O capítulo anterior nos deixa Paulo na praia de uma ilha, em consequência do naufrágio do navio que o levava a caminho de Roma, sob a guarda de um centurião chamado Júlio e seus soldados, junto com outros presos, e acompanhado por Lucas e Aristarco.
A princípio não sabiam onde estavam, tendo passado mais de duas semanas sem ver céu, mar ou terra por causa de uma violenta tempestade. Agora vieram a saber que a ilha onde estavam era Malta, que fica ao sul da Sicília, no sul da Itália. Embora completamente desnorteados, a tempestade os impelira na rota certa para o seu destino.
Eram um grupo grande – 276 pessoas ao todo – tinham nadado até a praia, estava chovendo e fazia frio. Foram, no entanto, recebidos com o que Lucas chama de “extraordinária bondade” pelos malteses, que fizeram uma fogueira e receberam bem a todos. Lucas chama os malteses de “bárbaros”, nome que os gregos davam aos povos que não falavam grego (Romanos 1:14) mas não tinha o sentido pejorativo que tem hoje.
Paulo ajudava a colher gravetos, e tendo feito um monte deles foi colocá-lo no fogo quando uma víbora fugindo ao fogo prendeu-se em sua mão, picando-a.
Os malteses podiam ver que Paulo era um prisioneiro, e vendo a serpente pendurada em sua mão deduziram que seria um assassino que, tendo escapado à morte no naufrágio, a Justiça não lhe permitia viver. Paulo apenas sacudiu e soltou a serpente sobre o fogo, nada sofrendo, mas eles continuaram por algum tempo na expectativa que ele inchasse e viesse a morrer.
Quando evidenciaram que ele escapara imune, mudaram de opinião e diziam que era um deus! Foi um exemplo da inconstância e volubilidade de muita gente, cujas opiniões não têm base alguma mas são resultado de ignorância, superstição e fé em falsidades.
Públio é um nome próprio grego, e este homem levava o título de Homem Principal da ilha. Tinha uma propriedade perto dali, e demonstrou ser muito hospitaleiro convidando Paulo, Lucas e Aristarco, e possivelmente outros, a ficarem em sua casa, onde os recebeu e hospedou provisoriamente por três dias quando então puderam se transferir para acomodações mais convenientes para sua longa invernada.
O pai de Públio estava doente, e Paulo foi visitá-lo, orou e impôs suas mãos sobre ele, e foi curado. A notícia se espalhou, e os demais enfermos da ilha também vieram a ele e foram curados.
Nada se diz sobre o testemunho do Evangelho por Paulo e os seus companheiros, mas é mais que provável que não perderam a oportunidade para negar que Paulo fosse um Deus e atribuir as curas ao verdadeiro Deus que serviam, e apresentar-lhes a pessoa do Salvador Jesus Cristo.
Os doentes que foram curados manifestaram seu agradecimento tratando-os bem durante os três meses que ficaram na ilha e lhes forneceram os suprimentos para a viagem que se seguiu, continuando a viagem a Roma.
Seguiram viagem num navio de Alexandria que também tinha ficado na ilha durante o inverno: estavam novamente a bordo de um navio carregando cereais da Alexandria destinados a Roma. Lucas nos informa que tinha por insígnia Castor e Pólux. Estes eram os lendários filhos do deus Zeus, e eram os deuses patronos dos marinheiros. Suas imagens eram pintadas, uma em cada lado da proa.
Navegaram os 120 quilômetros até Siracusa, capital da Sicília, sem incidentes de nota e ali permaneceram por três dias. Continuando viagem, pararam por um dia em Régio, e, aproveitando o vento favorável seguiram até Potéoli, principal porto de Roma, no litoral norte da baía de Nápoles, a cerca de trezentos quilômetros de distância.
Ali encontraram irmãos cristãos. A seu convite tiveram oportunidade de passar uma semana com eles, antes de continuar a sua viagem de duzentos e cinquenta quilômetros por terra até Roma, numa das grandes estradas construídas pelos romanos através da Europa.
Roma era a cidade mais famosa daquela parte do mundo no tempo de Cristo e até muitos séculos depois. Entende-se que foi fundada em 753 a.C., e quando o Novo Testamento foi escrito havia enriquecido com as conquistas dos seus fortes exércitos, tinha uma população calculada em 1.200.000 habitantes, dos quais a metade eram escravos e tinha representantes de quase todas as nações então conhecidas. Ela se distinguia pela sua riqueza, luxo, violência e libertinagem.
