Seguindo o princípio que havia adotado quando visitava novas cidades, três dias depois de chegar em Roma Paulo procurou pregar o Evangelho aos judeus primeiro, depois aos gentios. Não podendo ir à sinagoga porque ainda era prisioneiro, convidou os líderes judeus para vir até a casa alugada onde agora morava.
Ao chegarem, explicou como fora obrigado a vir até Roma (parece que não sabia se já tinham tido notícia dos acontecimentos em Jerusalém, tempos antes, que deu origem a esta viagem).
Tomando cuidado para logo proteger-se de qualquer acusação do tipo que os judeus em Jerusalém haviam feito, declarou que viera preso de Jerusalém, tendo sido “entregue nas mãos dos romanos” embora nada tivesse feito contra o povo ou contra os ritos do judaísmo. Assim evitou dizer que, na realidade, fora salvo da morte pelo centurião romano, pois o povo estava a ponto de matá-lo (capítulo 22:27 a 36).
Informou, ainda, que os romanos o interrogaram e não encontrando nele qualquer crime sujeito à pena de morte queriam soltá-lo, mas os judeus se opuseram e nessas circunstâncias fora obrigado a apelar para César. Acrescentou que ao fazer isto não pretendia trazer qualquer acusação contra a nação judaica, mas foi apenas a fim de poder defender-se. Foi um resumo curto e bem cauteloso dos muitos acontecimentos passados, e com estas palavras Paulo apresentou-se como digno compatriota dos judeus de Roma.
Paulo em seguida explicou que os havia chamado para lhes contar o motivo que o levara até Roma, que era pela “esperança de Israel” (veja o capítulo 26:6). Paulo habilmente levantou a sua curiosidade para que pudesse lhes anunciar o Evangelho.
Os judeus declararam que não haviam recebido cartas a respeito de Paulo da Judeia e ninguém havia vindo de lá contando ou falando algo de mal contra ele. Queriam ouvir dele próprio o que pensava sobre essa seita (o cristianismo), porque já era bem sabido que era contestada por toda a parte.
Paulo havia mencionado a “esperança de Israel”, o que os levou ao assunto do cristianismo sem que Paulo o mencionasse. A linguagem parece sugerir que o número de cristãos em Roma era ainda pequeno e constituía mais de gentios. Se o edito de Cláudio I para a expulsão dos judeus de Roma (capítulo 18:2) foi devido a perturbações sobre Cristo, então os judeus em Roma tinham mesmo uma razão especial para hostilidade em relação aos cristãos.
Marcado um dia para a explicação que queriam ter de Paulo, um grande número desses líderes judeus voltaram à sua casa, e ali ficaram da manhã à noite ouvindo o Evangelho da sua própria boca. Que melhor pessoa podiam ter como preletor do que ele? Era erudito na lei e nos profetas, e fora ensinado pessoalmente por Jesus ressuscitado, e adestrado tanto no ensino como na experiência do judaísmo e do cristianismo – e, mais importante ainda, cheio do Espírito Santo, que o havia chamado e levado até Roma.
Diante do seu brilhante testemunho sobre Jesus e de sua persuasão pela lei de Moisés e os profetas, assim explicando o reino de Deus, alguns creram nas suas palavras (o original significa, mais precisamente, que começaram a ser persuadidos), mas outros as rejeitavam (rejeitar é uma ação mais forte do que simplesmente deixar de aceitar uma mensagem, significando que continuaram a descrer). É o que normalmente acontece quando se prega o Evangelho a uma audiência de incrédulos.
Paulo terminou citando a profecia de Isaías 6:9 - “Vai, e dize a este povo: Ouvis, de fato, e não entendeis, e vedes, em verdade, mas não percebeis...”. Essa passagem foi muito citada pelo Senhor Jesus (Mateus 13:14, 15, Marcos 4:12 e Lucas 8:10, na explicação do uso que fazia de parábolas e em João 12:40).
Ao declarar que fora o Espírito Santo que havia dito essas palavras escritas por Isaías, Paulo confirmou a inspiração verbal das Escrituras pelo Espírito Santo, e que o povo estava resistindo a Deus, e não a homens como Isaías e Paulo.
O versículo seguinte está no futuro, na profecia, mas Paulo agora o citou como já tendo acontecido, porque o povo havia continuado rebelde ao chamado de Deus através dos profetas e, agora, do Seu Filho. As palavras são uma solene lamentação da condenação dos judeus da rejeição do Messias previsto há muito tempo por Isaías.
Paulo não citou os versículos finais, que prevem a consequente destituição de Israel da sua terra e a vinda da “grande tribulação”. Sabemos pelo ensino do Novo Testamento que, depois dela, Cristo voltará outra vez para restituir toda a terra de Israel ao remanescente, já crente, e iniciar o seu reino milenar.
Fechando a conferência, Paulo declarou que “esta salvação de Deus é enviada aos gentios, e eles ouvirão”. Foi a última gota para aqueles líderes dos judeus de Roma que conheciam bem a profecia e rejeitavam as suas palavras. Eram ciosos do seu judaísmo e não admitiam que os gentios fossem abençoados por Deus como eles haviam sido.
