Esta passagem faz a conexão entre a primeira parte da carta, que fala da condenação da humanidade for causa do pecado de Adão e da justificação através de Cristo, e os três capítulos seguintes que tratam da santificação e do pecado na natureza humana.
Para se entender bem este texto, é preciso levar em conta que há três espécies, ou aspectos, da morte:
A morte física, à qual se referem os versículos 12 a 14. Essa entrou no mundo através de Adão e passou a todos os seus descendentes. Adão (e Eva com ele) desobedeceram a Deus, e por isso perderam o direito de comer do fruto da “árvore da vida” que permitia que vivessem para sempre (Gênesis 3:22 a 24). A morte física será um dia cancelada e os mortos serão ressuscitados para não morrerem mais (João 5:25-28, 1 Coríntios 15:22, 26, Apocalipse 21:4). Essa é a solução divina para o problema da morte física.
A morte espiritual, começou com o pecado inicial de Adão e Eva, e consiste na separação da comunhão de Deus. Essa consequência foi imediata. Ao comerem da árvore da ciência do bem e do mal, eles e os seus descendentes adquiriram uma consciência que os condenou pela prática consciente do mal e assim todos morrem espiritualmente ao pecarem conscientemente. A solução divina do problema da morte espiritual se faz mediante a reconciliação do pecador com Deus através da fé em Cristo, sendo esta a regeneração do espírito (João 5:24).
A perpetuação da morte, chamada "segunda morte, o lago de fogo”, é para os que não forem achados inscritos no livro da vida (Apocalipse 20:6, 12-15).
Do que foi exposto nos capítulos anteriores, conclui-se que por Adão entrou o pecado no mundo e como resultado a morte passou aos seus descendentes, que formam toda a humanidade, porquanto todos pecaram. O “pecado” é personificado como se fosse algo já preexistente proveniente do exterior para o mundo da humanidade, e a “morte” é a morte física bem como a espiritual, ou o afastamento de Deus.
Nada mais é dito sobre a origem do mal, e no período entre o pecado de Adão até a entrega da lei através de Moisés, Deus não tinha sujeitado ninguém a uma lei escrita por Ele. Sem lei, é claro que não podia haver transgressão e não havendo transgressão, não podia haver pecado por transgressão da lei, explicando-se assim a sentença “onde não há lei o pecado (de transgressão da lei) não é levado em conta”.
Mesmo sem lei escrita, no entanto, todos tinham conhecimento do bem e do mal mediante a sua consciência, e Deus ainda falou com Adão e algumas outras pessoas, dando instruções que foram transmitidas para as suas gerações.
Durante cerca de vinte e quatro séculos depois da criação de Adão, a população do mundo se multiplicou e os que nasciam tinham vidas muito longas, de vários séculos (Gênesis 5). Surgiu a poligamia, e ao fim “Viu o Senhor que era grande a maldade do homem na terra, e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era má continuamente” (Gênesis 6:5). Deus então matou a todos com o dilúvio, com a exceção de Noé com sua família.
Assim, “a morte reinou” durante todo esse tempo, isto é, a humanidade morreu fisicamente e era morta espiritualmente porque não tinha comunhão com Deus, provando que o pecado não se limita à transgressão de um pacto com Deus (como a lei de Moisés) ou uma proibição específica (feita a Adão).
No entanto houve a exceção daqueles que começaram a invocar o nome do Senhor a partir do tempo de Sete (Gênesis 4:26), dos quais são exemplos Enoque – Gênesis 5:24, e Noé – Gênesis 6:8. Enoque parece não ter passado pela morte física, pois “não apareceu mais, porquanto Deus o tomou”).
Temente a Deus, Noé deu origem a uma nova humanidade que, infelizmente, logo voltou-se para a impiedade. A lei foi dada ao povo de Israel dez séculos mais tarde.
Embora a morte sacrificial de Cristo seja oferecida como propiciação pelos pecados da humanidade inteira, somente os que a aceitam (“muitos” no texto) gozam de todo o seu benefício. Cristo representou e dá origem a todos os justificados (a nova criação), assim como Adão representou e deu origem a todos os pecadores (a velha criação).
