Faltavam apenas cerca de seis meses para a última Páscoa, e o Senhor Jesus sabia que nessa ocasião Ele iria se entregar para ser morto como o Cordeiro de Deus para a propiciação do pecado do mundo. Conhecedor da hora certa no desenvolvimento do Seu programa aqui na terra, Ele agora começou a preparar os Seu discípulos para a parte final.
Os discípulos haviam acompanhado o Seu ministério, ouvindo o Seu ensinamento, presenciando os diversos milagres que fez para provar que era o Messias prometido, chegando à conclusão que Pedro resumiu: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus Vivo!" (v. 16).
Eles haviam visto as multidões que vinham para participar das bênçãos em forma de curas milagrosas e da alimentação gratuita, bem como dos ensinos edificantes e que alimentavam suas almas sedentas, que lhes dava o Senhor Jesus.
Por outro lado, eles também haviam conhecido a rejeição dos mestres da lei e dos principais líderes religiosos judeus à idéia que o seu Mestre era o Messias prometido.
Não seria de admirar se eles estivessem agora curiosos para saber como a Sua campanha, já de quase três anos, iria culminar. Estariam eles esperando que o Messias fosse oportunamente subir ao trono a que tinha direito, livrar o povo dos romanos, e dar início ao reino glorioso das profecias da antigüidade?
O Senhor Jesus começou então a explicar o que era necessário fazer agora: Ele tinha que ir até Jerusalém, onde iria sofrer muitas coisas nas mãos dos líderes religiosos, dos chefes dos sacerdotes e dos mestres da lei, depois ser morto e ressuscitar no terceiro dia.
Esta notícia deveria ser chocante para os discípulos: depois de tantas viagens e trabalho, parecia que tudo terminaria em nada - onde estava o poder, honra e glória devidos ao Mestre? E o que aconteceria com eles?
Pedro tinha grande estima pelo Senhor Jesus e era seu fiel acompanhante, e, tendo já reconhecido a Sua verdadeira identidade, decerto quis protegê-lo do sofrimento que Ele havia predito.
Pedro portanto tomou a iniciativa, chamou o Senhor à parte, e começou a repreendê-lo dizendo que, absolutamente, isso nunca haveria de acontecer. Pedro estava convencido que o Mestre tinha condições para alcançar a posição elevada que era o seu direito - estaria Ele agora desanimado de continuar a campanha e pronto a desistir de tudo?
O Senhor respondeu de uma maneira brusca. Além de Pedro, Ele estava se dirigindo ao inimigo de Deus e dos homens, Satanás. Este tem o objetivo de impedir a redenção do homem do seu pecado, e procurou naquela ocasião desviar o Senhor Jesus do seu propósito, mediante uma tentação escondida nas palavras de Pedro. Se o Messias não sofresse e morresse, tanto Pedro como nós teríamos morrido em nossos pecados.
O Senhor disse que Pedro era uma "pedra de tropeço" ao pronunciar aquelas palavras - contrastando com a "pedra de construção" da Sua igreja, como Ele disse que Pedro era quando ele proclamara: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo". Pedro assim justifica o apelido que o Senhor Jesus lhe deu: uma pedra, útil para construção mas que também pode fazer outros tropeçar. Como nós!
Pedro tinha estado a pensar nas coisas deste mundo, no bem-estar e na carreira política do seu Mestre, sem considerar as coisas mais importantes, como seria a remissão do pecado dos homens, que era a missão do Messias, o Salvador do mundo, Jesus. Mais tarde, Pedro escreveria sobre Ele "…levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas suas feridas fostes sarados."
Lemos em Marcos 8:34 que, em seguida, o Senhor Jesus chamou a multidão e novamente declarou que, se alguém quisesse acompanhá-lo, deveria negar-se a si mesmo, tomar a sua cruz, e segui-lo.
Pedro estava preocupado com o que Cristo ia fazer - enfrentar a crucificação, um gênero de execução cruel dos malfeitores e revoltosos entre os povos subjugados por Roma. Era o destino do Senhor Jesus, o Rei dos judeus. Mas, assim como todos os que desejam acompanhar o Messias, Pedro também teria que aprender a negar-se a si mesmo e tomar a sua própria cruz para seguí-lo.