Todos se foram, havendo grande contenda entre eles, indignando-se fortemente os que rejeitaram o Evangelho contra os que começavam a ser persuadidos.
João Calvino nos dá uma aplicação interessante: “Por último, será em vão alguém vir a objetar que o Evangelho de Cristo provoca contendas, quando é óbvio que elas se originam apenas da teimosia dos homens. E na verdade, a fim de usufruir da paz com Deus, é necessário para nós travarmos uma guerra contra os que O tratam com desprezo.”
Paulo ficou dois anos inteiros naquela casa. Não podia sair, mas recebia todos os que o visitavam.
Não é dito neste livro, mas foi provavelmente daquela casa que Paulo escreveu suas cartas aos Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemom.
Ele teve uma grande medida da liberdade, pregando o reino de Deus e ensinando as coisas concernentes ao Senhor Jesus Cristo com toda a liberdade, sem impedimento algum. Assim o Livro dos Atos termina. Há quem pense que termina com uma estranha brusquidão. No entanto, o modelo traçado no início já tinha sido cumprido. O evangelho chegou fora de Jerusalém, Judeia, Samária, e agora ao mundo gentio.
Os acontecimentos na vida de Paulo após o encerramento deste livro só podem ser deduzidos pelas suas cartas posteriores. Parece que, após dois anos, o seu caso veio diante do imperador Nero, sendo então absolvido.
Embarcou então no que veio a ser conhecida como a sua quarta viagem Missionária. Nesta viagem ele teria visitado Colosso e Éfeso (Filemom 1:22), Macedônia (1 Timóteo 1:3, Filipenses 1:25; 2:24, Éfeso (1 Timóteo 3:14), Espanha (Romanos 15:24), Creta (Tito 1:5), Corinto e Mileto (2 Timóteo 4:20), passou um inverno em Nicópolis (Tito 3:12), e Trôade (2Timóteo 4:13).
Foi levado novamente prisioneiro até Roma, mas não sabemos o motivo, quando, ou onde foi preso. Esta detenção foi muito mais dura do que a primeira (2 Timóteo 2:9), foi abandonado pela maioria dos seus amigos (2 Timóteo 4:9-11), e sabia que estava próximo o dia da sua morte (2 Timóteo 4:6-8). A tradição afirma que foi decapitado fora de Roma no ano 67 ou 68 d.C.
A descrição da sua devoção ao ministério que lhe foi confiado pelo Senhor Jesus se encontra em 2 Coríntios 4:8-10, 6:4-10, e 11:23-28, em suas próprias palavras.
17 Passados três dias, ele convocou os principais dentre os judeus; e reunidos eles, disse-lhes: Varões irmãos, não havendo eu feito nada contra o povo, ou contra os ritos paternos, vim contudo preso desde Jerusalém, entregue nas mãos dos romanos;
18 os quais, havendo-me interrogado, queriam soltar-me, por não haver em mim crime algum que merecesse a morte.
19 Mas opondo-se a isso os judeus, vi-me obrigado a apelar para César, não tendo, contudo, nada de que acusar a minha nação.
20 Por esta causa, pois, vos convidei, para vos ver e falar; porque pela esperança de Israel estou preso com esta cadeia.
21 Mas eles lhe disseram: Nem recebemos da Judéia cartas a teu respeito, nem veio aqui irmão algum que contasse ou dissesse mal de ti.
22 No entanto bem quiséramos ouvir de ti o que pensas; porque, quanto a esta seita, notório nos é que em toda parte é impugnada.
23 Havendo-lhe eles marcado um dia, muitos foram ter com ele à sua morada, aos quais desde a manhã até a noite explicava com bom testemunho o reino de Deus e procurava persuadí-los acerca de Jesus, tanto pela lei de Moisés como pelos profetas.
24 Uns criam nas suas palavras, mas outros as rejeitavam.
25 E estando discordes entre si, retiraram-se, havendo Paulo dito esta palavra: Bem falou o Espírito Santo aos vossos pais pelo profeta Isaías,
26 dizendo: Vai a este povo e dize: Ouvindo, ouvireis, e de maneira nenhuma entendereis; e vendo, vereis, e de maneira nenhuma percebereis.
27 Porque o coração deste povo se endureceu, e com os ouvidos ouviram tardamente, e fecharam os olhos; para que não vejam com os olhos, nem ouçam com os ouvidos, nem entendam com o coração nem se convertam e eu os cure.
28 Seja-vos pois notório que esta salvação de Deus é enviada aos gentios, e eles ouvirão.
29 [E, havendo ele dito isto, partiram os judeus, tendo entre si grande contenda.]
30 E morou dois anos inteiros na casa que alugara, e recebia a todos os que o visitavam,
31 pregando o reino de Deus e ensinando as coisas concernentes ao Senhor Jesus Cristo, com toda a liberdade, sem impedimento algum.
Atos capítulo 28, versículos 17 a 31