Já passados mais de três anos desde o início da igreja em Jerusalém, e a grande perseguição que veio a seguir nessa cidade, os discípulos, com exceção dos apóstolos, haviam se espalhado pelas regiões da Judéia e de Samaria (cap. 8:1).
A igreja agora passava um período de paz em toda a Judéia, Galiléia e Samaria, que eram as províncias em que a administração romana havia dividido a terra do povo de Israel. Os discípulos haviam sido encorajados pelo Espírito Santo, anunciavam o Evangelho e a igreja crescia em número, vivendo no temor do Senhor.
Pedro viajava por toda a parte, e foi visitar os santos que viviam em Lida. É a terceira vez que a palavra “santos” é usada em Atos: na primeira vez foi para os profetas de Deus (3:21), na segunda para os membros da igreja de Jerusalém (3:13), e desta vez, bem como nas muitas outras vezes em que é usada no Novo Testamento, a palavra se refere a todos os que foram santificados pela sua fé em Cristo. Implica a realidade da sua conversão.
Lida era uma pequena cidade no caminho de Jerusalém à cidade litorânea de Jope (hoje chamada Jafa). Ali Pedro encontrou Enéias, que poderia ter sido um dos santos, acamado por oito anos por causa de uma paralisia. A sua cura não teria sido uma experiência nova para Pedro (cap. 5:15), sendo essa uma das “marcas de um apóstolo” (Atos 5:12, 2 Coríntios 12:12).
Note as palavras: “Enéias, Jesus Cristo te cura; levanta e faze a tua cama”. A cura foi atribuída corretamente a Jesus Cristo – Pedro era apenas o Seu apóstolo, ou agente. Agora o próprio Enéias podia fazer a sua cama, sem depender mais dos outros, pois a cura fora imediata.
Enéias logo se levantou, “e viram-no todos os que habitavam em Lida e Sarona, os quais se converteram ao Senhor.” Não foi preciso mais nada para que todos se convencessem da realidade do Evangelho, contrastando com a maioria dos judeus que presenciaram os sinais feitos pelo próprio Senhor Jesus.
Em seguida, temos o relato singular da ressurreição em Jope de uma discípula chamada Tabita:
Tabita vivia em Jopa. Seu nome aramaico significa “corça”, animal gracioso, cujo equivalente em grego é Dorcas. Sendo discípula, ela havia sido salva pela sua fé em Cristo, e mostrava a sua fé pelas suas obras (Tito 3:8, Tiago 2:17). O destaque é dado às suas obras, não às suas palavras.
Ela era generosa, dava esmolas, mas também trabalhava com suas mãos, costurando roupas como túnicas para homens e vestidos para mulheres que dava aos necessitados. Eram obras de caridade, manifestando seu amor ao próximo.
Ainda em plena atividade, ela adoeceu e morreu. Às vezes nos surpreendemos quando um servo de Cristo morre em plena atividade, pois julgamos que a sua vida neste mundo é preciosa para o trabalho de Deus. Deus, no entanto, tem uma visão perfeita, e recolhe o Seu servo para a Sua presença na hora certa. No caso de Tabita, excepcionalmente, a sua morte naquela ocasião era para ser breve.
Seguindo o costume naquele lugar, as mulheres lavaram o seu corpo e o puseram num quarto do andar superior (diferente de Ananias e Safira cujos corpos foram sepultados imediatamente). Somos informados que o costume era lavar o corpo em água morna, para que se restabelecesse se ainda houvesse algum vestígio de vida no corpo. Mas estava morta mesmo.
Quando os discípulos ouviram falar que Pedro estava na cidade vizinha, Lida, mandaram dois homens dizer-lhe que não se demorasse em vir até eles (talvez tivessem saído antes da morte de Tabita, na esperança de uma cura, pois não consta que algum morto já houvesse sido ressuscitado antes, por intervenção de Pedro).
Pronto para servir, Pedro voltou com eles e foi logo levado ao quarto onde jazia o corpo, velado por viúvas que choravam, provavelmente pessoas a quem ela havia beneficiado. Estas lhe mostraram as roupas que Tabita havia feito quando estava viva com elas, como evidência do seu trabalho e caridade.
Não tinham razão para chorar por Tabita, pois ela estaria agora com o Senhor, mas choravam por causa da perda que haviam sofrido: Tinham motivo para amá-la muito pela caridade que lhes fazia, mas já sentiam a falta que ela ia fazer, tendo contribuído tanto para o seu conforto, e quem iria substituí-la? Isto nos faz pensar: faremos alguma falta aos que nos rodeiam quando formos levados daqui? Essa é uma medida de quanto obedecemos ao mandamento do Senhor: “amarás o teu próximo como a ti mesmo”, de maneira geral, com o Senhor explicou em Mateus 5:43-47.
Deus usa servos que se tornam proeminentes, como os apóstolos, e grandes pregadores, ensinadores e escritores, que causam grande impacto. Usa também os servos que têm outros dons e atividade, como Tabita, uma costureira que soube usar o seu talento para o Senhor, dando um testemunho de bondade que lhe angariou a estima dos habitantes daquela localidade. Façamos bom uso dos talentos que temos, ao invés de cobiçar outros que não nos foram dados.
