Este episódio é relatado em outros dois dos Evangelhos (Marcos e Lucas), o que aponta para a sua relevância.
Enquanto o Senhor falava para o povo que O acompanhava, Maria e seus irmãos vieram para falar com Ele, mas não podiam chegar perto, por causa da multidão (Lucas 8:19). Não abriram caminho para eles, mesmo sabendo do parentesco.
O que Ele disse quando foi informado que Sua mãe e Seus irmãos estavam ali, nesta ocasião, parece consistir em desprezo aos seus familiares, mas na realidade o significado é mais profundo do que isso.
O povo de Israel é um povo especial, criado por Deus a fim de glorificar o Seu nome na terra, no meio de uma humanidade rebelde e idólatra. O nome Israel foi concedido por Deus a partir do seu patriarca Jacó e seus descendentes, significando "príncipe que peleja com Deus".
Maria era uma mulher israelita, descendente da casa real de Davi, prometida em casamento a José, que não sóera da casa real, mas também da linha real: teria direito ao trono se este não tivesse sido desfeito com o cativeiro, séculos antes.
Esta foi então a mulher escolhida por Deus, mediante quem o Filho de Deus desceu da Sua glória nos céus para as profundidades deste mundo, tomando a forma de homem entre o Seu povo: ela era Sua criatura, pois fora criada por Ele assim como todas as coisas (Colossenses 1:16).
Nascendo dela, Ele assegurou que a sua ascendência fosse bem conhecida, através da casa real de Israel, o povo que Deus mesmo preparou para Si, e, através de Abraão, até o primeiro homem, Adão (Mateus 1:1-16 e Lucas 3:23 a 37). Nenhum outro povo na terra mantém o registro de seus ancestrais tão meticulosamente até Adão como os israelitas.
Maria e os seus filhos, meio-irmãos do Senhor Jesus, junto com o resto do povo de Israel, eram quem Ele escolhera para ter afinidade na carne, para os seus divinos propósitos. Eram seus parentes, seus patrícios do lado humano, tinham o mesmo "sangue", os mesmos ancestrais. Foi certamente um grande privilégio, tanto para Maria, como para aquele povo.
Nem Maria, nem o povo, foi privilegiado por merecimento: foi inteiramente pela graça de Deus, como o anjo Gabriel declarou e Maria reconheceu humildemente (Lucas 1:30, 48-49, 54-55).
A tradição das igrejas católicas tem procurado dar relevância aos laços familiares de Maria com o Senhor Jesus ao seu relacionamento espiritual, em frontal desacordo com a bem clara declaração feita pelo Senhor Jesus aqui: "qualquer que fizer a vontade de meu Pai, que está nos céus, este é meu irmão, e irmã, e mãe".
Nessa tradição também surgiu o mito que Maria continuou sendo virgem até a morte. Este trecho desmente tal invenção, junto com vários outros textos (Salmo 69:8, Mateus 13:55, Marcos 3:31,32, 6:3, João 7:3,5, Atos 1:14, 1 Coríntios 9:5, Gálatas 1:19). Seu casamento com José foi consumado depois do nascimento de Jesus, e tiveram vários filhos e filhas.
O relacionamento do Senhor Jesus com a sua mãe e os seus irmãos era puramente humano, "segundo a carne", como parte de sua família, do povo de Israel, da humanidade. Ser o filho mais velho de José e Maria O faz herdeiro legal do trono de Davi, e lhe dá o direito de ser o rei de Israel (como Pilatos mandou escrever sobre a cruz).
Ao declarar que todo aquele que faz a vontade de Deus é a Sua família, Ele não estava renunciando à Sua família segundo a carne. Como filho mais velho, Ele continuou a cuidar do bem estar da Sua mãe. Isto foi comprovado quando, ao dar a Sua vida na cruz, Ele passou essa responsabilidade ao "discípulo a quem ele amava" - o apóstolo João, o evangelista - (João 19:26-27).
