Após o ensino sobre humildade, solução de ofensas e perdão entre irmãos (judeus naquele tempo, e crentes agora), o Senhor continuou seu caminho em direção a Jerusalém, com os seus discípulos. Evitando passar por Samaria, Ele atravessou o rio Jordão e entrou na Judéia pela sua margem oriental.
Grandes multidões O acompanharam, e Ele as curou ali. Notemos que Ele não procurava as multidões, mas tinha compaixão dos que vinham atrás dele, e os curava: centenas ou mesmo milhares de pessoas.
Também alguns fariseus se aproximaram dele para pô-lo à prova. Como em outras ocasiões, fizeram uma pergunta capciosa, pois o assunto era controverso, e sobre ele o povo se achava muito dividido.
Um grupo se apegava às opiniões do rabino Hillel, segundo quem um homem podia se divorciar de sua esposa por qualquer motivo, ou porque contraiu uma aversão a ela. Outros eram de outra escola, a de Shammai, que mantinha a ilegalidade do divórcio, salvo em caso de adultério. Qualquer resposta do Senhor Jesus teria que contrariar uma dessas duas opiniões opostas.
O Senhor Jesus não se reportou às opiniões de qualquer partido, mas em sua resposta dirigiu-se primeiro ao fundamento divino do matrimônio, do qual obtemos o primeiro princípio: no início, Deus fez um homem e uma mulher, assim sua posteridade aprenderia que a intenção divina original era que cada homem deveria ter apenas uma mulher (e vice-versa): ver Gênesis 1:27, 2:21 a 24.
Os laços do matrimônio eram para ser tão fortes, que separariam o homem do seu pai e da sua mãe para formar uma unidade com sua mulher. É como se estivessem colados com uma cola muito forte, pois este é o sentido original da palavra traduzida para o português como "se unirá".
Os cônjuges se tornariam em "uma só carne". Isto é, os dois seriam unidos pelo matrimônio para fazer uma só pessoa, tanto legalmente como em sentimento, interesses, e afeições. Eles fariam tudo conjuntamente.
Segundo o argumento do Senhor Jesus (que foi o autor da criação), sabendo-se que desde o início Deus fez apenas um homem e uma mulher para se pertencerem um ao outro, e os dois foram unidos intimamente para se tornarem em uma pessoa, conclui-se que não podem ser separados a não ser mediante a autoridade de Deus: por exemplo, pela morte de um com a sobrevivência do outro. Ninguém, portanto, deve separar o que Deus uniu.
Um homem não tem permissão para desfazer seu casamento por um motivo qualquer. Ao declarar isto, o Senhor Jesus confirmou o entendimento da escola de Shammai, não mediante uma discussão das suas teses, mas mediante o ensino da Palavra de Deus, assim usando da Sua grande sabedoria.
Mas os fariseus não se deram por contentes: se este era o princípio determinante, porque então Moisés admitiu o divórcio, ao ordenar que o homem desse uma certidão de divórcio à mulher e a mandasse embora? Ler Deuteronômio 24:1-4.
É de se notar que quando Deus estabeleceu aquele princípio para Adão e Eva, eles eram inocentes: o pecado ainda não havia manchado a sua existência. Depois de terem desobedecido a Deus, eles foram expulsos da Sua presença, e a perfeição inicial foi maculada. Surgiu o pecado em todas suas formas: homicídio, mentira, corrupção moral, etc.
Deus deu a Sua lei através de Moisés, depois de tirar o povo da escravidão do Egito, para, entre outras coisas, instruí-lo em Seus caminhos e mostrar o pecado em que estavam envolvidos.
Embora os princípios de conduta que Deus estabeleceu sejam retos e imutáveis, Ele sabe que a humanidade é incapaz de atingir a sua perfeição. O Senhor Jesus admitiu que a lei fez uma concessão a respeito do divórcio "por causa da dureza de coração" do povo, "mas não foi assim desde o princípio".
Foi uma concessão provisória, por causa da necessidade de atender a uma situação de fato. A regulamentação, obrigando à emissão de uma carta oficial de divórcio, dava independência à mulher divorciada para que pudesse casar-se novamente. Depois disso, seu primeiro marido nunca mais poderia voltar a casar-se com ela, mesmo que o segundo marido falecesse primeiro. Era melhor do que ser mandada embora, sem poder se casar novamente.
