Os sete dias que estavam quase a terminar provavelmente são os dias da purificação de que trata o versículo 26, mas poderiam também ser os da semana pentecostal à qual Paulo tinha desejado estar presente (capítulo 20:16). O incidente a seguir resultou fazer de Paulo um prisioneiro dos romanos pelos cinco anos seguintes, durante os quais foi levado até Roma.
Depois dos muitos anos em que esteve ausente de Jerusalém, durante os quais fez apenas quatro visitas rápidas à igreja de lá, Paulo já não era pessoalmente conhecido muito bem dentro do templo, embora tivesse sido um dos líderes da oposição aos cristãos depois da morte de Estêvão.
Mas Paulo era bem conhecido dos judeus de Éfeso, que haviam falhado em sua conspiração (Atos 19:23-41; 20:19), e sem dúvida ainda guardavam ódio contra ele.
Foram esses forasteiros, que raramente vinham adorar no templo em Jerusalém, mas viviam contentes à distância, procurando seus próprios interesses, que agora se tornaram muito zelosos da santidade do templo, como se assim eles pudessem reconciliar a sua negligência habitual dele.
Viram a sua oportunidade de mostrar seu zelo agitando toda a multidão contra Paulo (como havia feito Demétrio em Éfeso), acusando-o falsamente de pregar por toda a parte contra os judeus, contra a lei de Moisés e contra o templo. Os inimigos do Evangelho de Cristo, não podendo provar que é coisa má, sempre se esforçaram muito a dar-lhe um mau nome e assim abafá-lo com ultraje e clamor.
Acusaram Paulo de falsa doutrina: ele teria ensinado a todos em toda parte contra o povo de Israel, contra a sua lei e contra o templo. Paulo realmente ensinava que os judeus e os gentios igualmente necessitavam se arrepender dos seus pecados e receber a Cristo como Senhor e Salvador. A circuncisão não garantia um privilégio especial para os judeus. Ele havia se afastado dos judeus incrédulos e levado o Evangelho aos gentios, mas isto não significava que rejeitava a totalidade do povo judeu.
Na verdade ele ensinava que a lei conduzia a Cristo, sendo que o Evangelho estabelecia a lei (Romanos 3:31). Quanto ao templo, Paulo ensinava que o templo de Deus não é feito por mãos de homens, mas que cada crente é templo do Espírito Santo. O templo em Jerusalém era modelo deste verdadeiro templo espiritual.
É curioso que foram acusações falsas desta natureza que os judeus também fizeram contra Estêvão no tribunal do templo, e ele foi condenado e apedrejado na presença de Paulo, ou Saulo como era chamado naquela época, que concordou com o que estava sendo feito conforme confessou mais tarde (capítulo 22:20).
Acusaram Paulo, ainda, de haver introduzido gregos no templo para profaná-lo. Na realidade apenas haviam visto Trófimo, um gentío que se converteu em Éfeso, com Paulo na cidade, e assumiram que Paulo o tinha levado consigo até a parte interior do templo, proibida aos gentíos.
A iniquidade desses judeus é revelada pela agressão feita dentro do templo, lugar de sacrifício, louvor e adoração a Deus, um santuário no recinto do qual qualquer judeu deveria estar protegido. Acontece que ele não era um judeu qualquer, mas foi um dos maiores ornamentos do verdadeiro templo espiritual de Deus, uma das maiores pedras do seu fundamento. O zelo poderoso que eles fingiram ter, na realidade resultou na profanação do templo de Deus.
A igreja de Cristo também tem sido profanada através dos tempos por zelosos religiosos apóstatas que, em defesa da “Igreja” perseguiram, maltrataram e martirizaram multidões de cristãos que insistiram em se manter fiéis à verdadeira doutrina de Cristo e dos Seus apóstolos. Como aqueles judeus, eles eram cegos à luz do Evangelho e se fizeram surdos à Palavra de Deus.
A tática desses judeus foi apelar para a religiosidade daquele povo e inflamar o seu ódio contra Paulo. Não foram delatá-lo ao sumo sacerdote ou aos magistrados da cidade com a acusação (mesmo porque provavelmente não seria acolhida por eles), mas incitaram os que naquele momento estavam dispostos a fazer tumulto.
São estes os que mais se dispõem a ser usados contra o Cristo e o Seu rebanho, pois são governados menos pela razão do que sua ira; Paulo descreveu os seus perseguidores como “homens perversos e maus” (2 Tessalonicenses 3:2).
Os argumentos que usaram contra ele eram populares, mas falsos e injustos. Gritaram, “Israelitas, ajudem-nos” e nisso está implícito “ Se vocês realmente são homens de Israel, verdadeiros judeus de nascença, que têm preocupação por sua religião e o seu país, agora é a hora para provar aos outros ajudando a agarrar um inimigo de ambos.” Assim gritaram atrás dele, como atrás de um ladrão (Jó 30:5), ou de um cão raivoso.
