Em Jerusalém, o pretório era o palácio de Pilatos, em cuja frente havia sido colocado um tribunal.
Era cedo, tecnicamente a quarta vigília (das 03:00 às 06:00 hrs), mas já havia amanhecido (Lucas 23:66). Encontramos detalhes nos outros Evangelhos de dois julgamentos diante do Sinédrio presididos por Caifás, um durante a noite (Mateus 26:57, 59-68; Marcos 14:53, 55-65; Lucas 22:54, 63-65) e outro ao amanhecer (Mateus 27:1; Marcos 15:1; Lucas 22:66-71).
Houve duas violações do procedimento jurídico judeu: conduzir durante a noite um julgamento por ofensa sujeita à pena de morte e passar a sentença de morte no mesmo dia do julgamento; além disso, o sinédrio não tinha mais poder para condenar alguém à morte. Um tribunal romano, no entanto, podia se reunir a qualquer momento após o nascer do sol.
Houve uma curiosa ironia no início desta narrativa: a religião, nas pessoas dos principais sacerdotes judeus e oficiais do templo, levaram o Filho de Deus para ser julgado pelo poder constituído em Jerusalém, no pretório. Ele, o Senhor Jesus, tinha todo o direito de ser o juiz de todos, mas desta vez Ele não viera para julgar, mas para salvar o mundo (capítulo 8:15; 12:47). Desde então Ele foi nomeado juiz dos mortos e dos vivos por Deus (Atos 10:42).
Os líderes religiosos piedosamente não entraram no pretório para não se contaminarem, e assim poder comer a páscoa (a refeição da páscoa e a festa de sete dias que se seguia), no entanto não achavam nenhum mal em se esforçar por matar este homem inocente antes do sábado da páscoa.
Tenham eles percebido ou não, o preso era Quem viera para cumprir a Páscoa, o Cordeiro de Deus que iria dar a vida sobre a Cruz pelos pecados dos homens.
Pôncio Pilatos viu-se confrontando um preso sem saber do que era acusado. Como os judeus não entravam, ele teve que sair para falar com eles, aparentemente numa galeria existente sobre o pavimento em frente do palácio (capítulo 19:13), e pedir que lhes informasse qual era a acusação formal legal que apresentavam contra Ele.
Os judeus lhe deram a resposta insolente que não O teriam entregue a ele, se não fosse malfeitor. Pilatos sabia que os principais dos sacerdotes O haviam entregue por causa de inveja (Mateus 27:18, Marcos 15:10), e deve ter sentido que estava sendo usado por eles, e não gostou. Então astutamente mandou que O julgassem eles mesmos de acordo com a sua lei (evidentemente não tinham comunicado nada sobre os seus julgamentos anteriores em que o haviam condenado injustamente por blasfêmia, que não era crime para os romanos – Mateus 26:65-66).
Eles prontamente admitiram que não procuravam um julgamento justo e formal, mas simplesmente a autorização oficial de Pilatos, na função de governador romano, para matar o prisioneiro (ver capítulo 7:1, 25). Tinham que reconhecer que precisavam dela, embora tivessem se jatanciado arrogantemente em outra ocasião que: "Somos descendentes de Abraão, e nunca fomos escravos de ninguém" (capítulo 8:33).
Agora cumpriram o que Jesus tinha profetizado meses antes: que os principais sacerdotes e os escribas O condenariam à morte e O entregariam aos gentios, e que Ele seria crucificado (Mateus 20:18,19, João 3:14, 12:32). Além disso, o único povo naquele tempo que executava a pena de morte por crucificação era o romano, e o Salmo 22 prevê a Sua crucificação com transpassamento das mãos e dos pés e a agonia do penduramento sobre uma cruz. Se os judeus O tivessem executado segundo a sua lei, Ele teria sido apedrejado em vez de crucificado (capítulo 10:31,33).
Para dar a Pilatos uma desculpa para aprovar a sentença de morte, eles fizeram algumas acusações sérias mas falsas: “Achamos este homem pervertendo a nossa nação, proibindo dar o tributo a César, e dizendo ser ele mesmo Cristo, rei” (Lucas 23:2). Pilatos foi obrigado a indagar do Senhor com respeito à acusação que Ele reivindicava ser um rei, por isso entrou novamente no palácio e o convocou à sua presença.
Esta era a acusação vital do ponto de vista romano. É verdade que Ele concordava ser o legítimo rei de Israel como Natanael havia dito (João 1:49) e como a multidão extática O saudara em Sua entrada em Jerusalém quatro dias antes. O sinédrio queria que Pilatos entendesse isso num sentido político, não espiritual, tornando O em um rival ao poderio de César (alguns do povo quiseram exatamente isso - capítulo 6:15) como os fariseus pensavam que o Messias haveria de ser.
Pilatos então fez a pergunta diretamente ao Preso: "És tu o Rei dos Judeus?" O Senhor altivamente interpôs outra pergunta ao governador romano: “Dizes isso de ti mesmo, ou foram outros que to disseram de mim?”
