Tendo demonstrado a glória de Cristo como edificador da casa de Deus, composta dos que conservam firmes a sua confiança e esperança do cumprimento das promessas de Deus, temos em seguida uma advertência contra a incredulidade.
É de se notar que essa advertência vem do Espírito Santo, que faz um paralelo entre uma geração dos hebreus que fora libertada da escravidão do Egito, e outra dos crentes que compõem a igreja de Cristo:
Os israelitas puseram Deus à prova no deserto devido à sua incredulidade: duvidaram do Seu poder em dar-lhes a terra prometida. Foram por isso condenados a vagar pelo deserto por quarenta anos, grande parte deles morreu, inclusive Moisés e Arão, e esses não entraram naquele “descanso de Deus”. Não obstante este juízo da parte de Deus, sua vida espiritual foi preservada: lemos em Números 14:20 que eles se arrependeram e que Deus perdoou o seu pecado. Sofreram o castigo físico, mas não perderam a sua salvação espiritual.
Os hebreus a quem foi endereçado este livro, embora fossem verdadeiros crentes, começavam a manifestar as características autodestrutivas dos seus ancestrais mediante dúvidas e falta de confiança na provisão de Deus suficiente para sustenta-los através das perseguições. Davi já havia usado aquela rebelião histórica do povo para conclamar os da sua geração a continuar fiel a Deus (Salmo 95), e é isto que vemos novamente aqui. O chamado de Deus ao Seu povo não é limitado pelo tempo.
Para o crente, a expressão “.... Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações, como na provocação...” (v. 7 e 8) evidencia como aquele episódio antigo lhe serve de exemplo. Essa exortação e outras que se seguem, usam a palavra “Hoje”, significando “neste dia (ou noite) ”, ou “já”, e demanda uma resposta imediata. Quem ouve esta ordem (ou lê esta passagem) deve obedecer imediatamente à voz de Deus e não endurecer o seu coração, que é a alternativa.
Não se trata aqui da retenção da salvação com base na perseverança na fé, mas de perseverar na fé confiando em Deus. Um verdadeiro crente continua a crer mesmo se tropeçar em pecado. O leitor convertido é exortado a “entrar naquele descanso”. Os israelitas rebeldes não entraram na terra da promessa, o que seria o seu “descanso” na terra (não é símbolo do céu, pois na terra da promessa ainda haveria muitas lutas, e representa a vida de bênção do crente aqui na terra).
O israelita convertido não terá a vida de bênção se voltar ao judaísmo. Também o crente convertido sofre a tentação da incredulidade, por exemplo, de render-se ao assédio das teorias da evolução e do humanismo. Se assim fizer, será impelido à desobediência, e perderá o seu “descanso”, que são as bênçãos em sua vida aqui no mundo. Mas não perderão a sua salvação e a vida eterna: estes são dons eternos da graça de Deus.
A congregação, ou igreja, de crentes é exortada a cuidar para que nunca haja entre eles “um perverso coração de incredulidade, para se apartar do Deus vivo” (v.12). O que faz o coração "perverso" é a incredulidade. Incredulidade é o resultado prático de permitir-se um padrão de falta de confiança. Em pouco tempo, a falta de confiança, juntada a uma dose de medo irracional e cultivada com uma dose de pressão externa irá transformar o que começou como simples dúvida, em uma teimosa recusa em crer, que, por sua vez, eventualmente se manifestará em total desobediência para com Deus, um padrão altamente autodestrutivo. Isto é rotulado aqui como afastando, caindo, desertando, em uma palavra grega de onde temos a palavra “apostatando”.
O cristão de hoje deve cuidar de si mesmo, porque é responsável pela sua própria conduta: além disso, a igreja deve estar alerta para que a incredulidade não seja disseminada entre os seus membros, os irmãos. Os crentes devem exortar-se “uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum se endureça pelo engano do pecado” (v.13). Não se trata de um abandono total da fé, mas um engano em sua fé pessoal; não é rejeição de Deus, mas rebeldia contra Ele. Aqui esse processo não é rotulado como “um pecado”, mas como “o pecado”. Assim ele se assemelha ao pecado cometido pelos israelitas no deserto.
O encorajamento mútuo dos membros da igreja tem em vista combater a incredulidade. O resultado direto de criar-se um ambiente de encorajamento e exortação será uma igreja de fé que não será endurecida pela incredulidade. Para ter eficiência deve ser iniciado hoje, e sempre. Esta advertência era apropriada no antigo "hoje" de Davi, e continua assim através dos tempos. Embora nosso presente "hoje" inevitavelmente se torne em "ontem" amanhã, cada novo dia produz um novo "hoje", isto é “agora”, quando devemos responder afirmativamente ao mandado de Deus.
Mais uma vez encontramos aqui a asseveração que a perseverança dos irmãos em sua fé inicial e sua resistência ao mal provam que são participantes de Cristo (sendo a igreja o Seu corpo – Colossenses 1:24). Cada crente deve habitualmente examinar-se para garantir que suas atitudes, seu comportamento e sua fé estão suficientemente alinhados com o fato de serem participantes de Cristo.
Por fim, temos nesta passagem três perguntas e suas respostas:
Quem provocou a Deus? Foram o povo de Israel que tinha sido milagrosamente libertado da escravidão do Egito (Números 14:13, 19, 22; Salmo 95:7-11). São figura dos crentes salvos da pena do pecado, pela graça de Deus.
Contra quem Deus se indignou por quarenta anos? Foi contra os israelitas que pecaram por incredulidade, cujos cadáveres caíram no deserto (Números 14:10, 33, 43; Salmo 95:10). São figura dos crentes que perdem a confiança em Deus, e na Sua palavra.
A quem Deus jurou que seria proibida entrada no Seu descanso? Aos que foram desobedientes (Números 14:30, 33, 43; Salmo 95:11). Sua rebelião despertou a ira de Deus, trazendo sobre eles a disciplina divina. Da mesma forma os crentes que se deixam levar à incredulidade perdem as bênçãos de Deus em sua vida.
O que aconteceu com o povo de Israel naquela ocasião, serve assim de aviso para evitarmos cair na tentação de duvidar do poder de Deus em cumprir as Suas muitas promessas aos que nEle confiam.
7 Pelo que, como diz o Espírito Santo: Hoje, se ouvirdes a sua voz,
8 não endureçais os vossos corações, como na provocação, no dia da tentação no deserto,
9 onde vossos pais me tentaram, pondo-me à prova, e viram por quarenta anos as minhas obras.
10 Por isto me indignei contra essa geração, e disse: Estes sempre erram em seu coração, e não chegaram a conhecer os meus caminhos.
11 Assim jurei na minha ira: Não entrarão no meu descanso.
12 Vede, irmãos, que nunca se ache em qualquer de vós um perverso coração de incredulidade, para se apartar do Deus vivo;
:13 antes exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado;
14 porque nos temos tornado participantes de Cristo, se é que guardamos firme até o fim a nossa confiança inicial;
15 enquanto se diz: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações, como na provocação;
16 pois quais os que, tendo-a ouvido, o provocaram? Não foram, porventura, todos os que saíram do Egito por meio de Moisés?
17 E contra quem se indignou por quarenta anos? Não foi porventura contra os que pecaram, cujos corpos caíram no deserto?
18 E a quem jurou que não entrariam no seu descanso, senão aos que foram desobedientes?
19 E vemos que não puderam entrar por causa da incredulidade.
Hebreus, capítulo 3, versículos 7 a 19