Jerusalém, capital da Judéia, onde estava o templo, era o centro onde os fariseus lideravam a conspiração para matar o Senhor Jesus (cap. 12:14, Marcos 3:6, Lucas 6:11). O Senhor tinha ficado na Galiléia, evitando ir à Judéia por causa dessa conspiração (João 7:1). Ele advertiria os Seus discípulos contra os saduceus também (cap. 16:6).
Os conspiradores estavam diante de uma grande dificuldade: era preciso destruir a Sua integridade, admirada pelos Seus seguidores, pois não se achava pecado nele.
Os fariseus (guardiões da tradição), e alguns dos escribas (os legalistas), vieram de Jerusalém até onde Ele estava, e puderam observar que alguns dos seus discípulos comiam pão sem primeiro lavar as mãos.
Não era questão de simples falta de higiene, mas tradicionalmente "os fariseus e todos os judeus, conservando a tradição dos antigos, não comiam sem lavar as mãos muitas vezes; e, ao voltar do mercado, se não se lavassem, não comiam. E muitas outras coisas havia que receberam para observar, como lavar os copos, e os jarros, e os vasos de metal, e as camas." (Marcos 7:3,4).
Esta era uma lei transmitida verbalmente pelos anciãos do povo, que depois veio a fazer parte do setor de "purificações" do código de leis israelitas chamado Mishna. Elas não se acham na lei de Moisés mas foram acrescentadas como um suplemento pós-bíblico.
Lavar as mãos antes de comer não era exigido pela lei de Moisés, mas os fariseus e os escribas consideravam que isto fazia parte da santidade de vida. Tornou-se um ritual obrigatório, com vários regulamentos, envolvendo lavagem não só antes, como depois, e mesmo durante as refeições. As mãos tinham que ser imersas. A água tinha que ser "pura", e os utensílios também tinham que estar cerimonialmente "limpos". Havia talhas próprias para a água usada nas purificações (João 2:6-8).
Assim, a questão levantada nesta ocasião pelos inimigos do Senhor nada tinha a ver com etiqueta ou higiene, mas era um pecado sério no seu entender.
O Senhor Jesus admitiu que os discípulos haviam transgredido as tradições. Para Ele isso não era importante. Muito mais sério era o fato que os fariseus haviam substituído a lei de Deus pela tradição dos homens. Quando elas se opunham, o que acontecia com freqüência, os fariseus transgrediam o mandamento de Deus "por causa da sua tradição".
A tradição, em si, não é boa nem má. É a simples passagem de um costume através das gerações. Mas o costume acabava se tornando tão forte quanto a lei, eventualmente firmando-se no Talmud através do Mishna.
O Senhor não podia transigir neste assunto, pois Ele ensinava a verdadeira justiça e a liberdade espiritual, não escravidão ao ritualismo e à tradição. Já os fariseus colocavam a tradição acima da lei de Deus.
Para ilustrar esse grande pecado que eles cometiam, o Senhor Jesus cita um exemplo: a lei mandava que os filhos honrassem seus pais. Isso incluía sustento financeiro. Mas a tradição permitia que essa lei fosse desobedecida, se o filho dissesse que o sustento financeiro que lhes devia segundo a lei era "corban" (Marcos 7:11), isso é, seria usado para Deus. Com essa palavra mágica ele se achava desobrigado de obedecer ao quinto mandamento.
Dessa forma os fariseus invalidavam a palavra de Deus pela sua tradição. Esta acusação feita pelo Senhor Jesus tornava insignificante qualquer discussão sobre lavar ou não as mãos antes de comer. A força moral da lei de Deus estava sendo anulada pelos caprichos e pela conduta imoral deles.
A hipocrisia caracterizava a conduta dos fariseus, honrando a Deus com os seus lábios, mas tendo seu coração longe dele, adorando a Deus inutilmente, pois ensinavam doutrinas que não passavam de preceitos dos homens. Isaías, que viveu sete séculos antes deste episódio, já havia profetizado sobre isto (Isaías 29:13).
Deixando os fariseus e escribas, o Senhor chamou a Si a multidão, e lhes disse que prestassem atenção e entendessem o seguinte: "o que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem." Ele estava fazendo uma distinção vital entre o que entra na boca, que é algo material, e o que sai da boca, que é a expressão verbal, o que se diz.
Contaminar, aqui, surge da tradução de uma palavra grega, koinos, que, entre outros, tem o significado de "impuro", ou "vulgar", no sentido cerimonial ou real. A pessoa que, no sentido religioso, era "impura" ou "vulgar" era proibida de participar nos ritos judaicos.
A contaminação, neste sentido, era muito relevante para os legalistas e fariseus. O Senhor está declarando que o que contamina o homem não é o que ele come, mas é a impureza moral revelada por aquilo que ele diz e ensina. Com a Sua autoridade, o Senhor Jesus supera as distinções levíticas entre o que é "puro" e "impuro" e deixa para trás as tradições dos anciãos.
