Na terça-feira, véspera da Páscoa, primeiro dia da Festa dos Pães Asmos, era necessário fazer os preparativos para a refeição da Páscoa do dia seguinte (que, segundo o calendário judaico, começava ao pôr do sol). Era chamada Festa dos Pães Asmos porque, durante os oito dias que durava não era permitido comer pão com fermento. O fermento na Bíblia é invariavelmente um símbolo do pecado.
O dia em que o cordeiro era morto e comido (Êxodo 12:15) era o primeiro da festa, sempre o décimo quarto dia do mês de Abibe (que fica entre março e abril) independente do dia da semana, e era chamado o “dia da preparação”. O dia seguinte era conhecido como “grande dia do sábado”, especialmente sagrado (João 19:31).
Originalmente cada família tinha o seu cordeiro e todos os membros se reuniam para a refeição em que o comiam. Se a família fosse pequena, ou alguém não tivesse família, eles se reuniam com outros. Os discípulos do Senhor estavam distantes as suas famílias, e perguntaram a Ele onde Ele queria que eles preparassem a refeição.
O relato de Mateus é simples: eles deveriam entrar na cidade (Jerusalém), procurar um certo homem e dizer-lhe que o Mestre declarou que Seu tempo estava próximo e ia celebrar a Páscoa em sua casa. Fizeram assim, e prepararam a Páscoa em sua casa.
Marcos e Lucas nos dão mais detalhes em como achariam esse homem, seguindo alguém que carregava um pote de água. Novamente o Senhor Jesus demostrou os seus atributos divinos nessa ocasião, sabendo com antecedência dessa circunstância.
Lucas nos informa que os discípulos enviados foram Pedro e João. Decerto todo esse segredo teria impedido Judas de saber onde eles estariam se reunindo, e ir contar aos sacerdotes antes do tempo.
O Senhor só foi até lá com os doze apóstolos ao anoitecer, quando era mais fácil escapar à vigilância na entrada da cidade.
Lucas e João nos fornecem mais detalhes sobre o início da refeição, como o Senhor Jesus lavou os pés dos seus discípulos para dar exemplo da humildade que deveria haver entre eles, pois, segundo Lucas, eles estavam novamente discutindo entre si quem seria o maior. (Lucas 22:14-30 e João 13:1-20).
Foi durante a refeição da Páscoa que o Senhor Jesus revelou que um dos presentes haveria de entregá-lo. Os discípulos se entristeceram muito ao saber disso, e cada um lhe perguntava “Sou eu, Senhor?”. Evidentemente haviam perdido sua autoconfiança e estavam aturdidos, sem saber o que pensar, e a pergunta, do jeito que foi feita, demandava a resposta “Não”.
O Senhor acrescentou “O que põe comigo a mão no prato, esse me há de trair.” Não foi uma maneira de identificar quem seria essa pessoa, pois os alimentos ficavam em pratos comuns, dos quais todos se serviam com as mãos sem o uso de talheres. É evidente que Judas não foi indicado, nem reconhecido pelos demais. O que Ele disse era uma afirmação que um dos que comiam com Ele estava violando os direitos de hospitalidade por traí-lo: comer em casa de outro obrigava a ser amigo dele.
As palavras seguintes, do Senhor Jesus, são a prova que Judas estava agindo voluntariamente:
O Messias iria morrer, conforme está profetizado no Velho Testamento, ou seja, o fato de estar já profetizado, deixava fora de dúvidas que iria acontecer, “pelo determinado conselho e presciência de Deus” (Atos 2:23). Era a intenção de Deus que Ele fosse sacrificado pelo pecado da humanidade, portanto ia acontecer independentemente da vontade humana.
Embora tivesse sido predeterminado nas profecias que o Salvador seria traído e iria morrer dessa forma, o crime de Judas era assim tão grande porque:
Trair o Filho de Deus é um crime seríssimo, havendo profecia a respeito ou não. É um crime contra Deus e o Senhor Jesus; da parte de Judas foi também ingratidão, cobiça e traição das mais vis.
O propósito de Deus não influiu sobre Judas - ele agiu de livre e expontânea vontade. Ele seguiu os maus desejos do seu coração.
O conhecimento prévio de alguma ação, ou de um plano existente para executá-la, não altera a sua natureza legal.
Deus, o Juiz supremo do pecado, considera que tudo o que foi feito para realizar a crucificação do Salvador, embora com o Seu conhecimento prévio, foi feito por “mãos de injustos” (Atos 2:23).
Este exemplo nos prova que os pecadores não podem se refugiar na alegação que estão apenas cumprindo os ditames dos planos de Deus para a humanidade, ou usar isso como desculpa. Os pecados trarão seu próprio castigo.
Aparentemente Judas havia ficado silencioso até aqui, mas sem dúvida estava surpreso pelo Senhor já ter conhecimento da sua tramóia. Para ter certeza, ele agora lhe fez a mesma pergunta que os outros, mas talvez significativamente chamou-o de “Mestre”, em vez de “Senhor” como os outros.
João, que se identifica como o “discípulo a quem Jesus amava”, estando ao lado do Senhor na ocasião, nos dá mais detalhes sobre o que aconteceu em seguida, e como Ele claramente identificou Judas, dando-lhe um bocado molhado. Logo, “entrou nele Satanás. Disse, pois, Jesus: O que fazes, faze-o depressa” (João 13:27). Judas saiu, mas os que estavam à mesa não entenderam o que havia se passado.
