua ascensão.
Com esta condição, Pedro reduziu consideravelmente o número de candidatos, e, como resultado, foram nomeados apenas dois que a preenchiam.
Somente depois disto feito lemos que oraram. Dirigiram sua oração ao "Senhor que conheces o coração de todos": eles tinham sido ensinados a orar ao Pai, em nome do Senhor Jesus, mas parece que aqui eles se esqueceram disto.
Pediram ao Senhor que revelasse a eles a qual dos dois Ele tinha escolhido. Eles desejavam que essa pessoa preenchesse a vaga deixada por Judas no ministério e apostolado dos doze, que Jesus havia escolhido. É de se notar que os doze apóstolos tinham sido escolhidos pessoalmente pelo Senhor entre todos os seus primeiros discípulos, que não eram muitos, mas agora pedem que Ele escolha um entre dois candidatos que eles próprios haviam determinado.
Em seguida fizeram um sorteio, a fim de que o Senhor tivesse a oportunidade de influir no resultado, e assim mostrar a Sua vontade. O resultado iria favorecer um dos dois, infalivelmente, mas não podia ser entendido como uma decisão da parte do Senhor Jesus, como pensavam.
Em todo esse processo não houve a presença e a direção do Espírito Santo, nem a autoridade do Senhor Jesus. Não estava ali a pessoa que Ele mais tarde escolheu (Paulo - 1 Coríntios 15:8-10).
Feito o sorteio, Matias foi vencedor, sendo então acrescentado por eles aos onze apóstolos. Nada mais lemos sobre Matias.
Tradicionalmente, é aceito por muitos que essa escolha e sorteio dirigidos por Pedro foram aprovados por Deus, a razão sendo que este relato está na Bíblia, logo teria sido inspirado por Deus, e que o número doze aparece em Atos 6:2 e 1 Coríntios 15:5.
Realmente, o relato é feito sem qualquer palavra de desaprovação, mas também não há indicação aqui, ou em outro lugar qualquer que Matias foi nomeado pelo próprio Senhor Jesus, condição essencial para ser o Seu enviado: a condição estabelecida por Pedro foi imposta por ele próprio. É muito raro ver o autor de um livro da Bíblia criticar as ações erradas que relata. O próprio leitor pode fazer o julgamento se tiver a sua mente esclarecida pela luz da Palavra de Deus.
O número doze era usado comumente para designar o grupo de apóstolos, e como Matias havia sido acrescentado aos onze naquela reunião, o grupo podia tomar esse nome outra vez. Mas sabemos que o Senhor Jesus chamou Paulo para ser apóstolo: "Paulo, apóstolo enviado, não da parte de homens nem por meio de pessoa alguma, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos…" (Gálatas 1:1). Logo teríamos treze apóstolos? Impossível, veja Apocalipse 21:14.
Paulo informa que ele próprio foi escolhido por Jesus Cristo e por Deus Pai para ser apóstolo. Não foi por homens e um sorteio entre dois candidatos, mas mediante o Espírito Santo que Deus enviou ao mundo, e o seu ministério certamente justificou o fato que tomou o lugar de Judas.
É notável que o primeiro capítulo de Atos "amarra" os quatro Evangelhos: Mateus termina na ressurreição, Marcos na ascensão, Lucas na promessa do Espírito Santo, e João na promessa da segunda vinda: encontramos os quatro eventos mencionados. Atos é a ponte entre os Evangelhos e as Epistolas.
12 Então voltaram para Jerusalém, do monte chamado das Oliveiras, que está perto de Jerusalém, à distância da jornada de um sábado.
13 E, entrando, subiram ao cenáculo, onde permaneciam Pedro e João, Tiago e André, Felipe e Tomé, Bartolomeu e Mateus; Tiago, filho de Alfeu, Simão o Zelote, e Judas, filho de Tiago.
14 Todos estes perseveravam unanimemente em oração, com as mulheres, e Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele.
15 Naqueles dias levantou-se Pedro no meio dos irmãos, sendo o número de pessoas ali reunidas cerca de cento e vinte, e disse:
16 Irmãos, convinha que se cumprisse a escritura que o Espírito Santo predisse pela boca de Davi, acerca de Judas, que foi o guia daqueles que prenderam a Jesus;
17 pois ele era contado entre nós e teve parte neste ministério.
18 (Ora, ele adquiriu um campo com o salário da sua iniqüidade; e precipitando-se, caiu prostrado e arrebentou pelo meio, e todas as suas entranhas se derramaram.
19 E tornou-se isto conhecido de todos os habitantes de Jerusalém; de maneira que na própria língua deles esse campo se chama Acéldama, isto é, Campo de Sangue.)
20 Porquanto no livro dos Salmos está escrito: Fique deserta a sua habitação, e não haja quem nela habite; e: Tome outro o seu ministério.
21 É necessário, pois, que dos varões que conviveram conosco todo o tempo em que o Senhor Jesus andou entre nós,
22 começando desde o batismo de João até o dia em que dentre nós foi levado para cima, um deles se torne testemunha conosco da sua ressurreição.
23 E apresentaram dois: José, chamado Barsabás, que tinha por sobrenome o Justo, e Matias.
24 E orando, disseram: Tu, Senhor, que conheces os corações de todos, mostra qual destes dois tens escolhido
25 para tomar o lugar neste ministério e apostolado, do qual Judas se desviou para ir ao seu próprio lugar.
26 Então deitaram sortes a respeito deles e caiu a sorte sobre Matias, e por voto comum foi ele contado com os onze apóstolos.
Atos capítulo 1, ver. 12 a 26