O Senhor Jesus perturbou-se em espírito depois de ter comunicado aos discípulos que seria traído por um deles, sabendo que a hora estava próxima para isto acontecer e que resultaria no supremo sacrifício da própria vida no dia seguinte. Ele havia sido perturbado antes por razões diferentes (capítulo 11:33 e 12:27): embora unido a Deus (João 5:19) Ele ainda tinha a nossa humanidade autêntica (João 1:14).
Quando revelou que um dos discípulos à mesa iria traí-lo, foi como se tivesse caído um raio do céu azul, à medida que o Senhor varreu-os todos com os seus olhos. Eles começaram a também olhar uns aos outros em perplexidade. A palavra “trair” é frequentemente utilizada com relação a Judas (Mateus 26:21, Marcos 14:18 e a mesma idéia se vê em Lucas 22:21). O Senhor tinha dito um ano antes que "um de vós é o diabo" (capítulo 6:70), mas parece que não causou tanta surpresa aquela vez.
Judas tinha sido tão esperto em esconder a sua incredulidade, que nenhum dos outros pode apontá-lo como traidor. Afinal, ele era o discípulo a quem confiavam o seu dinheiro (capítulo 12:6 e 13:29). Olhavam uns para os outros, sem saber a quem Ele se referia, e um por um Lhe garantiam “com certeza não sou eu Senhor!” (Mateus 26:22). No meio da confusão Simão Pedro fez um sinal a João para perguntar-Lhe quem era, pois João estava mais próximo para falar baixinho com Ele, enquanto Pedro estava evidentemente mais longe. Os outros decerto não perceberam.
Era costume o anfitrião de um banquete tomar um pedaço de pão, mergulhá-lo no molho e oferecê-lo ao convidado de honra. Quando João fez a pergunta, o Senhor lhe disse que seria a pessoa a quem fizesse isso. Ao fazê-lo a Judas, o Senhor com este gesto o honrou, e lhe estendeu um sinal de amizade. Judas estava numa encruzilhada. Cristo mantinha a porta aberta para Judas até o fim. Mesmo no jardim de Getsêmane Ele lhe diria: "amigo, a que vieste?” (Mateus 26:50). O Senhor sabia o que Judas ia fazer, mas não o obrigou a fazê-lo. Judas não podia entender isto, e movido pelo remorso terminou com sua própria vida pouco depois.
Após o pedaço de pão, Satanás (o adversário ou acusador) entrou em Judas (é a única vez que esta palavra ocorre neste Evangelho). Satanás tomou posse deste homem aos poucos, parecendo ser este o seu costume: uma sucessão de pequenas quedas permitindo que este grande inimigo avance gradualmente até que finalmente tome conta. O Senhor deu oportunidade a Judas para aceitá-Lo, mas Judas voltou-lhe as costas. Então Satanás entrou e o dominou completamente.
Sabendo disto, o Senhor disse para ele “o que fazes, faze-o depressa”. Cristo esteve angustiado até que o terrível acontecimento que sabia que estava para vir se realizasse (Lucas 12:50). Tendo tomado a sua decisão, Judas foi agora obrigado a cooperar com Ele. Os líderes religiosos provavelmente não estariam muito dispostos a prender e crucificar este Homem enquanto as multidões estavam ali durante a festa da Páscoa. Era mais conveniente para eles esperar até que terminasse. Mas nosso Senhor mandou Judas andar depressa, e ele tem que sair e por logo em movimento os acontecimentos que levarão à Sua prisão.
Os outros discípulos ainda não tinham percebido a disposição traiçoeira de Judas. Os alimentos para os sete dias da festa dos Pães Asmos que se seguiriam à Páscoa teriam que ser comprados agora, pois o primeiro dia dessa festa era obrigatoriamente tratada como um sábado (“descanso”) especial, uma quinta feira naquele ano, quando as esmolas seriam dadas aos pobres; assim os discípulos decerto julgaram que o Senhor queria que ele, o tesoureiro, fosse comprá-los rapidamente. É de se notar que o Senhor não pedia apoio de ninguém, mas que Ele e o Seu grupo se conduziam de uma forma normal em seus negócios. Ele não os alimentava milagrosamente, e tinham que sair e comprar o seu alimento.
Judas, no entanto, sabia o que o Senhor significava, por isso ele agiu imediatamente, indo para a sua eterna noite. O que Deus faz, Ele faz devagar. O que o diabo faz, ele faz depressa. O diabo precisa andar depressa porque os seus dias são limitados. Deus tem toda a eternidade para cumprir os Seus propósitos.
Houve agora uma mudança no ambiente. Judas se fora, e nosso Senhor começou a falar seriamente com estes homens. Elevou os seus pensamentos do presente para o futuro, do material para o eterno e daquilo que é secular para o que é espiritual. Simão Pedro O interrompeu, mas pode-se dizer que o discurso se iniciou a partir do versículo 31.
Jesus começou por dizer que o Filho do homem iria ser glorificado logo: seria através da sua morte e ressurreição. Do lado humano a Cruz parece ser uma vergonha e derrota, mas Deus é glorificado em Cristo porque a salvação dos pecadores se faz através da Cruz. Deus é a fonte da glória (capítulo 17:5), com o Pai no céu vindo após a cruz. Não haveria qualquer adiamento: em primeiro lugar e rapidamente a Cruz, depois a Ascensão.
