O Senhor Jesus foi levado pela guarda do templo e pelos soldados até aqueles que os haviam contratado para prendê-lo: os líderes religiosos. Cada Evangelho relata alguns dos acontecimentos do período do julgamento, nenhum tem todos, e é necessário pegar todos os relatos e colocá-los em ordem para termos uma idéia do conjunto. Para um esboço geral vamos recorrer também a Marcos 14:53- 72, Lucas 22:54- 62 e João 18:12-27.
João conta que o cortejo foi primeiro até a casa de Anás, sogro de Caifás, o sumo sacerdote naquele ano. Era alta madrugada ainda. Anás interrogou ao Senhor a respeito dos seus discípulos e do seu ensinamento, como se Ele fosse réu de um julgamento e Anás o juiz.
Anás sem dúvida queria ver se o Senhor iria lhe fornecer detalhes que permitissem acusá-lo de sedição (tendo um número de companheiros) e de blasfêmia ou heresia (no seu ensinamento).
Anás não tinha autoridade para fazer qualquer julgamento, e o Senhor simplesmente lhe disse que, se estava interessado em saber essas coisas, que ele se informasse através daqueles que tinham estado presentes nas muitas vezes que Ele tinha ensinado abertamente nas sinagogas e no templo. Ele tinha agido sempre às claras, não tinha segredos a revelar.
Um dos oficiais do templo bateu-lhe no rosto por ter falado assim com Anás, mas o Senhor serenamente e com muita lógica perguntou-lhe porque fazia isto, uma vez que havia falado a verdade. Anás então o enviou de mãos amarradas a Caifás, o sumo sacerdote.
Foram, então, à casa de Caifás, e lá já estavam ajuntados os principais sacerdotes, os mestres da lei (escribas), e os anciãos (líderes do povo). Efetivamente, todo o governo civil e religioso.
Todos queriam condenar o Senhor Jesus à morte, e procuravam testemunhas, em vão, que lhes dessem motivo para isto, pois a tentativa de Anás havia falhado.
Extraordinário esse tribunal, onde os juízes já haviam decidido condenar o réu sem ter ao menos uma acusação contra ele, e procuravam encontrar alguma prova de algum delito que justificasse a sentença de morte!
Se realmente desejassem fazer justiça, eles teriam encontrado centenas de testemunhas que haveriam de confirmar que Ele era inocente, mesmo que nunca haviam encontrado nele pecado algum. Esta foi, inclusive, a conclusão a que chegou mais tarde o governador romano Pilatos.
Algumas "testemunhas" se apresentaram contando mentiras, e foram descartadas. Eventualmente apareceram duas dizendo que Ele havia declarado que era capaz de destruir o santuário de Deus, construído por mãos de homens, e reconstruí-lo em três dias, não feito por mãos de homens.
Era uma distorção do que Ele havia dito tempos atrás: "derribai este templo, e em três dias o levantarei", mas Ele falava do templo do seu corpo (João 2:19, 21 - veja AQUI)).
Tratando-se de uma afirmação envolvendo poderes sobrenaturais, o sumo sacerdote viu aqui uma oportunidade de apanhar o Senhor, que fazia sinais sobrenaturais para provar que era o Messias. Perguntou-lhe, então, de chofre: "conjuro-te, pelo Deus vivo, que nos digas se tu és o Cristo (Messias), o Filho de Deus".
Era uma pergunta ardilosa, para apanhá-lo em qualquer circunstância:
Se Ele ficasse em silêncio, como até agora tinha estado, Ele estaria deixando de cumprir o dever de todo o judeu, segundo a lei, de dar testemunho da verdade mediante um juramento diante de Deus perante o sumo sacerdote.
Se Ele negasse que era o Cristo, Ele estaria desmentindo Seus ensinos e declarações anteriores, que poderiam ser amplamente comprovados e assim Ele seria culpado de blasfêmias anteriores.
Se Ele declarasse que era o Messias, o sumo sacerdote também o acusaria de blasfêmia, pois o sacerdote já havia decidido que não era e nunca seria persuadido a mudar de opinião.
Até esse ponto o Senhor havia permanecido em silêncio, mas ao receber esse desafio, para obedecer à lei, Ele declarou a verdade claramente: "Tu o disseste" e "Eu sou". E acrescentou que chegaria o dia em que veriam o Filho do homem assentado à direita do Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu.
A primeira parte da sua resposta Ele dirigiu ao sumo-sacerdote, mas a segunda parte foi dirigida a todos, que representavam o povo de Israel. Logo, o povo de Israel verá a segunda vinda do Senhor Jesus, o Filho do homem, ao mundo, em glória, para julgar e reinar sobre a terra, o que ainda está para acontecer (Salmo 110:1 e Daniel 7:13).
Tem gente que gosta de dizer que o Senhor Jesus nunca declarou que era Deus. Pois aqui Ele o declarou sob juramento solene: sendo o "Filho do homem" Ele era a segunda pessoa da Trindade.
Jubiloso, o sumo sacerdote rasgou as suas vestes, demonstrando profunda mágoa (que hipocrisia!) pela "blasfêmia" do Senhor, . Outra pessoa qualquer realmente estaria blasfemando se fizesse essa afirmação, mas o Senhor Jesus estava dizendo a verdade, o que o sumo sacerdote poderia averiguar perfeitamente se quisesse. Mas estava cego e assim queria ficar.