Também era útil para evitar que o marido simplesmente expulsasse a mulher de casa, num acesso de raiva. Era preciso redigir um documento legal, provavelmente diante dum escriba, e ele teria tempo para refletir melhor, sabendo que haveria um grande risco de perder a sua mulher para sempre.
O Senhor Jesus reiterou a cláusula da Sua lei concernente ao divórcio: "… Mas eu lhes digo que todo aquele que se divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, faz que ela se torne adúltera, e quem se casar com a mulher divorciada estará cometendo adultério" (capítulo 5:31).
Esta é a lei do Seu reino, que sobrepuja a de Moisés. A lei de Moisés era indulgente, mas o princípio divino foi restabelecido para sempre no reino de Deus.
No reino de Deus, somente a imoralidade sexual da mulher permite o divórcio a partir do marido. Todo casamento posterior, quando houver divórcio sem esse motivo legítimo, é adultério.
Vivemos agora num mundo em que os homens concederam às mulheres os mesmos direitos, deveres e obrigações que eram exclusivos deles até dois séculos atrás.
Com a sua conquista, as mulheres se vêm na mesma posição que os homens também com relação ao divórcio, e, salvo melhor juízo, entendemos ser justo que o mandamento se aplique igualmente às mulheres. O cônjuge inocente, tem então o direito de divorciar o cônjuge culpado de imoralidade sexual e casar-se de novo.
Os discípulos viram os seus direitos restringidos com a nova lei, sendo obrigados a suportar uma mulher desagradável, e opinaram que, neste caso, seria melhor não casar.
O Senhor compreendeu o seu sentimento, mas comentou que nem todos podem se abster de casar. Realmente, Eva foi dada a Adão porque ele precisava de uma companheira, e os homens em geral também precisam.
Ser solteiro pode ser vantajoso em determinadas circunstâncias, em tempos de perseguição e provações, e para inteira dedicação ao trabalho do Senhor. Temos o grande exemplo de Paulo, e ele desejou que todos fossem livres como ele, para dedicar-se inteiramente ao ministério nas circunstâncias em que vivia (1 Coríntios 7:1, 7, 9, 26).
O Senhor declarou, entretanto, que alguns podiam aceitar ficar sem casar (o sentido de "eunuco" aqui é o de uma pessoa - homem ou mulher - destituído de sensualidade), mas somente aqueles a quem isso é dado:
Alguns já nascem com essa qualidade, podendo viver muito bem sem um cônjuge.
Outros eram feitos assim pela crueldade dos homens (mediante castração, para castigá-los, ou habilitá-los a servir em haréns, ou para serem cantores com voz de tenor como os "castrati" na Itália, até recentemente).
Outros ainda se fizeram assim, por abstinência voluntária, a fim de servirem melhor ao Reino dos céus.
Ele terminou, dizendo: "Quem puder aceitar isso, aceite". É uma situação que não pode ser forçada. Cada um julgue por si próprio se pode aceitar ficar solteiro por toda a vida. Se puder, então aceite esse princípio.
Enfim, o casamento é uma instituição divina, mas não é uma obrigação. Os que se casam, é "até que a morte os separe". Os que não se casam, sendo crentes, terão mais tempo para servir ao Senhor, sem encargos familiares, embora faltando-lhes alguma experiência prática em vida matrimonial.
1 E aconteceu que, concluindo Jesus estes discursos, saiu da Galiléia, e dirigiu-se aos confins da Judéia, além do Jordão;
2 E seguiram-no grandes multidões, e curou-as ali.
3 Então chegaram ao pé dele os fariseus, tentando-o, e dizendo-lhe: É lícito ao homem repudiar sua mulherpor qualquer motivo?
4 Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que aquele que os fez no princípio macho e fêmea os fez,
5 E disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne?
6 Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.
7 Disseram-lhe eles: Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio, e repudiá-la?
8 Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim.
9 Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de fornicação, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério.
10 Disseram-lhe seus discípulos: Se assim é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar.
11 Ele, porém, lhes disse: Nem todos podem receber esta palavra, mas só aqueles a quem foi concedido.
12 Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; e há eunucos que foram castrados pelos homens; e há eunucos que se castraram a si mesmos, por causa do reino dos céus. Quem pode receber isto, receba-o.
Mateus capítulo 3, vers.1 a 12