O Senhor Jesus tinha dito aos líderes religiosos judeus que o pai deles era o diabo, porque buscavam matá-lo, e não quiseram ouvir as palavras de Deus que Ele falou. Também os desafiou a acusá-lo de algum pecado.
Eles não podiam pensar logo em qualquer coisa para opor ao seu argumento, e, tomados de raiva e fúria, recorreram a ridicularizar e a insulta-lo chamando-o de samaritano possesso por um demônio.
Eles sabiam, é claro, que Ele não era um samaritano, mas como um samaritano Ele desafiou os seus privilégios espirituais especiais (capítulo 4:9, 39). A acusação de ter um demônio também fora feita antes pelos fariseus (Mateus 12:24) e foi repetida mais tarde (capítulo 10:20).
O Senhor não tomou conhecimento da sua zombaria ao chamá-lo de samaritano, e calmamente negou ter um demônio, porque Ele honrava o Seu Pai (o que um demônio nunca faria). Mesmo assim eles ousaram insultá-lo - e assim eles insultavam o Pai (capítulo 5:23). Novamente Ele negou buscar a Sua própria glória ou preeminência (capítulo 7:16-18), mas havia Um que o fez (o Pai, versículo 54) e Ele estaria julgando entre o Senhor Jesus e estes líderes religiosos.
Eles O odiavam tanto que queriam matá-lo. No entanto Ele iria para a cruz para morrer por eles e agora lhes ofereceu vida: “Asseguro-lhes que, se alguém obedecer à minha palavra, jamais verá a morte” (versículo 51, NVI). Por “se alguém guardar a minha palavra” (Almeida) significa ouvir, lembrar-se e agir em obediência a ela. Mas na opinião dos Seus antagonistas, ele tinha agora dito uma bobagem, pois “ver a morte” é um hebraísmo que significa morrer fisicamente e Ele declarou que os Seus seguidores nunca morreriam!
Era uma expressão que estes mestres da lei deveriam ter entendido. Em terminologia bíblica “morrer” significa “separar desfazendo a comunhão”: em seu ato de desobediência, Adão e Eva “morreram”, porque se separaram da comunhão com Deus; esta é “a morte em delitos e pecados”, a separação de Deus debaixo do poder de pecado (Romanos 8:6; Efésios 2:1, 3; Colossenses 2:13); depois de “morrerem” Deus baniu Adão e Eva do jardim do Éden para que não pudessem comer do fruto da árvore de vida e viver para sempre; assim eles e todos os seus descendentes eventualmente morreriam fisicamente, ou seja, se desfariam de forma que “o pó volte para a terra como o era, e o espírito volte a Deus que o deu” (Eclesiastes 12:7).
O Senhor está evidentemente se referindo à primeira morte, que é a mais importante: a separação da comunhão com Deus. Quem O ama guarda a Sua Palavra e tem comunhão com o Seu Pai e com Ele (capítulo 14:23), e não sofrerá a “segunda morte” (Apocalipse 2:11) que é a separação perpétua de Deus e a punição dos que já estão mortos em seus pecados (Apocalipse 21:8). Ele desfrutará da vida perpétua: a comunhão com Deus para sempre!
Sem levar em conta este significado mais profundo da morte, ou talvez simplesmente entendendo mal o que o Senhor dizia, os líderes religiosos judeus assumiram que Ele estava Se referindo apenas à morte física, e declararam que estavam agora certos que ele tinha um demônio (causa da loucura, segundo acreditavam): as pessoas mais santas da história deles todos morreram (fisicamente), logo como podia Ele dizer que os Seus seguidores não morreriam? Estava Ele querendo ser até mesmo maior que o seu pai Abraão e os profetas, todos eles já mortos?
A pergunta foi feita com a intenção de colocar o Senhor em uma posição difícil; era uma armadilha, porque suspeitavam que Ele fosse culpado de blasfêmia (capítulo 5:18), fazendo-se igual a Deus. Mais tarde eles O acusariam disto (capítulo 10:33; 19:7).