Pedro fez sair a todos: ele precisava de silêncio para meditar e orar a Deus a respeito do que fazer. Provavelmente estava comovido com a demonstração de afeto daquelas viúvas, e se compadecera delas. Lembrou-se de Lázaro, a quem o Senhor ressuscitara movido pela compaixão que teve para com as suas duas irmãs. Queria trazer Tabita de volta, como vira o Senhor Jesus fazer. Mas não queria ser visto pelos outros... seria natural se estivesse duvidando um pouco!
Como o Senhor havia feito, Pedro orou a Deus. O Filho de Deus havia orado de pé, como convinha um filho dirigir-se ao seu pai, Pedro orou de joelhos, como um servo implora do seu Senhor. Em seguida, enchendo-se de fé e coragem, Pedro falou ao corpo de Tabita (assim como Jesus havia feito com o de Lázaro), dizendo: “Tabita, levanta-te”.
Tabita abriu os olhos. O primeiro sinal de vida dos que se encontram espiritualmente mortos também é a abertura dos olhos da mente “a fim de que se convertam das trevas à luz, e do poder de Satanás a Deus, para que recebam remissão de pecados e herança entre aqueles que são santificados pela fé no Senhor Jesus” (capítulo 26:18).
Vendo Pedro, Tabita sentou-se, mostrando que realmente estava viva, e Pedro, gentilmente, lhe deu a mão para ajudá-la a pôr-se de pé. Seria um gesto de boas-vindas de volta ao mundo de onde havia saído.
Finalmente, Pedro chamou os santos e as viúvas, e lhes apresentou Tabita viva, para a sua grande surpresa e alegria. Assim haviam feito Elias (1 Reis 17:23), Eliseu (2 Reis 4:36), e o Senhor Jesus (Lucas 7:15) quando devolveram os filhos ressuscitados às suas mães.
Esse extraordinário milagre, testemunhado pelo grande número de pessoas ali presentes, se tornou notório por toda a cidade de Jope. Em conseqüência, muitos se convenceram da verdade do Evangelho, ao reconhecer que fora feito por Deus e não por homens, e creram no Senhor.
Vendo a grande oportunidade de evangelizar e ensinar, Pedro ficou muitos dias em Jope até que foi chamado para ir para outro lugar. Em Jope ele se hospedou na casa de um curtidor de nome Simão (seu xará).
Seria uma habitação humilde, malcheirosa, e a convivência com um curtidor não seria do agrado da maioria dos judeus, porque os curtidores trabalhavam com animais mortos tornando-os cerimonialmente impuros. Segundo um rabino, “É impossível para o mundo ficar sem curtidores, mas coitado de quem é um curtidor”. Naquele tempo uma judia podia divorciar-se do marido se ela descobrisse que ele era curtidor.
Ao se hospedar ali, Pedro estava começando a deixar os muitos escrúpulos que tinha, como judeu religioso, e dava um exemplo de humildade.
31 Assim, pois, a igreja em toda a Judéia, Galiléia e Samaria, tinha paz, sendo edificada, e andando no temor do Senhor; e, pelo auxílio do Espírito Santo, se multiplicava.
32 E aconteceu que, passando Pedro por toda parte, veio também aos santos que habitavam em Lida.
33 Achou ali certo homem, chamado Enéias, que havia oito anos jazia numa cama, porque era paralítico.
34 Disse-lhe Pedro: Enéias, Jesus Cristo te cura; levanta e faze a tua cama. E logo se levantou.
35 E viram-no todos os que habitavam em Lida e Sarona, os quais se converteram ao Senhor.
36 Havia em Jope uma discípula por nome Tabita, que traduzido quer dizer Dorcas, a qual estava cheia de boas obras e esmolas que fazia.
37 Ora, aconteceu naqueles dias que ela, adoecendo, morreu; e, tendo-a lavado, a colocaram no cenáculo.
38 Como Lida era perto de Jope, ouvindo os discípulos que Pedro estava ali, enviaram-lhe dois homens, rogando-lhe: Não te demores em vir ter conosco.
39 Pedro levantou-se e foi com eles; quando chegou, levaram-no ao cenáculo; e todas as viúvas o cercaram, chorando e mostrando-lhe as túnicas e vestidos que Dorcas fizera enquanto estava com elas.
40 Mas Pedro, tendo feito sair a todos, pôs-se de joelhos e orou; e voltando-se para o corpo, disse: Tabita, levanta-te. Ela abriu os olhos e, vendo a Pedro, sentou-se.
41 Ele, dando-lhe a mão, levantou-a e, chamando os santos e as viúvas, apresentou-lha viva.
42 Tornou-se isto notório por toda a Jope, e muitos creram no Senhor.
43 Pedro ficou muitos dias em Jope, em casa de um curtidor chamado Simão.
Livro de Atos, capítulo 9, versículos 31 a 43