Como tanta gente, ele havia criado para si um dogma, e não dava crédito à evidência dos fatos, das provas inegáveis dadas amplamente por aquele Homem de quem Ele era realmente.
Foi impossível encontrar testemunhas, mas agora não precisavam mais, porque todos haviam testemunhado a sua clara declaração que era o Messias - e isso nenhum deles aceitava como verdade.
Mediante a pergunta do sumo-sacerdote: "que acham?" Eles todos responderam "é réu de morte!". Era noite ainda, e o julgamento tinha que ser feito pela manhã, segundo a lei. Blasfêmia trazia a pena de morte segundo a lei mosaica, mas eles não tinham autoridade para executá-la.
Em seu ódio, alguns lhe cuspiram no rosto, outros lhe deram murros, outros ainda lhe deram tapas e zombaram dele. Covardes, abusando de um prisioneiro indefeso, demonstrando seu péssimo caráter.
O Senhor Jesus naquela mesma noite havia dito que antes que o galo cantasse Pedro O negaria três vezes.
Aconteceu assim, segundo uma reconciliação dos quatro evangelhos:
Pedro havia seguido o cortejo de longe, e ia ficar fora da casa do sumo-sacerdote quando o cortejo entrou, mas outro discípulo conseguiu permissão para ele entrar (João 18:15-17). Uma criada, encarregada da porta, indagou se ele era um dos discípulos do preso. Ele o negou diante de todos (João 18:17).
Os soldados acenderam um fogo no pátio para se esquentar, e Pedro se aproximou deles. Outra criada veio e declarou que ele também estava com "Jesus, o galileu". Ele declarou que não sabia do que ela estava falando (Mateus 26:69).
Outros que estavam por ali chegaram a Pedro e disseram que certamente ele era um "deles", porque falava como galileu. Ele então começou a amaldiçoar e jurar.
Neste ponto o galo cantou. Marcos nos informa que o galo cantou também uma vez depois da primeira negação. Nada impede que houvesse outros galos, ave importada pelos romanos, pois costumam cantar próximos uns dos outros no início da alvorada.
Mas o cantar do galo (o segundo) foi ouvido por Pedro e Lucas diz que o Senhor se voltou nesse instante e olhou para Pedro. Como num relâmpago, ele se lembrou da profecia do Senhor Jesus. Chocado com o que havia feito, ele se retirou, chorando amargamente.
O Senhor Jesus havia ensinado que, quem o negasse diante dos homens, também seria negado por Ele diante do Pai (capítulo 10:33). Pedro não podia continuar ali no meio dos zombadores, e o olhar do Senhor Jesus deve ter aumentado a sua amargura.
Pedro estava desesperado - mas o Senhor havia orado especialmente por ele (Lucas 22:31f). Em João 21:15-23 descobrimos como ele foi restaurado à perfeita comunhão com o Senhor.
57 E os que prenderam a Jesus o conduziram à casa do sumo sacerdote Caifás, onde os escribas e os anciãos estavam reunidos.
58 E Pedro o seguiu de longe, até ao pátio do sumo sacerdote e, entrando, assentou-se entre os criados, para ver o fim.
59 Ora, os príncipes dos sacerdotes, e os anciãos, e todo o conselho, buscavam falso testemunho contra Jesus, para poderem dar-lhe a morte;
60 E não o achavam; apesar de se apresentarem muitas testemunhas falsas, não o achavam. Mas, por fim chegaram duas testemunhas falsas,
61 E disseram: Este disse: Eu posso derrubar o templo de Deus, e reedificá-lo em três dias.
62 E, levantando-se o sumo sacerdote, disse-lhe: Não respondes coisa alguma ao que estes depõem contra ti?
63 Jesus, porém, guardava silêncio. E, insistindo o sumo sacerdote, disse-lhe: Conjuro-te pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus.
64 Disse-lhe Jesus: Tu o disseste; digo-vos, porém, que vereis em breve o Filho do homem assentado à direita do Poder, e vindo sobre as nuvens do céu.
65 Então o sumo sacerdote rasgou as suas vestes, dizendo: Blasfemou; para que precisamos ainda de testemunhas? Eis que bem ouvistes agora a sua blasfêmia.
66 Que vos parece? E eles, respondendo, disseram: É réu de morte.
67 Então cuspiram-lhe no rosto e lhe davam punhadas, e outros o esbofeteavam,
68 Dizendo: Profetiza-nos, Cristo, quem é o que te bateu?
69 Ora, Pedro estava assentado fora, no pátio; e, aproximando-se dele uma criada, disse: Tu também estavas com Jesus, o galileu.
70 Mas ele negou diante de todos, dizendo: Não sei o que dizes.
71 E, saindo para o vestíbulo, outra criada o viu, e disse aos que ali estavam: Este também estava com Jesus, o Nazareno.
72 E ele negou outra vez com juramento: Não conheço tal homem.
73 E, daí a pouco, aproximando-se os que ali estavam, disseram a Pedro: Verdadeiramente também tu és deles, pois a tua fala te denuncia.
74 Então começou ele a praguejar e a jurar, dizendo: Não conheço esse homem. E imediatamente o galo cantou.
75 E lembrou-se Pedro das palavras de Jesus, que lhe dissera: Antes que o galo cante, três vezes me negarás. E, saindo dali, chorou amargamente.
Mateus cap. 26 versículos 57 a 75