Sem qualquer julgamento legal prévio eles o agarraram, pediram o apoio da multidão, e o arrastaram para fora do templo. Depois de fecharem as portas do templo, tentaram matá-lo.
Durante as festas dos judeus, em que poderiam surgir tumultos provocados por nacionalistas contra a ocupação romana, um destacamento da guarda romana era colocado numa torre situada no canto noroeste do templo, chamada Torre de Antonia, conectada com o templo por escadarias.
O comandante da coorte romana (composta de mil homens) tinha informantes no templo para alertá-lo sobre qualquer irregularidade que surgisse entre o povo, e assim foi avisado do tumulto envolvendo Paulo. Ele imediatamente dirigiu-se até lá, acompanhado de soldados e centuriões.
À vista deles, o povo cessou de espancar Paulo e o comandante (chamado Cláudio Lísias – cap. 23:26) o prendeu e acorrentou, julgando que fosse algum criminoso violento e perigoso. Em seguida, perguntou à multidão o que ele tinha feito, mas não conseguiu uma resposta satisfatória por causa do alvoroço e dos gritos contraditórios vindos da multidão.
O comandante mandou então que Paulo fosse levado até a fortaleza, e os soldados tiveram que carrega-lo pelas escadas acima por causa da violência da turba que o seguia gritando “mata-o”.
Quando os soldados estavam a ponto de entrar com Paulo na fortaleza da torre, ele pediu licença ao comandante para falar com ele. O comandante se assustou ao ouvi-lo falar no idioma grego, pois havia pensado que Paulo era um egípcio que tinha incitado uma rebelião e levado quatro mil assassinos com ele para o deserto (isso explica o rigor com que havia prendido e amarrado Paulo).
Paulo imediatamente o assegurou que era um judeu da cidade de Tarso, em Cilicia. Entende-se que fora fundada por Sardanapalus, rei de Assíria e era a cidade principal de Cilicia. Distinguia-se pela sua riqueza e pelas suas escolas e universidades em que rivalizou, se não até mesmo superou Atenas e Alexandria. Por isso Paulo modestamente a chamou de “cidade não insignificante”.
Com intrepidez característica, o apóstolo pediu permissão para falar ao povo. Esta lhe foi concedida imediatamente pelo comandante, agora sabendo que se tratava de um homem culto e de boa educação.
Mesmo do jeito que estava, de pé no alto da escadaria, e flanqueado por soldados romanos, ele aquietou a multidão acenando com sua mão e aguardou até que todos fizessem silêncio. Ele estava agora pronto e em boa posição para dar o seu testemunho público aos judeus de Jerusalém, de um “púlpito” alto e bem guardado.
Ele lhes falou em hebraico (alguns tradutores e comentaristas entendem que seria aramaico, uma língua muito semelhante ao hebraico que era usada comumente pelos judeus naquele tempo), linguagem compreendida por todo aquele povo.
27 Mas quando os sete dias estavam quase a terminar, os judeus da Ásia, tendo-o visto no templo, alvoroçaram todo o povo e agarraram-no,
28 clamando: Varões israelitas, acudi; este é o homem que por toda parte ensina a todos contra o povo, contra a lei, e contra este lugar; e ainda, além disso, introduziu gregos no templo, e tem profanado este santo lugar.
29 Porque tinham visto com ele na cidade a Trófimo de Éfeso, e pensavam que Paulo o introduzira no templo.
30 Alvoroçou-se toda a cidade, e houve ajuntamento do povo; e agarrando a Paulo, arrastaram-no para fora do templo, e logo as portas se fecharam.
31 E, procurando eles matá-lo, chegou ao comandante da coorte o aviso de que Jerusalém estava toda em confusão;
32 o qual, tomando logo consigo soldados e centuriões, correu para eles; e quando viram o comandante e os soldados, cessaram de espancar a Paulo.
33 Então aproximando-se o comandante, prendeu-o e mandou que fosse acorrentado com duas cadeias, e perguntou quem era e o que tinha feito.
34 E na multidão uns gritavam de um modo, outros de outro; mas, não podendo por causa do alvoroço saber a verdade, mandou conduzí-lo à fortaleza.
35 E sucedeu que, chegando às escadas, foi ele carregado pelos soldados por causa da violência da turba.
36 Pois a multidão o seguia, gritando: Mata-o!
37 Quando estava para ser introduzido na fortaleza, disse Paulo ao comandante: É-me permitido dizer-te alguma coisa? Respondeu ele: Sabes o grego?
38 Não és porventura o egípcio que há poucos dias fez uma sedição e levou ao deserto os quatro mil sicários?
39 Mas Paulo lhe disse: Eu sou judeu, natural de Tarso, cidade não insignificante da Cilícia; rogo-te que me permitas falar ao povo.
40 E, havendo-lho permitido o comandante, Paulo, em pé na escada, fez sinal ao povo com a mão; e, feito grande silêncio, falou em língua hebraica, dizendo:
Atos capítulo 21, v ers. 28 a 40