Os fariseus, como era de esperar, se "escandalizaram" com essa declaração do Senhor Jesus. Ou seja, eles se ofenderam, eles se zangaram, eles se chocaram. Eles haviam sofrido uma repreensão pública, e lhes doeu mais ainda porque era verdade. Seu vexame era tal, que transparecia em seus rostos, e foi notado pelos discípulos.
Os caminhos de Deus são perfeitos. Ele deu aos homens através de Moisés uma lei perfeita, instrutiva, que lhes mostra o seu pecado, e aponta para a necessidade de uma expiação, primeiro por animais "puros" e sem mancha, depois por Jesus Cristo, o Salvador de quem eles são símbolo.
Mas homens maus, hipócritas, têm tentado através dos tempos substituir os caminhos de Deus, ensinados em Sua palavra, a Bíblia, por invenções deles próprios que são primeiro acrescentadas e depois invalidam o que procedeu de Deus.
O Senhor Jesus aqui diz: "Toda planta que meu Pai celestial não plantou será arrancada." Assim como na segunda vinda de Cristo o joio será separado do trigo, para ser lançado no inferno, também esses sistemas religiosos falsos estão destinados à perdição eterna.
Os fundadores e líderes dessas seitas, muitas delas ricas, poderosas e "tradicionais", são condutores cegos; ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova. A Sua ordem para nós é "deixai-os". Não nos compete lutar para corrigir o seu comportamento. Se eles conhecem o Evangelho mas o rejeitam, o seu destino já está definido.
Os discípulos não haviam entendido, ou temiam ter entendido errado, o que o Senhor Jesus havia dito sobre o que contamina o homem, e Pedro encarregou-se de lhe pedir a explicação.
A perplexidade dos discípulos não é de surpreender: vivendo numa cultura religiosa onde o ritual da lei, juntada com os ritos tradicionais, eram de importância vital, eles tinham dificuldade em compreender essa nova concepção de pureza que o Senhor Jesus lhes estava incutindo. Marcos nota que, nesta explicação, o Senhor Jesus qualifica todos os alimentos como "purificados". (Marcos 7:19).
Ainda hoje existe uma multidão de gente que sente que para agradar a Deus é suficiente passar por uma cerimônia qualquer e praticar rituais variados que purifiquem o exterior.
O Senhor Jesus pareceu se admirar que eles não haviam compreendido de pronto o que Ele havia declarado, apesar de todo o ensino que haviam recebido. Eram ainda muito imaturos.
Ele espera que também usemos nosso intelecto, ou entendimento para compreendermos o ensino que se encontra em Sua palavra. Às vezes ficamos presos a noções tradicionais e nos recusamos a dar o valor devido ao que o texto realmente está nos dizendo. Como os discípulos naquela ocasião, pensamos: "está escrito assim, mas deve haver uma interpretação diferente para que o ensino fique como o que sei que deve ser". Deus não usa de "mistérios" em Sua palavra - o Espírito Santo inspirou os seus autores a dizer o que Deus quer que saibamos - nem mais nem menos.
As palavras que são ditas procedem do coração, portanto são uma prova do caráter. "Coração" quer dizer personalidade, não só a fonte das emoções. Os maus pensamentos se revelam em palavras e ações más. Estes é que contaminam, não a comida.
1 Então, chegaram ao pé de Jesus uns escribas e fariseus de Jerusalém, dizendo:
2 Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? Pois não lavam as mãos quando comem pão.
3 Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Por que transgredis vós também o mandamento de Deus pela vossa tradição?
4 Porque Deus ordenou, dizendo: Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem maldisser ao pai ou à mãe, que morra de morte.
5 Mas vós dizeis: Qualquer que disser ao pai ou à mãe: É oferta ao Senhor o que poderias aproveitar de mim, esse não precisa honrar nem a seu pai nem a sua mãe,
6 E assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus.
7 Hipócritas, bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo:
8 Este povo honra-me com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim.
9 Mas em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens.
10 E, chamando a si a multidão, disse-lhes: Ouvi e entendei:
11 o que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem.
12 Então, acercando-se dele os seus discípulos, disseram-lhe: Sabes que os fariseus, ouvindo essas palavras, se escandalizaram?
13 Ele, porém, respondendo, disse: Toda planta que meu Pai celestial não plantou será arrancada.
14 Deixai-os; são condutores cegos; ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova.
15 E Pedro, tomando a palavra, disse-lhe: Explica-nos essa parábola.
16 Jesus, porém, disse: Até vós mesmos estais ainda sem entender?
17 Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre e é lançado fora?
18 Mas o que sai da boca procede do coração, e isso contamina o homem.
19 Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias.
20 São essas coisas que contaminam o homem; mas comer sem lavar as mãos, isso não contamina o homem.
Mateus capítulo 15, vers. 1 a 20