Segundo nos informam, "tomar a própria cruz" já seria uma figura de linguagem naquele tempo. Como parte do seu castigo, os criminosos eram obrigados a carregar a cruz de madeira em que seriam pendurados até o local da sua cruel execução. Assim, "tomar a própria cruz" se referia à resignação aos sofrimentos deste mundo, e muitos ainda usam a expressão hoje com esse sentido.
Mas o Senhor Jesus usa a expressão com respeito ao sofrimento que advém àqueles que abandonam suas ambições neste mundo e enfrentam obstáculos, oposição e perseguições para segui-lo.
Seguir ao Senhor Jesus exige abnegação, ou seja, negação de si mesmo. O discípulo de Cristo morre, é "crucificado", com Cristo - deixa de existir para si, para este mundo, como ensinou o apóstolo Paulo em Gálatas 2:20: "Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim."
Assim como o condenado sofria ao carregar a cruz, o que o Senhor Jesus teria também que enfrentar ao cumprir a sua condenação, também os discípulos do Senhor Jesus sofrem neste mundo pela sua fé, enfrentando até a morte, muitas vezes.
Ao seguir a Cristo, o discípulo "morre" para si, e assim se explica o que o Senhor Jesus disse, a seguir: "aquele que quiser salvar a sua vida perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim achá-la-á." Quem quiser viver para seu próprio benefício no mundo e no pecado, acabará perdendo a sua vida: vai morrer, e estará perdido para sempre. Quem morrer para si e viver para Cristo terá vida eternamente, em comunhão com Deus. É o paradoxo do Evangelho.
O valor da vida eterna é inestimável - não pode ser comprada, embora muitos pensam que podem fazê-lo, por não refletirem sobre o seu valor. Ela não pode ser comprada, mas vem gratuitamente pela graça de Deus, mediante a fé na obra consumada por Jesus Cristo na cruz do Calvário. O preço foi o Seu sangue precioso.
Tudo isto deve ter deixado os discípulos surpresos, tendo dificuldade em compreender essas novidades todas. Afinal, era muito diferente das expectativas que haviam tido, e tudo era muito sobrenatural. Mesmo a ressurreição do Senhor, depois de sofrer a morte na cruz, era difícil de aceitar. De fato, conforme lemos depois, eles não acreditavam muito e ficaram imensamente surpresos quando realmente aconteceu.
Mas não ficou só nisso, o Senhor prosseguiu dizendo que Ele iria voltar um dia ao mundo, na glória do Seu Pai - Deus o Pai - com os Seus anjos para então fazer julgamento (cap. 25:31). Está implícito que, depois da ressurreição Ele iria subir ao céu.
E, como prova, Ele declarou solenemente que alguns deles não morreriam até que vissem vir o Filho do Homem no seu Reino. Marcos e Lucas dizem "até que vejam vir o Reino de Deus com poder".
Realmente, seis dias depois o Senhor Jesus levou três discípulos, Pedro, Tiago e João, até um alto monte, e ali Ele se transfigurou diante deles, "e o seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes se tornaram brancas como a luz" (cap. 17:2). Assim viram a Sua glória.
Depois da Sua ascensão, o Espírito Santo desceu sobre os discípulos em Jerusalém, sendo eles assim "batizados no Espírito Santo", dando início à Sua igreja, e o reino do Deus, com o poder do Seu Espírito, começou, convertendo-se milhares de pessoas em um só dia.
Por menos que os discípulos tenham compreendido as Suas palavras nesta ocasião, eles se lembraram delas, e grande foi o seu júbilo quando viram o cumprimento dessa profecia.
21 Desde então, começou Jesus a mostrar aos seus discípulos que convinha ir a Jerusalém, e padecer muito dos anciãos, e dos principais dos sacerdotes, e dos escribas, e ser morto, e ressuscitar ao terceiro dia.
22 E Pedro, tomando-o de parte, começou a repreendê-lo, dizendo: Senhor, tem compaixão de ti; de modo nenhum te acontecerá isso.
23 Ele, porém, voltando-se, disse a Pedro: Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas só as que são dos homens.
24 Então, disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-me;
25 porque aquele que quiser salvar a sua vida perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim achá-la-á.
26 Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma?
27 Porque o Filho do Homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos; e, então, dará a cada um segundo as suas obras.
28 Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui estão, que não provarão a morte até que vejam vir o Filho do Homem no seu Reino.
Mateus capítulo 16, vers. 21 a 28