Existe uma falsa doutrina, já antiga e ainda muito divulgada, segundo a qual Deus se afastou permanentemente de Israel, e que a igreja de Cristo tomou o seu lugar, sendo ela agora o Israel de Deus e herdeira de todas as promessas que Deus fez a Israel. Essa “doutrina da substituição” é poderosamente refutada neste capítulo.
Logo no início uma pergunta é feita, se Deus rejeitou o Seu povo, e imediatamente temos a resposta peremptória: “de modo nenhum”. Israel não foi rejeitado por Deus: se assim fosse, nenhum judeu poderia ser salvo. No entanto, muitos judeus estão sendo salvos pela eleição da graça, ou seja, mediante a fé em Cristo, assim como o próprio apóstolo Paulo, cujas credenciais como um judeu eram impecáveis. A rejeição do Messias por Israel não foi de todo o povo, e Deus não rejeitou ou abandonou o Seu povo.
O fato que Paulo se refere a Israel como Seu povo na atualidade mostra que ainda são o povo escolhido de Deus – é o povo que “antes conheceu”, isto é, em Sua presciência. Como exemplo, parecia a Elias que só ele ficara dos profetas do Senhor e sua vida estava em perigo iminente. Mas Deus o informou que tinha reservado para si mesmo sete mil homens que se recusavam firmemente a seguir a nação que adorava Baal (1 Reis 19:10-18). Sempre houve um “remanescente” fiel a Deus, embora fosse às vezes pequeno, ao contrário dos gentios onde prevalecia a apostasia.
“Assim, pois, também no tempo presente ficou um remanescente segundo a eleição da graça” – a eleição da graça é o padrão segundo o qual o “remanescente” passa a existir. Não segundo a lei de Moisés (capítulo 10:4) mas na base da graça. Esse remanescente existiu no passado, existe no presente, e continuará a existir no futuro. Esse é o Israel de Deus em Gálatas 6:16. A graça e as obras se excluem mutuamente pois o que é alcançado pelas obras não o é pela graça. Felizmente para nós a eleição, ou escolha de Deus, é pela graça e não pelas obras, senão ninguém alcançaria as condições necessárias para ser escolhido.
O “remanescente” alcançou a justificação pela graça, mas a nação de Israel como um todo não a obteve porque confiou nas suas próprias obras, e como consequência foi endurecida: “olhos para não verem, e ouvidos para não ouvirem, até o dia de hoje”. É importante notar que a distinção não é entre Israel e a igreja de Cristo, ou entre judeus e gentios, mas entre judeus crentes e judeus incrédulos. A existência de judeus crentes, salvos pela sua fé, é evidência que Deus não rejeitou o Seu povo.
O endurecimento dos judeus incrédulos já fora previsto no Velho Testamento (Deuteronômio 29:4, Salmo 69:22,23 e Isaías 29:10). Deus os deixaria num estado de insensibilidade às realidades espirituais. No Salmo 69:22-23 Davi descreveu o Salvador rejeitado pedindo a Deus para “tornar a sua mesa diante deles em laço, e sejam-lhes as suas ofertas pacíficas uma armadilha”. A mesa aqui representa a totalidade dos privilégios e bênçãos que fluem através de Cristo.
O que deveria ter sido uma bênção foi transformado em uma maldição, uma espécie de profundo sono, estupor (Isaias 29:10, 6:9), apatia, sem visão e com as costas encurvadas (como escravos levando grandes cargas sobre os ombros). Tendo recusado a reconhecer o Senhor Jesus como Messias e Salvador, não mais podiam vê-Lo. Fazendo-se surdos à Sua voz, foram acometidos de surdez espiritual. Este terrível juízo continua até hoje.
Agora vem a segunda pergunta: “Porventura tropeçaram de modo que (ou a fim de que) que caíssem?” E novamente temos a resposta “De maneira nenhuma”. A pergunta se refere à maioria do povo que tropeçou, e “caíssem” é a tradução de um verbo em grego que significa “uma queda completa e irrevogável”. É inconcebível que Deus tenha falhado em Sua fidelidade. Tropeçaram, mas não caíram irrevogavelmente. Se Deus planejou o seu tropeço, foi para que lhes viesse salvação através dos gentios: a salvação dos gentios iria provocar ciúmes nos judeus (Deuteronômio 32:21, Romanos 10:19), causando estes a crer também no Messias por ciúme daquilo que o gentio tem. Assim Deus salva os gentios, estes por sua vez anunciam o Evangelho ao judeu incrédulo, e este acaba crendo em Cristo vendo as bênçãos do Evangelho nas vidas dos gentios.
