No fim do capítulo 25 lemos que o governador Festo, o rei Agripa II, sua irmã Berenice, os chefes militares e os homens principais da capital Cesareia, entraram com muito aparato no auditório da cidade e, depois de acomodados, Festo mandou que trouxessem Paulo.
Festo fez uma introdução informando que Paulo estava ali porque toda a multidão dos judeus havia recorrido a ele clamando pela sua morte (um exagero). Não havia encontrado culpa nele, mas como apelara para César, iria enviá-lo. Esperava que depois deste interrogatório tivesse algo que escrever, pois não era razoável mandar um preso para julgamento sem notificação das acusações feitas contra ele.
Agripa tomou a presidência da sessão e deu a palavra a Paulo, para que fizesse a sua própria defesa. Na falta de acusações específicas, a defesa só poderia ser contra o clamor dos judeus de maneira geral pedindo pela sua morte.
Paulo estendeu a sua mão, não para pedir silêncio, mas era um gesto dramático de oratória, fazendo jus ao ambiente solene em que se encontrava. Em sua mão estavam as cadeias de prisioneiro, às quais se refere no fim do seu discurso.
Este foi o discurso de defesa mais comprido de Paulo que encontramos na Bíblia. Não há nele qualquer palavra de censura contra os seus inimigos, nem manifesta qualquer ressentimento. Mas Paulo usou essa grande oportunidade para dar seu testemunho de Jesus Cristo a este auditório ilustre, mesmo perante os reis (cap. 9:15), semelhante ao que havia dado aos judeus em Jerusalém, nos degraus da fortaleza (capítulo 22).
Como o orador Tértulo (Atos 24:2) Paulo iniciou seu discurso com palavras agradáveis ao rei, manifestando sua satisfação em poder pessoalmente defender-se das acusações dos judeus perante ele, pois era versado nos costumes e questões dos judeus, e solicitou a sua paciência para ouvir o que tinha para dizer. Tudo verdade, sem adulação.
Paulo iniciou a sua apologia declarando como fora a sua instrução religiosa: desde a sua mocidade fora fariseu, em convicções e na prática, sendo essa a seita mais severa dos judeus. Todos os judeus o conheciam desde o princípio, sabiam que o que dizia era a verdade e poderiam dar testemunho disso se quisessem.
O crime de que o acusavam, continuou, era simplesmente o de ter confiado na promessa feita por Deus aos seus ancestrais do Velho Testamento, e de alcançar o seu cumprimento, que tinha sido a esperança fervorosa de todas as doze tribos de Israel ao servir a Deus noite e dia.
(O que disse sobre as doze tribos presentes no seu tempo dá fim à teoria de alguns que as dez tribos de Israel levadas ao cativeiro pelos assírios desapareceram.)
Os judeus (e o rei) entenderiam que, dos vários pactos que Deus fez com os patriarcas Abraão, Isaque, Jacó e também os reis Davi e Salomão, destacava-se a promessa do envio do Messias, para livramento da nação de Israel, bênção para todos os povos, e a introdução de um reino eterno.
Os patriarcas morreram sem ver o seu cumprimento, mas Deus sempre cumpre as Suas promessas, logo terão que ressuscitar um dia para estar presentes e usufruir delas. Os fariseus assim entendiam, mas os saduceus, entre os quais estavam a maioria dos sacerdotes e do sinédrio, negavam que fosse possível. Estes eram os inimigos de Paulo, e assim se explicava o seu ódio a Paulo.
Paulo então perguntou: “por que é que se julga entre vós incrível que Deus ressuscite os mortos?” Em sua retórica, Paulo estava preparando toda a audiência (vós) para o fato da ressurreição de Jesus Cristo, que é o fundamento do Evangelho.
Voltando à sua experiência pessoal, Paulo confessou que havia julgado que tinha o dever de combater o nome de “Jesus, o nazareno”, o que o motivou a executar uma campanha selvagem e persistente contra os Seus discípulos, com a autorização dos principais sacerdotes. Havia encerrado muitos dos “santos” (notem o uso dessa palavra aqui) em prisões em Jerusalém, votando contra eles (no sinédrio?) quando os matavam (assim aconteceu com o diácono Estêvão – capítulo 7:60).