Em Roma cedo surgiram algumas igrejas cristãs, resultantes de crentes que levaram a mensagem do Evangelho para lá, não se sabendo quem foram os pioneiros. Essas igrejas se reuniam em casas particulares. Em sua última viagem a Jerusalém, Paulo lhes havia escrito uma carta manifestando seu desejo de visitá-los logo depois de ter entregue a oferta que levava aos crentes de Jerusalém. Sua intenção era de ir até a Espanha, passando por Roma. Essa carta foi incorporada como parte da Bíblia e nós a conhecemos como a carta aos Romanos.
Na carta Paulo começou por exaltar a fé que tinham, e que estava sendo anunciada “em todo o mundo”, e revelou os seus planos de visitá-los (Romanos 1:8 a 14). Já conhecia muitos por nome, inclusive alguns dos seus parentes se contavam entre eles: Andrônico, Júnias e Herodião. O casal Priscila e Áquila, que conhecemos do capítulo 18 de Atos, encabeçam uma lista de pessoas a quem mandava saudações e recomendações especiais, ali incluindo vários outros que haviam ajudado Paulo em outros lugares (Romanos 16:3-15).
Não é de surpreender, portanto, que já sabiam da sua viagem, pois teriam recebido notícias dele ou a respeito dele durante as suas paradas. Os irmãos de Roma, muito entusiasmados, saíram em dois grupos para encontrá-lo na estrada de Potéoli. Um grupo percorreu sessenta e cinco quilômetros até a praça de Ápio. Outro grupo seguiu até Três Vendas, a cinquenta quilômetros de distância. Vendo-os, Paulo deu graças a Deus e sentiu-se encorajado.
Embora a viagem fosse muito diferente daquela que tanto almejara, era o propósito de Deus que Paulo chegasse a Roma e tivesse a oportunidade de anunciar o Evangelho aos homens mais importantes e influentes do mundo daquele tempo. E para esse fim ele teria que ir como prisioneiro.
Quando chegaram a Roma, Paulo continuou a ser tratado de forma especial e recebeu permissão para morar por conta própria sob a custódia de um soldado. Tal foi a graça de Deus para com ele.
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Act 28:1 Estando já salvos, soubemos então que a ilha se chamava Malta.
2 Os indígenas usaram conosco de não pouca humanidade; pois acenderam uma fogueira e nos recolheram a todos por causa da chuva que caía, e por causa do frio.
3 Ora havendo Paulo ajuntado e posto sobre o fogo um feixe de gravetos, uma víbora, fugindo do calor, apegou-se-lhe à mão.
4 Quando os indígenas viram o réptil pendente da mão dele, diziam uns aos outros: Certamente este homem é homicida, pois, embora salvo do mar, a Justiça não o deixa viver.
5 Mas ele, sacudindo o réptil no fogo, não sofreu mal nenhum.
6 Eles, porém, esperavam que Paulo viesse a inchar ou a cair morto de repente; mas tendo esperado muito tempo e vendo que nada de anormal lhe sucedia, mudaram de parecer e diziam que era um deus.
7 Ora, nos arredores daquele lugar havia umas terras que pertenciam ao homem principal da ilha, por nome Públio, o qual nos recebeu e hospedou bondosamente por três dias.
8 Aconteceu estar de cama, enfermo de febre e disenteria, o pai de Públio; Paulo foi visitá-lo, e havendo orado, impôs-lhe as mãos, e o curou.
9 Feito isto, vinham também os demais enfermos da ilha, e eram curados;
10 e estes nos distinguiram com muitas honras; e, ao embarcarmos, puseram a bordo as coisas que nos eram necessárias.
11 Passados três meses, partimos em um navio de Alexandria que invernara na ilha, o qual tinha por insígnia Castor e Pólux.
12 E chegando a Siracusa, ficamos ali três dias;
13 donde, costeando, viemos a Régio; e, soprando no dia seguinte o vento sul, chegamos em dois dias a Putéoli,
14 onde, achando alguns irmãos, fomos convidados a ficar com eles sete dias; e depois nos dirigimos a Roma.
15 Ora, os irmãos da lá, havendo recebido notícias nossas, vieram ao nosso encontro até a praça de Ápio e às Três Vendas, e Paulo, quando os viu, deu graças a Deus e cobrou ânimo.
16 Quando chegamos a Roma, [o centurião entregou os presos ao general do exército, mas,] a Paulo se lhe permitiu morar à parte, com o soldado que o guardava.
Atos capítulo 28, versículos 1 a 16