Um dia vieram à igreja de Antioquia alguns irmãos procedentes da igreja de Jerusalém, e proclamaram que não havia salvação para os gentios que, além de crer no Senhor Jesus Cristo, não se circuncidassem, submetendo-se também à lei de Moisés. Este episódio também é relatado na carta de Paulo aos Gálatas (cap. 2:1-10), por isso vamos incluir nestes comentários o que encontramos ali.
Aquele era um ataque direto à doutrina da justificação somente pela fé, segundo a qual a obra de Cristo na cruz é ampla e suficiente para salvar o pecador, e ninguém é justificado pelas obras da lei ou outras quaisquer. Essa doutrina é muito bem explicada e defendida na carta de Paulo aos Romanos, especialmente do capítulo 3 até 10.
Qualificando esses visitantes de “falsos irmãos”, que haviam se infiltrado na igreja para espionar a liberdade que seus membros tinham em Cristo e reduzi-los à escravidão, Paulo se opôs veementemente ao seu ensino, apoiado por Barnabé. Houve então uma grande contenda e discussão com eles na igreja de Antioquia.
A autoridade apostólica de Paulo estava talvez sendo posta em dúvida por aqueles judeus, pois não era pessoalmente conhecido pelas igrejas da Judéia. Catorze anos já haviam se passado desde que Paulo estivera em Jerusalém.
Para resolver o impasse, os irmãos resolveram designar Paulo e Barnabé, acompanhados pelo grego Tito, para ir tratar desta questão com os apóstolos e com os presbíteros em Jerusalém. Paulo concordou, e talvez tenha mesmo sugerido essa solução, pois teve “uma revelação” nesse sentido.
Pelo caminho através da Fenícia e Samaria encontraram irmãos, e todos se alegraram muito ao ouvi-los contar como os gentios haviam se convertido.
Chegando em Jerusalém, foram bem recebidos pela igreja, pelos apóstolos e presbíteros, a quem contaram tudo o que Deus havia feito por meio deles. Logo uns que haviam sido fariseus antes de se converter se levantaram na reunião, e disseram que era necessário que os gentios fossem circuncidados e obrigados a obedecer à lei de Moisés.
Evidentemente esse mal-entendido também ocorria nessa igreja, e precisava ser resolvido pelas suas autoridades: os apóstolos e presbíteros que estavam na sua direção, com Paulo e Barnabé presentes.
Paulo informa que expôs o Evangelho que pregava entre os gentios primeiro “aos que pareciam mais influentes” (os apóstolos e presbíteros), “para não correr ou ter corrido inutilmente” ou seja, para não perder a viagem com discussões inúteis com aqueles “falsos irmãos” judaizantes. Ele não se submeteu a esses nem por um instante, para que a verdade do Evangelho permanecesse com os gentios.
Depois de ouvi-lo, os apóstolos e presbíteros não acrescentaram nada ao que Paulo pregava, e reconheceram que Deus lhe havia dado autoridade para pregar aos incircuncisos (gentios), assim como Pedro recebera para pregar aos circuncisos (judeus).
Deus operava igualmente por meio de cada um (obviamente assim cai por terra o argumento herético que Pedro teria sido o primeiro “papa” – título inexistente na Palavra de Deus).
Tiago (irmão do Senhor Jesus), e os apóstolos Pedro e João, “tidos como colunas” da igreja de Jerusalém nas palavras de Paulo, estenderam a mão direita a Paulo e Barnabé em sinal de comunhão (de igual para igual). Dirigiram-se então à assembléia da igreja.
Pedro lembrou a todos que, segundo a vontade de Deus, ele fora o primeiro a levar a mensagem do Evangelho aos gentios para que cressem (foi ao centurião Cornélio e outros em sua casa – capítulo 10). Deus aceitou aqueles gentios, dando-lhes também o Espírito Santo, sendo eles purificados pela fé, assim como os judeus.
Concluindo, Pedro repreendeu aqueles que desejavam tentar a Deus, ao pôr o jugo da lei sobre os discípulos gentios, coisa que nem eles próprios ou seus antepassados conseguiram suportar.
