Um ano inteiro pode ter decorrido entre os eventos do capítulo 5 em Jerusalém e esses do capítulo 6 na Galiléia, porque “depois disto” deixa um período de tempo indefinido no Evangelho de João (João 3:22; João 5:1; João 6:1; João 7:1). Os discípulos tinham voltado de uma excursão pela Galiléia e tinham informado tudo ao Senhor Jesus. Estava próxima a chamada “terceira Páscoa do Senhor” (João 6:4), faltando só um ano antes do fim, mas Cristo não compareceu por causa da hostilidade em Jerusalém (João 7:1).
A alimentação de cinco mil pessoas é o único evento antes da última visita para Jerusalém registrada em todos os quatro Evangelhos (Mateus 14:13-21; Marcos 6:30-44; Lucas 9:10-17; João 6:1-13). No Evangelho de João, o Senhor segue este milagre com um discurso sobre o fato que Ele é o verdadeiro Pão de Deus.
Para adquirir algum repouso, como não tinham tido tempo nem para comer, eles partiram de barco de Capernaum ao longo da costa norte do mar da Galiléia para um lugar deserto sugerido pelo Senhor, perto de uma cidade chamada Betsaida (Lucas 9:10). O mar da Galiléia era chamado de “mar de Quinerete” originalmente (Números 34:11), e nos dias do nosso Senhor foi chamado também de “lago de Genezaré” (Lucas 5:1), mudando para “mar de Tiberíades” quando Herodes Antipas construiu sua capital (versículo 23) no litoral ocidental no ano 22 AD.
Mas uma multidão de todas as cidades descobriu onde eles iam e correu até lá a pé, chegando antes deles para os receber. O povo havia visto os sinais que Jesus fez, curando os enfermos, e estava ansioso para ouvir Jesus falar novamente (Lucas 9:11) e beneficiar-se com o Seu poder curativo. Ele então os ensinou e curou até o meio da tarde (Marcos 6:34; Mateus 14:14; Lucas 9:11).
Depois todos subiram da praia ao monte, do lado oriental, e Jesus sentou-se com os seus discípulos, um quadro de repouso. A frase “então Jesus, levantando os olhos” é particularmente expressiva aqui, porque o Senhor olhava para baixo vendo a multidão que se aproximava.
O Senhor já bem sabia, é claro, o que ia fazer, e era algo que estava muito além da imaginação de todos, mas levantou o assunto de alimentar a multidão com Felipe, para o testar. Felipe era uma pessoa quieta: nunca tinha muito para dizer, embora tenha sido ele quem trouxe Natanael (Bartolomeu) a Cristo.
Felipe calculou imediatamente que duzentos denários (pagamento para duzentos dias de trabalho para um trabalhador comum) não seriam suficientes para prover um pouco de pão para cada pessoa, significando que estava muito além dos seus recursos. Nos outros evangelhos lemos que, neste momento, os discípulos sugeriram que Ele despachasse a multidão, a fim de que pudessem entrar nas cidades e aldeias próximas para se hospedar e adquirir provisões. Mas Ele ordenou que os próprios discípulos lhes dessem algo para comer.
André então falou. Aqui ele é identificado como o irmão de Simão Pedro e a grande distinção de André era precisamente essa, que fora ele quem trouxe Simão a Cristo embora, como Felipe, fosse também de natureza quieta. Felipe e André aparecem juntos novamente quando alguns gregos desejavam ver o Senhor (capítulo 12:20-22). Provavelmente para mostrar como esta tarefa era impossível, André informou ao Senhor quanta comida tinham disponível: cinco pães de cevada (considerado um tipo inferior de pão) e dois pequenos peixes; fora o Senhor, todos devem ter pensado que isso era ridículo!
O Senhor Jesus então solucionou o problema como só o Criador, o Filho de Deus, podia fazer:
Ordenou que os pães e os peixes fossem trazidos até Ele (Mateus 14:18).
Instruiu aos discípulos que fizessem o povo se sentar, embora nada tivessem ainda para lhes oferecer, assim testando a sua fé e obediência, e eles obedeceram. Marcos explica que o povo se sentou no gramado em grupos (como canteiros), em grupos de cem e cinquenta. Tornou-se assim fácil de contar e servi-los. Teria havido muita ordem, porque foi feito pelo nosso Senhor, sendo um grande entretenimento representando o Evangelho, que é um banquete para todos os povos (Isaías 25:6), um banquete para todos os que comparecem.
Tomando os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu, e os abençoou e partiu os pães (Marcos 6:41). Igualmente sempre devemos dar graças a Deus pela nossa refeição, pois nos vem pela Sua misericórdia, e assim devemos recebê-la com ações de graças (1 Timóteo 4:3-5, Atos 27:35). Não temos poder para abençoá-la, como só podia fazer o Senhor, mas podemos pedir a Deus que o faça.