Mas o Senhor Jesus nunca deixou de ser o Filho de Deus, o Pai da Eternidade! Qualquer parentesco humano a que se submeteu durante a Sua breve estadia neste mundo é apenas circunstancial.
A sua identidade como o Messias das profecias havia sido rejeitada pelos fariseus, os religiosos e os líderes do povo. Eles agora procuravam prejudicar o Seu bom nome, alegando que expulsava demônios por Belzebu, e esperavam uma oportunidade para matá-lo.
Mesmo a sua mãe e seus irmãos também ainda não tinham a percepção da qualidade transcendental da pessoa do Senhor Jesus, e não viam além do seu lado humano, preso a laços familiares e compatrícios.
Marcos nos informa que, nesta ocasião, "quando os seus parentes ouviram isso, saíram para o prender, porque diziam: Está fora de si" fazendo coro com os escribas e fariseus. (Marcos 3:21). Os seus próprios irmãos não criam nele (João 7:5).
Até este ponto o Senhor Jesus havia limitado seu ministério às "ovelhas perdidas de Israel" a quem havia mandado seus discípulos pregar de forma exclusiva (capítulo 10:6) porque "Ovelhas perdidas foram o meu povo, os seus pastores as fizeram errar, para os montes as deixaram desviar; de monte em outeiro andaram, esqueceram-se do lugar de seu repouso" (Jeremias 50:6).
Agora o Senhor Jesus define claramente que o parentesco de ordem humana, seja a mãe, os irmãos ou irmãs que ele tinha, não tem qualquer significação no Reino de Deus.
O relacionamento mais chegado do Senhor Jesus é com o Seu Pai, que está nos céus, o próprio Deus Pai. O único "parentesco" permanente que Ele pode ter é de ordem espiritual - e é com aqueles que fazem a vontade de Deus. A estes, Ele chama de "meus irmãos" (Lucas 8:21, João 20:17).
Deixando de lado os laços sangüíneos, representado pelo parentesco segundo a carne com sua mãe e seus irmãos, o Senhor Jesus passará agora a ampliar o Seu ministério a todos aqueles que O receberem, sem distinção entre judeus e gentios. Não se dará mais exclusividade a Israel, devido à sua incredulidade e rejeição.
O relacionamento "segundo a carne" passa a ser inteiramente superado por afinidades espirituais. A obediência a Deus é agora o fator predominante e definitivo para estabelecer tais afinidades, sem outra distinção qualquer.
O mesmo se aplica a todo aquele que recebe Cristo como o seu Senhor e Salvador. Ele disse: "Se alguém vem a mim e ama o seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus irmãos e irmãs, e até sua própria vida mais do que a mim, não pode ser meu discípulo." (Lucas 14:26 - NVI). Nosso relacionamento espiritual com Cristo produz um vínculo maior do que nosso parentesco de sangue.
Tanto a Sua mãe, como pelos menos dois dos seus irmãos (Tiago e Judas) se converteram e se juntaram à Sua igreja em Jerusalém segundo depreendemos das Escrituras (p.ex. Atos 1:14). Mas o seu parentesco de sangue não é sequer mencionado pelos seus irmãos nas cartas que escreveram e que se encontram no Novo Testamento, indicando que não davam valor a isso. Ao invés disso, eles se dizem "servos de Jesus Cristo" (Tiago 1:1, Judas 1:1).
46 E, falando ele ainda à multidão, eis que estavam fora sua mãe e seus irmãos, pretendendo falar-lhe.
47 E disse-lhe alguém: Eis que estão ali fora tua mãe e teus irmãos, que querem falar-te.
48 Porém ele, respondendo, disse ao que lhe falara: Quem é minha mãe? E quem são meus irmãos?
49 E, estendendo a mão para os seus discípulos, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos;
50 porque qualquer que fizer a vontade de meu Pai, que está nos céus, este é meu irmão, e irmã, e mãe.
Mateus capítulo 12:46-50.