Pedro declarou: “Mas cremos que somos salvos pela graça do Senhor Jesus, do mesmo modo que eles também” (v.11).
Barnabé e Paulo voltaram a falar, contando os sinais e maravilhas que, por meio deles, Deus fizera entre os gentios, e toda a assembléia ficou em silêncio enquanto falavam.
Quando terminaram Tiago tomou a palavra, e declarou que o que Pedro havia falado sobre o início do trabalho entre os gentios estava em conformidade com profecias sobre os últimos tempos, quando Israel será restaurado para que o restante dos homens busque o Senhor, bem como todos os gentios sobre quem tem sido invocado o Seu nome (Amós 9:11).
Observou que, como a Palavra de Deus admite que os gentios busquem o Senhor e invoquem o Seu nome, não tinha cabimento colocar obstáculos aos que estavam se convertendo a Cristo. Recomendou, no entanto, que se escrevesse aos gentios para que se abstivessem de comida contaminada pelos ídolos, da imoralidade sexual, da carne de animais estrangulados, e do sangue.
Essas restrições dizem respeito a um código moral que se aplica a todos – cristãos ou judeus: a condenação da idolatria, da imoralidade sexual e beber sangue (e a carne de animais estrangulados, pois ainda tem sangue). A idolatria e a imoralidade sexual são os pecados que mais se destacam no paganismo através dos tempos, prevalecendo ainda no mundo incrédulo de hoje.
Muitos que se chamam cristãos agora não observam a restrição sobre o sangue, baseados em 1 Coríntios 10:25-33. No entanto, quando Deus permitiu ao homem comer a carne de animais depois do dilúvio, Ele o proibiu de comer a carne com o seu sangue, pois é a vida (Gênesis 9:4). Essa proibição nunca foi retirada e, por ser evidentemente desagradável a Deus, convém ao santo abster-se disso.
Tiago acrescentou que desde os tempos antigos os judeus têm ensinado Moisés (os preceitos da Lei) nas sinagogas em todas as cidades. Ao observar essas restrições, o comportamento moral dos gentios convertidos não ofenderia os judeus. Foi decidido por unanimidade dentro da igreja (inclusive os judaizantes, se eles ainda estavam lá) enviar alguns dos seus membros a Antioquia com Paulo e Barnabé e foram escolhidos Judas, chamado Barsabás (seria seu sobrenome, significando “filho de Sabás”, que só aparece aqui) e Silas (seria um futuro companheiro de Paulo, decerto sendo a abreviação de “Silvano” que aparece em suas epístolas) – ambos líderes entre os irmãos da igreja de Jerusalém.
Levaram com eles uma carta de apresentação formal da parte dos irmãos apóstolos e presbíteros da igreja em Jerusalém, dirigida aos cristãos gentios em Antioquia, Síria e Cilícia. Todo o teor da carta está transcrito, do versículo 23 a 30.
Fica claro na carta que:
Os judeus que causaram a controvérsia em Antioquia tinham ido da igreja de Jerusalém, mas sem a autorização dos apóstolos e presbíteros. Estes, portanto, não eram responsáveis pela sua linha doutrinária.
Paulo e Barnabé eram amados irmãos dos assinantes, e ambos tinham arriscado a sua vida pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo.
Judas e Silas iam para confirmar verbalmente o teor da carta.
Era também a vontade do Espírito Santo, além da deles, não impor mais nada além das exigências necessárias (e repetiram as restrições sugeridas por Tiago).
Quando a carta foi lida na igreja de Antioquia, os irmãos se alegraram com aquela mensagem animadora – uma carga havia sido tirada dos seus ombros!
Judas e Silas continuaram ministrando por algum tempo (eram profetas), encorajando e fortalecendo os irmãos. Depois foram dispensados para voltarem à igreja em Jerusalém, mas Silas ficou com Paulo e Barnabé e mais tarde foi companheiro de Paulo em sua próxima viagem missionária.
1 Então alguns que tinham descido da Judéia ensinavam aos irmãos: Se não vos circuncidardes, segundo o rito de Moisés, não podeis ser salvos.
2 Tendo Paulo e Barnabé contenda e não pequena discussão com eles, os irmãos resolveram que Paulo e Barnabé e mais alguns dentre eles subissem a Jerusalém, aos apóstolos e aos anciãos, por causa desta questão.