Os judeus reivindicavam Deus como o seu Pai e Deus nacional (versículo 41), portanto Ele usou isso contra eles: se Ele se exaltasse a Si próprio, isto não teria importância alguma, mas era Seu Pai que eles diziam ser seu Deus, que O honrava.
Jesus então os acusou de não terem qualquer conhecimento pessoal do Pai, enquanto que Ele tinha, tanto assim que se Ele fosse agora negá-lo, Ele seria um mentiroso igual a eles. Ele já tinha declarado antes este conhecimento íntimo que tinha (capítulo 7:29).
A palavra “mentiroso”, apesar da Sua declaração anterior que eles eram “filhos do diabo, o pai da mentira” (versículo 44), veio como um súbito choque porque foi uma acusação direta. Esta palavra não é considerada cortês hoje em dia quando dirigida diretamente às pessoas em público, mas em sua primeira epístola João a usa com frequência (1 João 2:4, 22; 4:20; 5:10). Não é difícil imaginar a reação imediata de raiva destes Fariseus.
Quando Jesus disse que Abraão, o pai deles, “exultou por ver o meu dia; viu-o, e alegrou-se”, provavelmente estava se referindo à ocasião quando o Anjo do SENHOR clamou do céu a Abraão "em tua descendência serão benditas todas as nações da terra" (Gênesis 22:18). Toda a evidência sugere que o Anjo do Senhor fosse Ele próprio, assim Ele teria visto a alegria de Abraão da qual Ele testemunhava agora pessoalmente.
A notícia surpreendeu os Seus antagonistas: como poderia ter Ele sabido disto a não ser que tivesse estado com Abraão, para vê-lo se alegrando, mais de vinte séculos antes? Incredulamente eles apontaram que o Senhor não tinha ainda nem meio século de vida!
A Sua resposta foi uma declaração direta da Sua divindade: "Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, EU SOU. " Ele declarou a Sua existência eterna com as duas palavras usadas por Deus (YW, traduzidas em português como Javé, ou Jeová). Segundo Êxodo 3:14 o significado é "o Deus imutável, eterno, existente por Si mesmo”, o "Eu sou o que sou."
O significado das Sua palavras era claro aos judeus religiosos e agora era, segundo pensavam, a hora de puni-lo publicamente com apedrejamento, segundo requeria a lei para o pecado de blasfêmia (Levítico 24:16).
Mas a Sua hora ainda não havia chegado, portanto Jesus ocultou-se e saiu do templo. Três meses mais tarde os fariseus tentariam matá-lo novamente e novamente Ele escaparia das suas mãos (capítulo 10:39).
48 Responderam-lhe os judeus: Não dizemos com razão que és samaritano, e que tens demônio?
49 Jesus respondeu: Eu não tenho demônio; antes honro a meu Pai, e vós me desonrais.
50 Eu não busco a minha glória; há quem a busque, e julgue.
51 Em verdade, em verdade vos digo que, se alguém guardar a minha palavra, nunca verá a morte.
52 Disseram-lhe os judeus: Agora sabemos que tens demônios. Abraão morreu, e também os profetas; e tu dizes: Se alguém guardar a minha palavra, nunca provará a morte!
53 Porventura és tu maior do que nosso pai Abraão, que morreu? Também os profetas morreram; quem pretendes tu ser?
54 Respondeu Jesus: Se eu me glorificar a mim mesmo, a minha glória não é nada; quem me glorifica é meu Pai, do qual vós dizeis que é o vosso Deus;
55 e vós não o conheceis; mas eu o conheço; e se disser que não o conheço, serei mentiroso como vós; mas eu o conheço, e guardo a sua palavra.
56 Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia; viu-o, e alegrou-se.
57 Disseram-lhe, pois, os judeus: Ainda não tens cinquenta anos, e viste Abraão?
58 Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou.
59 Então pegaram em pedras para lhe atirarem; mas Jesus ocultou-se, e saiu do templo.
Evangelho de João, capítulo 8, versículos 48 a 59