Hoje no povo de Israel os crentes estão reduzidos a um remanescente, mas no futuro haverá uma salvação nacional e nisso consiste a sua “plenitude” (versículo 12). O tropeço dos judeus com a diminuição de Israel significou riqueza para o mundo e enriquecimento dos gentios (a sua salvação). Sendo assim, quanto maior benefício ainda resultará da restauração de Israel diante de Deus! Quando Israel se voltar para o Senhor durante a grande tribulação, vai se tornar o canal de benção para as nações e grandes multidões serão salvas entre os gentios (Apocalipse 7:9-14).
Paulo exalta o seu ministério aos gentios, que lhe fora designado pelo Senhor Jesus (Atos 9:15), para ver se de algum modo podia provocar os judeus e salvar alguns deles. Assim como nós, ele sabia que não podia salvar ninguém, mas o servo de Deus se identifica tanto com seu Salvador que, como Seu instrumento, pode falar como se estivesse fazendo aquilo que só Ele pode fazer.
O versículo 15 tem o mesmo sentido que o versículo 12, vendo a posição de privilégio do mundo quando Deus colocou nele o testemunho do Seu povo, Israel, a reconciliação do mundo com Deus com a rejeição do Messias por Israel, e a regeneração, ou ressurreição (vida dentre os mortos) do mundo na admissão do Messias por Israel no reino milenar de Cristo. Em seguida, temos duas metáforas:
As primícias e a massa
Em Números 15:19-21 lemos que, se uma porção da massa é consagrada ao Senhor como oferta de manjares, é como se toda a massa fosse consagrada. Abraão é como as primícias, consagrado a Deus. Portanto, toda a sua descendência também é colocada em posição de privilégio diante de Deus.
A raiz e os ramos
Se a raiz é consagrada, também são os ramos da mesma planta, aqui representada por uma oliveira. Abraão foi o primeiro a ser separado por Deus do mundo em que vivia, para formar uma nova sociedade, distinta das nações. Se Abraão foi assim separado por Deus, também são os que descenderam dele dentro de uma linhagem que Deus escolheu.
Alguns ramos foram cortados, sendo esses os incrédulos da nação de Israel, inclusive os que rejeitaram o Messias. Estes perderam o seu lugar privilegiado no povo de Deus. Mas ficou um remanescente, inclusive o próprio Paulo, que recebeu o Senhor.
Os gentios, não só a igreja, mas como um todo, representados pelo zambujeiro, ou a oliveira-brava, foram em seguida admitidos à graça de Deus (enxertados na raiz e seiva da oliveira), participando das bênçãos que vêm de Abraão a quem Deus disse: "em ti serão benditas todas as famílias da terra" - Gênesis 12:3.
Mas há uma advertência: os gentios não devem desprezar os judeus, pois assim como Deus rejeitou os judeus incrédulos e estendeu a Sua graça aos gentios pela sua fé, Ele rejeitará os gentios incrédulos se não permanecerem em Deus. Deus ainda aceitará novamente os judeus, como nação, quando deixarem a sua incredulidade.
É mais natural para a nação dos judeus ajustar-se ao reino de Deus quando crer (por causa da sua raiz em Israel), do que para os gentios, que vêm de fora. O Corpo de Cristo jamais poderá ser separado de Cristo, que é a Cabeça, nem um crente pode ser separado do amor de Deus. Mas os gentios em geral poderão perder a posição privilegiada de que agora gozam, segundo este versículo.
Paulo agora revela um fato que antes fora encoberto (um segredo, mistério): a maioria do povo de Israel continuará em sua incredulidade até que haja entrado a plenitude dos gentios (a igreja de Cristo já estará completa, os vivos arrebatados, em Sua presença), mas depois todo o Israel será salvo, na volta do Senhor, conforme profetizado em Isaías 59:20-21. Por “todo o Israel” deve se entender todos os judeus vivos naquela época.