3 Eles, pois, sendo acompanhados pela igreja por um trecho do caminho, passavam pela Fenícia e por Samária, contando a conversão dos gentios; e davam grande alegria a todos os irmãos.
4 E, quando chegaram a Jerusalém, foram recebidos pela igreja e pelos apóstolos e anciãos, e relataram tudo quanto Deus fizera por meio deles.
5 Mas alguns da seita dos fariseus, que tinham crido, levantaram-se dizendo que era necessário circuncidá-los e mandar-lhes observar a lei de Moisés.
6 Congregaram-se pois os apóstolos e os anciãos para considerar este assunto.
7 E, havendo grande discussão, levantou-se Pedro e disse-lhes: Irmãos, bem sabeis que já há muito tempo Deus me elegeu dentre vós, para que os gentios ouvissem da minha boca a palavra do evangelho e cressem.
8 E Deus, que conhece os corações, testemunhou a favor deles, dando-lhes o Espírito Santo, assim como a nós;
9 e não fez distinção alguma entre eles e nós, purificando os seus corações pela fé.
10 Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais nem nós pudemos suportar?
11 Mas cremos que somos salvos pela graça do Senhor Jesus, do mesmo modo que eles também.
12 Então toda a multidão se calou e escutava a Barnabé e a Paulo, que contavam quantos sinais e prodígios Deus havia feito por meio deles entre os gentios.
13 Depois que se calaram, Tiago, tomando a palavra, disse: Irmãos, ouvi-me:
14 Simão relatou como primeiramente Deus visitou os gentios para tomar dentre eles um povo para o seu Nome.
15 E com isto concordam as palavras dos profetas; como está escrito:
16 Depois disto voltarei, e reedificarei o tabernáculo de Davi, que está caído; reedificarei as suas ruínas, e tornarei a levantá-lo;
17 para que o resto dos homens busque ao Senhor, sim, todos os gentios, sobre os quais é invocado o meu nome,
18 diz o Senhor que faz estas coisas, que são conhecidas desde a antiguidade.
19 Por isso, julgo que não se deve perturbar aqueles, dentre os gentios, que se convertem a Deus,
20 mas escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, da prostituição, do que é sufocado e do sangue.
21 Porque Moisés, desde tempos antigos, tem em cada cidade homens que o preguem, e cada sábado é lido nas sinagogas.
22 Então pareceu bem aos apóstolos e aos anciãos com toda a igreja escolher homens dentre eles e enviá-los a Antioquia com Paulo e Barnabé, a saber: Judas, chamado Barsabás, e Silas, homens influentes entre os irmãos.
23 E por intermédio deles escreveram o seguinte: Os apóstolos e os anciãos, irmãos, aos irmãos dentre os gentios em Antioquia, na Síria e na Cicília, saúde.
24 Portanto ouvimos que alguns dentre nós, aos quais nada mandamos, vos têm perturbado com palavras, confundindo as vossas almas,
25 pareceu-nos bem, tendo chegado a um acordo, escolher alguns homens e enviá-los com os nossos amados Barnabé e Paulo,
26 homens que têm exposto as suas vidas pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo.
27 Enviamos portanto Judas e Silas, os quais também por palavra vos anunciarão as mesmas coisas.
28 Porque pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo além destas coisas necessárias:
29 Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da prostituição; e destas coisas fareis bem de vos guardar. Bem vos vá.
30 Então eles, tendo-se despedido, desceram a Antioquia e, havendo reunido a assembléia, entregaram a carta.
31 E, quando a leram, alegraram-se pela consolação.
32 Depois Judas e Silas, que também eram profetas, exortaram os irmãos com muitas palavras e os fortaleceram.
33 E, tendo-se demorado ali por algum tempo, foram pelos irmãos despedidos em paz, de volta aos que os haviam mandado.
34 [Mas pareceu bem a Silas ficar ali.]
35 Mas Paulo e Barnabé demoraram-se em Antioquia, ensinando e pregando com muitos outros a palavra do Senhor.
Atos capítulo 15, versículos 1 a 35