Pilatos, constrangido, evitou dar uma resposta direta e sugeriu que se tratava de coisa dos judeus, e admitiu a verdade que a nação dos judeus O havia entregue em suas mãos. Pilatos parecia ter ficado embasbacado. Não conseguia acreditar que houvesse alguém reivindicando ser o rei dos judeus e que tivessem a audácia de trazer um homem acusando-o disso diante dele.
Ele estava dentro do tribunal, só com o prisioneiro; os judeus esperando fora por causa de seus escrúpulos para não se contaminarem. Pilatos estaria contente se o prisioneiro se incriminasse de alguma forma, para que pudesse ser julgado e condenado segundo a lei romana. Portanto perguntou a Jesus o que Ele havia feito (para motivá-los a trazê-lo ali).
O Senhor dignou-se a explicar a Pilatos, "o meu reino não é deste mundo." O que significa que o Seu Reino não iria ser deste sistema mundial, uma estrutura de poder construída sobre a política, imposta mediante medidas mundanas, guerra, tumulto, ódio e amargura. O próprio Pilatos era um político desonesto, que havia comprado o seu posto e era um fantoche de Roma. Ele odiava os judeus, mas receava ofendê-los porque se houvesse tumultos ele poderia perder o seu cargo.
O Senhor acrescentou "... se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos...”: Ele não constituía qualquer ameaça para o domínio de Roma. Não disse que Seu Reino não seria desta terra um dia, “mas agora o meu reino não é daqui.” Quando chegar a hora, Ele irá governar como Rei dos reis e Senhor dos senhores e ". . . a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar." (Isaías 11:9).
Também a igreja não pode construir o Seu Reino, pois a Bíblia ensina claramente que na atualidade Cristo está tomar para Si um povo para o seu Nome (ver Atos 15:14). Eles são a “ekklesia” ou “os chamados para fora”, a igreja. São chamados para fora do mundo, para viver no mundo mas sem pertencer ao mundo. Virá o tempo quando o Senhor vai retirar a igreja do mundo completamente, para ser unida com os mortos ressuscitados da igreja no céu. Mais tarde, quando Cristo vier com seus santos, a igreja, Ele vai estabelecer o seu Reino na terra.
Pilatos estava agora definitivamente perplexo, por isso pediu novamente a este preso que declarasse se de fato era rei: quem sabe poderia apanhá-lo de alguma forma. Recebeu uma resposta muito positiva, mas obviamente este rei não representava qualquer ameaça política: Ele viera para testemunhar da verdade, e quem fosse da verdade ouviria a Sua voz. Estava ficando muito profundo para gente como Pilatos, então ele lançou a pergunta: “O que é a verdade?" e, sem esperar uma resposta, saiu novamente para dirigir-se aos judeus, a quem declarou: “Não acho nele crime algum”.
Neste ponto os outros evangelhos acrescentam que os principais sacerdotes O acusaram de muitas coisas e se tornaram mais ferozes, dizendo, "Ele alvoroça o povo ensinando por toda a Judeia, começando desde a Galileia até aqui”. O Senhor manteve completo silêncio quando estas acusações foram feitas, o que muito surpreendeu Pilatos.
Tendo descoberto que Ele viera da Galileia, Pilatos O enviou a Herodes que tinha jurisdição sobre a Galileia; mas o Senhor também não disse uma palavra sequer a Herodes, que acabou por mandá-lo de volta a Pilatos (Mateus 27:12-14, Marca 15:3-5, Lucas 23:5-12). Durante este intervalo Pilatos recebeu um recado da sua mulher para adverti-lo a não se envolver na questão daquele justo, porque havia sofrido muito em sonho naquele dia por causa dele (Mateus 27:19).
Legalmente Pilatos estava agora obrigado a libertar aquele preso em quem não achara crime algum. Pilatos havia se impressionado com a Sua calma, dignidade e sabedoria. Também estava temeroso por causa da advertência da sua mulher.
28 Depois conduziram Jesus da presença de Caifás para o pretório; era de manhã cedo; e eles não entraram no pretório, para não se contaminarem, mas poderem comer a páscoa.
29 Então Pilatos saiu a ter com eles, e perguntou: Que acusação trazeis contra este homem?
30 Responderam-lhe: Se ele não fosse malfeitor, não to entregaríamos.
31 Disse-lhes, então, Pilatos: Tomai-o vós, e julgai-o segundo a vossa lei. Disseram-lhe os judeus: A nós não nos é lícito tirar a vida a ninguém.
32 Isso foi para que se cumprisse a palavra que dissera Jesus, significando de que morte havia de morrer.
33 Pilatos, pois, tornou a entrar no pretório, chamou a Jesus e perguntou-lhe: És tu o rei dos judeus?
34 Respondeu Jesus: Dizes isso de ti mesmo, ou foram outros que to disseram de mim?
35 Replicou Pilatos: Porventura sou eu judeu? O teu povo e os principais sacerdotes entregaram-te a mim; que fizeste?
36 Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; entretanto o meu reino não é daqui.
37 Perguntou-lhe, pois, Pilatos: Logo tu és rei? Respondeu Jesus: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.
38 Perguntou-lhe Pilatos: Que é a verdade? E dito isto, de novo saiu a ter com os judeus, e disse-lhes: Não acho nele crime algum.
Evangelho de João, capítulo 18, versículos 28 a 38