Dirigindo-Se afetuosamente aos discípulos como “meus filhinhos”, disse que estaria com eles apenas por um pouco mais, depois não estaria mais: as palavras que Ele dissera aos judeus "onde vou, não podeis ir", também se aplicava a eles. Ele iria para a Cruz, e ninguém pode ir para a Cruz como Ele fez. Sofreu sozinho, e existe um sofrimento de Cristo que nenhum de nós pode compreender plenamente.
Jesus lhes deu o que chamou de um mandamento novo: que amassem (e continuassem sempre amando) uns aos outros da mesma forma que Ele amava. O mandamento de amar ao próximo como a si mesmo não era novo - foi dado por intermédio de Moisés (Levítico 19:18), mas o mandamento que agora lhes deu era novo no sentido que a medida do amor para os outros não é mais o amor por si mesmo, mas o amor de Cristo pelos Seus discípulos.
O amor desse tipo entre eles seria a prova para todos saberem que os discípulos eram de fato Seus discípulos. Ele viria mesmo a dizer mais tarde que seria a prova de que o Pai O havia enviado (capítulo 17:23). Esse amor não só manteria os crentes fortes e unidos num mundo hostil a Deus, mas traria incrédulos a Cristo, por convencê-los que os crentes são realmente seguidores de Cristo, e que o Senhor Jesus é realmente o Filho de Deus.
O amor neste sentido não envolve emoção, necessariamente, e consiste mais em sentimentos calorosos; é uma atitude que se revela num respeito e num profundo desejo pelo bem-estar de um irmão ou irmã em Cristo, com sacrifício próprio se for o caso, e em absorver os ferimentos recebidos de outros sem se queixar ou retribuir (1 Coríntios 13:4-7). É difícil de fazer e contraria a nossa natureza humana, portanto as pessoas vão notar quando o fazemos, e perceber que vem de uma fonte sobrenatural. O mundo está a morrer por falta de um pouco de amor, e o Senhor disse que Seus discípulos deverão ser conhecidos pelo seu amor uns pelos outros.
Não vamos ganhar os perdidos por sermos cristãos canibais: "Se vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos outros, vede não vos consumais uns aos outros!" (Gálatas 5:15). Este é o tipo de coisa que afasta os perdidos para longe da igreja, e eles não vão entrar para ouvir o Evangelho. Eles ouvem o fofocar antes que possam ouvir o evangelho! O mandamento mais importante para um cristão não é testemunhar, não é servir, mas é amar os outros crentes!
Pedro, ainda ruminando sobre o que o Senhor tinha dito antes, perguntou-lhe onde ia. Recebendo a resposta que não poderia ir com Ele agora, e sim mais tarde, disse orgulhosamente ao Senhor que estava disposto a morrer por Ele. Mas o Senhor já sabia que Pedro O negaria naquela mesma noite, para se defender (capítulo 18:25-27), e assim o corrigiu. Com o nosso entusiasmo, é fácil fazer promessas, mas Deus conhece o alcance do nosso comprometimento. “Não tenhamos de nós mesmos mais alto conceito do que convém” (Romanos 12:3).
21 Tendo Jesus dito isto, turbou-se em espírito, e declarou: Em verdade, em verdade vos digo que um de vós me há de trair.
22 Os discípulos se entreolhavam, perplexos, sem saber de quem ele falava.
23 Ora, achava-se reclinado sobre o peito de Jesus um de seus discípulos, aquele a quem Jesus amava.
24 A esse, pois, fez Simão Pedro sinal, e lhe pediu: Pergunta- lhe de 25 Aquele discípulo, recostando-se assim ao peito de Jesus, perguntou-lhe: Senhor, quem é?
26 Respondeu Jesus: É aquele a quem eu der o pedaço de pão molhado. Tendo, pois, molhado um bocado de pão, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes.
27 E, logo após o bocado, entrou nele Satanás. Disse-lhe, pois, Jesus: O que fazes, faze-o depressa.
28 E nenhum dos que estavam à mesa percebeu a que propósito lhe disse isto;
29 pois, como Judas tinha a bolsa, pensavam alguns que Jesus lhe queria dizer: Compra o que nos é necessário para a festa; ou, que desse alguma coisa aos pobres.
30 Então ele, tendo recebido o bocado saiu logo. E era noite.
31 Tendo ele, pois, saído, disse Jesus: Agora é glorificado o Filho do homem, e Deus é glorificado nele;
32 se Deus é glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e logo o há de glorificar.
33 Filhinhos, ainda por um pouco estou convosco. Procurar-me- eis; e, como eu disse aos judeus, também a vós o digo agora: Para onde eu vou, não podeis vós ir.
34 Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei a vós, que também vós vos ameis uns aos outros.
35 Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros.
36 Perguntou-lhe Simão Pedro: Senhor, para onde vais? Respondeu Jesus; Para onde eu vou, não podes agora seguir-me; mais tarde, porém, me seguirás.
37 Disse-lhe Pedro: Por que não posso seguir-te agora? Por ti darei a minha vida.
38 Respondeu Jesus: Darás a tua vida por mim? Em verdade, em verdade te digo: Não cantará o galo até que me tenhas negado três vezes.
Evangelho de João, capítulo 13 versículos 21 a 38