(É de se notar aqui que para uma pessoa pertencer ao sinédrio era necessário que fosse casado. Paulo, então, teria sido viúvo e não solteirão quando escreveu 1 Coríntios 7:7).
Quando Paulo disse “obrigando-os a blasfemar”, entende-se que este era o seu propósito, não necessariamente conseguindo o seu objetivo. Paulo perseguia os santos até nas cidades estrangeiras, e foi nesta atividade que foi para Damasco, como relatou em seguida.
Este relato do que ouviu do Senhor tem mais detalhes do que os encontrados nos capítulos 9 e 22 deste livro, e parece ter incluído o que o Senhor lhe disse através de Ananias mais tarde.
Segundo os historiadores a frase “dura coisa te é recalcitrar contra os aguilhões” era um ditado comum em latim e grego, e a ideia é a de um boi indócil que dá coices no aguilhão de ferro do lavrador. Paulo tinha resistido à voz da sua consciência, ou mesmo do Espírito Santo, e pelejado contra Deus.
Paulo perguntara “Quem és Tu, Senhor?” e recebera a resposta “Eu sou Jesus, a Quem tu persegues” seguida da ordem para levantar-se e de um resumo da missão que lhe cabia.
Encontramos nessa missão, em linhas gerais, o que vem a ser um cristão, ou seja:
a) quem tem seus olhos abertos – descobriu que Deus existe, e através da Bíblia veio a conhecer a Sua revelação em Jesus Cristo.
b) quem saiu das trevas para a luz – depois de ver que o caminho em que se encontrava o levava para a condenação pelos seus pecados e eterna perdição, voltou para trás e tomou outro Caminho, que é a Verdade e a Vida.
c) quem deixou o poder de Satanás, para se submeter ao poder de Deus – nasceu de novo e recebeu um espírito novo bem como o poder do Espírito Santo para vencer o mal.
d) aquele cujos pecados foram remidos - mediante a sua fé na obra redentora de Cristo: na cruz Ele levou sobre Si o castigo pela culpa dos pecados dos que n’Ele confiam.
e) tem uma herança no céu – como filho de Deus tem uma herança d’Ele, que é o dono do universo. Vai receber glória: “As coisas que olhos não viram, nem ouvidos ouviram, nem penetraram o coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam.” (1 Coríntios 2:9).
f) ele foi santificado – mediante a sua fé em Cristo, ele foi separado para fazer parte do povo de Deus, e para viver para Deus (Romanos 14:9).
Paulo então declarou que não foi desobediente à visão celestial, mas que logo proclamou o que havia pessoalmente visto e ouvido, a partir de “Damasco, e depois em Jerusalém, e por toda a terra da Judeia e também aos gentios, que se arrependessem e se convertessem a Deus, praticando obras dignas de arrependimento.”
Esclareceu, por fim, que era por causa disto que os judeus o prenderam no templo e procuravam matá-lo. Deus o socorreu, e depois disto ele continuou a dar o seu testemunho a todos, e nada acrescentando ao que já havia sido previsto pelos profetas e Moisés, ou seja, que o Messias devia sofrer e ser o primeiro que, ressuscitando dos mortos, devia anunciar a luz aos judeus e aos gentios (essas eram as duas coisas que provocavam o ódio dos judeus: a ressurreição e a pregação de salvação aos gentios).
A reação de Festo foi a incredulidade, dizendo em voz alta a Paulo que ele estava louco, delirando “por causa das muitas letras” – decerto referindo-se às Escrituras onde se encontravam as profecias.
Paulo negou que estivesse delirando e apelou para Agripa, que as conhecia, perguntando se cria nelas. Agripa se viu numa situação difícil, pois se dissesse que sim, ele teria que aceitar tudo que Paulo dizia, e se dissesse que não, perderia autoridade na sua posição sobre o templo. Saiu-se com a exclamação que, por pouco, Paulo o persuadia a fazer-se cristão.
Todos os presentes concordaram que Paulo nada fizera para merecer morte ou prisão, e Agripa disse a Festo que poderia ser solto se não tivesse apelado para César.
1 Depois Agripa disse a Paulo: É-te permitido fazer a tua defesa. Então Paulo, estendendo a mão, começou a sua defesa:
2 Sinto-me feliz, ó rei Agripa, em poder defender-me hoje perante ti de todas as coisas de que sou acusado pelos judeus;
3 mormente porque és versado em todos os costumes e questões que há entre os judeus; pelo que te rogo que me ouças com paciência.