Agora sem Judas à mesa, o Senhor Jesus introduziu o que denominamos a “Ceia do Senhor”, “Partir do Pão” ou “Comunhão”.
A refeição da Páscoa era simbólica da libertação do povo de Israel do Egito. A figura principal era o cordeiro, que era sacrificado, lembrando o cordeiro que cada família sacrificou naquela ocasião e aspergiu o seu sangue para salvar da morte o seu primogênito. João Batista, o último e maior profeta, apresentou o Senhor Jesus como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Sem dúvida o cordeiro pascoal foi Seu símbolo.
A realidade estava para vir no dia seguinte, quando o Senhor Jesus daria a Sua vida na cruz. Sabedor disto, Ele introduziu agora dois novos símbolos em substituição ao cordeiro pascoal, para que os Seus discípulos lembrassem da Sua morte. É de se notar que foi costume entre os judeus dar pão e o "copo da consolação" aos que estivessem de luto (Jeremias 16:7).
O Senhor Jesus pegou o pão sem fermento que comiam, abençoou-o e o partiu, dando-o aos seus discípulos. O verbo “abençoar” freqüentemente pode ser traduzido “deu graças” e este é o sentido aqui. Era usual entre o judeus dar graças antes de uma refeição. Não foi dada alguma virtude especial ao pão. O Senhor esclareceu que o pão simbolizava o seu corpo que seria dado por nós (1 Coríntios 11:24) mediante a Sua morte. Obviamente não era literalmente o Seu corpo, que estava ali, vivo, diante deles.
Em seguida o Senhor tomou o cálice, mandou que todos bebessem dele, e declarou que (o conteúdo) era o Seu sangue da nova aliança, derramado por muitos, para remissão de pecados. Seria derramado durante a crucificação. O que estava dentro não era sangue, mas seria símbolo do sangue dele, derramado por todos aqueles que nele crêem, por isso ele disse “muitos” e não “todos”.
O Senhor Jesus informou aos seus discípulos que esta era a última vez que beberia do "fruto da videira" com eles até um certo dia, em que o beberá novo no reino do Seu Pai: o "fruto da videira", ao pé da letra, é suco de uva. É notável que Ele não disse "vinho", aliás, não existe qualquer menção de vinho nas referências feitas à Ceia do Senhor na Bíblia, apenas ao cálice, e ao "fruto da videira" aqui. Logo, o vinho é tradicional apenas.
Entende-se que é provável que nessa ocasião tenha sido vinho mesmo, comumente usado nas refeições daquele tempo com um mínimo de teor alcoólico, seja por causa de breve fermentação logo após a colheita, ou misturado com água, ou mesmo fervido para reduzir o álcool. O Senhor Jesus fala de bebê-lo "novo" novamente no reino de Deus - claramente é suco de uva.
O Senhor Jesus sabia que ia ressuscitar e que, completada a obra de redenção, o reino de Deus estava se iniciando espiritualmente. Logo após a ressurreição Ele participou de refeições com os Seus discípulos novamente, onde havia "fruto da videira" para beber, assim cumprindo a Sua promessa.
Existe uma suposição que Ele estava se referindo à Sua segunda vinda, quando se iniciará o Reino de Deus fisicamente no mundo, e que a Ceia do Senhor continuará a ser celebrada, em eterna memória da Sua obra redentora, assim como os israelitas devem celebrar a Páscoa. Por outro lado, 1 Coríntios 11:25 sugere que a Ceia do Senhor será tomada apenas durante o período da Sua ausência, o que põe em dúvida essa suposição.
Por fim, antes de sair, cantaram um hino (provavelmente tirado dos Salmos 113-118, tradicionalmente cantados nessa ocasião), e partiram para o Monte das Oliveiras.
17 E, no primeiro dia da festa dos pães ázimos, chegaram os discípulos junto de Jesus, dizendo: Onde queres que façamos os preparativos para comeres a páscoa?
18 E ele disse: Ide à cidade, a um certo homem, e dizei-lhe: O Mestre diz: O meu tempo está próximo; em tua casa celebrarei a páscoa com os meus discípulos.
19 E os discípulos fizeram como Jesus lhes ordenara, e prepararam a páscoa.
20 E, chegada a tarde, assentou-se à mesa com os doze.
21 E, comendo eles, disse: Em verdade vos digo que um de vós me há de trair.
22 E eles, entristecendo-se muito, começaram cada um a dizer-lhe: Porventura sou eu, Senhor?
23 E ele, respondendo, disse: O que põe comigo a mão no prato, esse me há de trair.
24 Em verdade o Filho do homem vai, como acerca dele está escrito, mas ai daquele homem por quem o Filho do homem é traído! Bom seria para esse homem se não houvera nascido.
25 E, respondendo Judas, o que o traía, disse: Porventura sou eu, Rabi? Ele disse: Tu o disseste.
26 E, quando comiam, Jesus tomou o pão, e abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, e disse: Tomai, comei, isto é o meu corpo.
27 E, tomando o cálice, e dando graças, deu-lho, dizendo: Bebei dele todos;
28 Porque isto é o meu sangue; o sangue do novo testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos pecados.
29 E digo-vos que, desde agora, não beberei deste fruto da vide, até aquele dia em que o beba novo convosco no reino de meu Pai.
30 E, tendo cantado o hino, saíram para o Monte das Oliveiras.
Mateus, capítulo 26, vers. 17 a 30