Distribuiu os pedaços de pão aos discípulos e por sua vez eles os deram aos que estavam sentados. Havia aproximadamente cinco mil homens, mais as mulheres e as crianças (Mateus 14:21). Toda a nossa provisão vem da mão de Deus, não importa quem a traz. Ao distribuir provisões espirituais aos que O seguem, Ele se agrada em utilizar o ministério dos Seus discípulos.
Desta mesma maneira distribuiu o peixe, tanto quanto cada um quisesse. Era destinado à satisfação geral. Todos se fartaram, não com uma pequena ração, mas uma refeição completa. Isto nos lembra que a graça de Deus e o dom pela graça de Cristo abunda a muitos (Romanos 5:15, Filipenses 4:19).
Depois de comer uma refeição, os judeus costumavam assegurar-se que tinham deixado um pedaço de pão na mesa, porque consideravam que assim evitavam a maldição destinada ao homem mau (Jó 20:21-22). Assim, depois que todos estavam satisfeitos (repletos), O Senhor mandou os discípulos recolherem tudo o que havia sobrado, para que nada se perdesse. Encheram doze cestas de pedaços de pão, não migalhas ou pequenos fragmentos no chão, mas pedaços quebrados pelo Senhor (Marcos 6:41) e de peixe (Marcos 6:43). Não devia haver qualquer desperdício da Sua munificência. Os judeus tinham muito cuidado para não desperdiçar pão, ou deixa-lo cair no chão para ser pisado. “Quem despreza o pão cai nas profundidades da pobreza”, era o que diziam. Embora Cristo pudesse produzir suprimentos sempre que quisesse, contudo ele fez com que os fragmentos fossem recolhidos. Quando estamos repletos devemos lembrar que outros têm falta, e podemos um dia ter falta também. Cristo não ordenou juntar o que havia sobrado antes que todos estavam satisfeitos: não devemos começar a acumular antes que nossas necessidades presentes tenham sido satisfeitas.
Os judeus tinham também o costume de deixar algo para os que lhes serviam, assim houve uma cesta de vime cheia para cada um dos apóstolos! Foram assim recompensados com abundância pela disposição que tiveram em se desfazer do que tinham para servir ao público (veja 2 Crônicas 31:10).
Este sinal, acrescentado aos já executados (versículo 2, também veja capítulos 2:23; 3:2), fez com que todos começassem a dizer que Ele era o Profeta que devia entrar no mundo: havia uma expectativa popular sobre o profeta mencionado por Moisés (Deuteronômio 18:15) e que ele seria o Messias (capítulos 1:21; 11:27). Também começavam a acreditar que Jesus era o Messias político esperado pelos fariseus. Embora os fariseus menosprezassem o povo por não saberem as minúcias da lei, pareceria agora que conheciam mais sobre Aquele que é a finalidade da lei do que os próprios fariseus.
1 Depois disto partiu Jesus para o outro lado do mar da Galiléia, também chamado de Tiberíades.
2 E seguia-o uma grande multidão, porque via os sinais que operava sobre os enfermos.
3 Subiu, pois, Jesus ao monte e sentou-se ali com seus discípulos.
4 Ora, a páscoa, a festa dos judeus, estava próxima.
5 Então Jesus, levantando os olhos, e vendo que uma grande multidão vinha ter com ele, disse a Felipe: Onde compraremos pão, para estes comerem?
6 Mas dizia isto para o experimentar; pois ele bem sabia o que ia fazer.
7 Respondeu-lhe Felipe: Duzentos denários de pão não lhes bastam, para que cada um receba um pouco.
8 Ao que lhe disse um dos seus discípulos, André, irmão de Simão Pedro:
9 Está aqui um rapaz que tem cinco pães de cevada e dois peixinhos; mas que é isto para tantos?
10 Disse Jesus: Fazei reclinar-se o povo. Ora, naquele lugar havia muita relva. Reclinaram-se aí, pois, os homens em número de quase cinco mil.
11 Jesus, então, tomou os pães e, havendo dado graças, repartiu-os pelos que estavam reclinados; e de igual modo os peixes, quanto eles queriam.
12 E quando estavam saciados, disse aos seus discípulos: Recolhei os pedaços que sobejaram, para que nada se perca.
13 Recolheram-nos, pois e encheram doze cestos de pedaços dos cinco pães de cevada, que sobejaram aos que haviam comido.
14 Vendo, pois, aqueles homens o sinal que Jesus operara, diziam: este é verdadeiramente o profeta que havia de vir ao mundo.
Evangelho de João, capítulo 6, versículos 1 a 14