4 A minha vida, pois, desde a mocidade, o que tem sido sempre entre o meu povo e em Jerusalém, sabem-na todos os judeus,
5 pois me conhecem desde o princípio e, se quiserem, podem dar testemunho de que, conforme a mais severa seita da nossa religião, vivi fariseu.
6 E agora estou aqui para ser julgado por causa da esperança da promessa feita por Deus a nossos pais,
7 a qual as nossas doze tribos, servindo a Deus fervorosamente noite e dia, esperam alcançar; é por causa desta esperança, ó rei, que eu sou acusado pelos judeus.
8 Por que é que se julga entre vós incrível que Deus ressuscite os mortos?
9 Eu, na verdade, cuidara que devia praticar muitas coisas contra o nome de Jesus, o nazareno;
10 o que, com efeito, fiz em Jerusalém. Pois havendo recebido autoridade dos principais dos sacerdotes, não somente encerrei muitos dos santos em prisões, como também dei o meu voto contra eles quando os matavam.
11 E, castigando-os muitas vezes por todas as sinagogas, obrigava-os a blasfemar; e enfurecido cada vez mais contra eles, perseguia-os até nas cidades estrangeiras.
12 Indo com este encargo a Damasco, munido de poder e comissão dos principais sacerdotes,
13 ao meio-dia, ó rei vi no caminho uma luz do céu, que excedia o esplendor do sol, resplandecendo em torno de mim e dos que iam comigo.
14 E, caindo nós todos por terra, ouvi uma voz que me dizia em língua hebráica: Saulo, Saulo, por que me persegues? Dura coisa te é recalcitrar contra os aguilhões.
Act 26:15 Disse eu: Quem és, Senhor? Respondeu o Senhor: Eu sou Jesus, a quem tu persegues;
16 mas levanta-te e põe-te em pé; pois para isto te apareci, para te fazer ministro e testemunha tanto das coisas em que me tens visto como daquelas em que te hei de aparecer;
17 livrando-te deste povo e dos gentios, aos quais te envio,
18 para lhes abrir os olhos a fim de que se convertam das trevas à luz, e do poder de Satanás a Deus, para que recebam remissão de pecados e herança entre aqueles que são santificados pela fé em mim.
19 Pelo que, ó rei Agripa, não fui desobediente à visão celestial,
20 antes anunciei primeiramente aos que estão em Damasco, e depois em Jerusalém, e por toda a terra da Judéia e também aos gentios, que se arrependessem e se convertessem a Deus, praticando obras dignas de arrependimento.
21 Por causa disto os judeus me prenderam no templo e procuravam matar-me.
22 Tendo, pois, alcançado socorro da parte de Deus, ainda até o dia de hoje permaneço, dando testemunho tanto a pequenos como a grandes, não dizendo nada senão o que os profetas e Moisés disseram que devia acontecer;
23 isto é, como o Cristo devia padecer, e como seria ele o primeiro que, pela ressurreiçao dos mortos, devia anunciar a luz a este povo e também aos gentios.
24 Fazendo ele deste modo a sua defesa, disse Festo em alta voz: Estás louco, Paulo; as muitas letras te fazem delirar.
25 Mas Paulo disse: Não deliro, ó excelentíssimo Festo, antes digo palavras de verdade e de perfeito juízo.
26 Porque o rei, diante de quem falo com liberdade, sabe destas coisas, pois não creio que nada disto lhe é oculto; porque isto não se fez em qualquer canto.
27 Crês tu nos profetas, ó rei Agripa? Sei que crês.
28 Disse Agripa a Paulo: Por pouco me persuades a fazer-me cristão.
29 Respondeu Paulo: Prouvera a Deus que, ou por pouco ou por muito, não somente tu, mas também todos quantos hoje me ouvem, se tornassem tais qual eu sou, menos estas cadeias.
30 E levantou-se o rei, e o governador, e Berenice, e os que com eles estavam sentados,
31 e retirando-se falavam uns com os outros, dizendo: Este homem não fez nada digno de morte ou prisão.
32 Então Agripa disse a Festo: Este homem bem podia ser solto, se não tivesse apelado para César.
Atos capítulo 26