É impossível alcançarmos com a nossa mente humana a sabedoria, a justiça, o conhecimento de Deus, e Seus caminhos. Ninguém pode lhe dar conselhos, dele e por meio dele e para Ele são todas as cousas. A Ele, pois, a glória eternamente.
1 Digo, pois: porventura, rejeitou Deus o seu povo? De modo nenhum! Porque também eu sou israelita, da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim.
2 Deus não rejeitou o seu povo, que antes conheceu. Ou não sabeis o que a Escritura diz de Elias, como fala a Deus contra Israel, dizendo:
3 Senhor, mataram os teus profetas e derribaram os teus altares; e só eu fiquei, e buscam a minha alma?
4 Mas que lhe diz a resposta divina? Reservei para mim sete mil varões, que não dobraram os joelhos diante de Baal.
5 Assim, pois, também agora neste tempo ficou um resto, segundo a eleição da graça.
6 Mas, se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça.
7 Pois quê? O que Israel buscava não o alcançou; mas os eleitos o alcançaram, e os outros foram endurecidos.
8 Como está escrito: Deus lhes deu espírito de profundo sono: olhos para não verem e ouvidos para não ouvirem, até ao dia de hoje.
9 E Davi diz: Torne-se-lhes a sua mesa em laço, e em armadilha, e em tropeço, por sua retribuição;
10 escureçam-se-lhes os olhos para não verem, e encurvem-se-lhes continuamente as costas.
11 Digo, pois: porventura, tropeçaram, para que caíssem? De modo nenhum! Mas, pela sua queda, veio a salvação aos gentios, para os incitar à emulação.
12 E, se a sua queda é a riqueza do mundo, e a sua diminuição, a riqueza dos gentios, quanto mais a sua plenitude!
13 Porque convosco falo, gentios, que, enquanto for apóstolo dos gentios, glorificarei o meu ministério;
14 para ver se de alguma maneira posso incitar à emulação os da minha carne e salvar alguns deles.
15 Porque, se a sua rejeição é a reconciliação do mundo, qual será a sua admissão, senão a vida dentre os mortos?
16 E, se as primícias são santas, também a massa o é;
se a raiz é santa, também os ramos o são.
17 E se alguns dos ramos foram quebrados,
e tu, sendo zambujeiro, foste enxertado em lugar deles e feito participante da raiz e da seiva da oliveira,
18 não te glories contra os ramos; e, se contra eles te gloriares, não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz a ti.
19 Dirás, pois: Os ramos foram quebrados, para que eu fosse enxertado.
20 Está bem! Pela sua incredulidade foram quebrados, e tu estás em pé pela fé; então, não te ensoberbeças, mas teme.
21 Porque, se Deus não poupou os ramos naturais, teme que te não poupe a ti também.
22 Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram, severidade; mas, para contigo, a benignidade de Deus, se permaneceres na sua benignidade; de outra maneira, também tu serás cortado.
23 E também eles, se não permanecerem na incredulidade, serão enxertados; porque poderoso é Deus para os tornar a enxertar.
24 Porque, se tu foste cortado do natural zambujeiro e, contra a natureza, enxertado na boa oliveira, quanto mais esses, que são naturais, serão enxertados na sua própria oliveira!
25 Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado.
26 E, assim, todo o Israel será salvo, como está escrito: De Sião virá o Libertador, e desviará de Jacó as impiedades.
27 E este será o meu concerto com eles, quando eu tirar os seus pecados.
28 Assim que, quanto ao evangelho, são inimigos por causa de vós; mas, quanto à eleição, amados por causa dos pais.
29 Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento.
30 Porque assim como vós também, antigamente, fostes desobedientes a Deus, mas, agora, alcançastes misericórdia pela desobediência deles,
31 assim também estes, agora, foram desobedientes, para também alcançarem misericórdia pela misericórdia a vós demonstrada.
32 Porque Deus encerrou a todos debaixo da desobediência, para com todos usar de misericórdia.
33 Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos!
34 Porque quem compreendeu o intento do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro?
35 Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado?
36 Porque dele, e por ele, e para ele são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém!
Romanos capítulo 11