É neste sentido que “Adão é figura daquele que havia de vir” (v. 14). A Bíblia ensina que toda a humanidade é pecadora, tanto em sua natureza como pela prática. Todos têm pais humanos, herdam o pecado dos pais e a ele acrescentam os seus por escolha própria.
A morte espiritual, que é a separação eterna de Deus, é a consequência imediata do pecado. Tendo morrido, é preciso “nascer de novo” para novamente ter comunhão com Deus e ninguém é capaz de fazer isto por si próprio. Como descendentes de Adão, todos estamos sujeitos ao juízo e à condenação porque somos pecadores por natureza, herdamos o pecado de Adão, e praticamos o pecado.
Mas Deus mesmo abriu o caminho, não só para o restabelecimento dessa comunhão, mas para efetivá-la por toda a eternidade, concedendo ao pecador a “vida eterna”. Para conseguir satisfazer a Sua justiça, Deus mandou o Seu Filho ao mundo para dar a Sua vida na cruz como substituto dos pecadores.
A salvação do pecado, bem como da sua penalidade, é oferecida gratuitamente a toda a humanidade através da fé no Senhor Jesus Cristo. Os que rejeitam a salvação pela fé em Cristo acrescentam ainda essa rejeição, que é o maior pecado de todos (João 3:18-19 e 3:36).
Quanto aos que nunca ouviram o Evangelho de Cristo, a sua situação será julgada por Deus, que é o Justo juiz. Todas as Suas decisões são retas e feitas com a maior equidade. O que nos parece ser um problema à nossa vista fraca e defeituosa, não é problema para Ele, e ninguém terá uma base legítima para opor à Sua decisão.
A morte de Cristo foi singularíssima pois a Sua morte não foi consequência do pecado de Adão, como no caso do resto da humanidade. Sendo perfeito em Sua humanidade, sem pecado, não estava sujeito à morte. Ele deu a Sua vida voluntariamente, e ao morrer fisicamente o seu espírito foi ao Seol, o lugar dos mortos, à parte destinada aos justos chamado Paraíso, que os judeus chamavam de “seio de Abraão” (Salmo 16:10, Lucas 23:43, Atos 2:27, 31).
Tinha, portanto, condições de dar a sua vida voluntariamente como preço pela remissão do pecado dos homens, tendo levado sobre Si o castigo que devíamos pagar, como o cordeiro dos sacrifícios da lei de Moisés. O preço que pagou foi aceito por Deus, que nos deu prova disso ao ressuscitá-lo após três dias.
Depois de ressuscitar, Jesus Cristo subiu à presença de Deus levando consigo o Paraíso com os seus habitantes (Efésios 4:8). Ele é suficiente para uma justificação muito mais abundante do que apenas da condenação pelo pecado de Adão, pois:
Enquanto o julgamento veio pela ofensa de um só homem (Adão), a justificação pela graça alcança muitas ofensas (cometidas pela multidão dos que poem a sua fé em Cristo).
Por meio da ofensa de um só reinou a morte, mas por meio de um só, Jesus Cristo, os que recebem a justificação pela graça reinarão em vida: não só receberão a vida eterna, como também posição de autoridade.
Por uma só ofensa (o pecado de Adão) veio o juízo sobre todos os homens para condenação: por um só ato de justiça (a redenção pela morte de Cristo) veio a graça sobre todos os homens para a justificação que dá vida.
Pela desobediência de um só (Adão) muitos se tornaram pecadores: por meio da obediência de um só (Jesus Cristo) muitos se tornarão justos.
A lei veio realçar o pecado, tornando-o abundante: a graça foi ainda maior, superabundante. A lei não originou o pecado, mas revelou o pecado como sendo uma ofensa contra Deus. A lei também mostrou como o pecado seria perdoado mediante um sacrifício feito conforme a ordenação de Deus, que era figura e antecipava a morte de Cristo, o Cordeiro de Deus para tirar o pecado do mundo (João 1:29).
Como o pecado reinou para a morte, a graça reina pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor. A graça reina pela justiça, porque todos os requisitos da perfeita justiça divina foram preenchidos, a pena pelo pecado foi paga completamente, e Deus pode conceder a vida eterna, Sua comunhão para todo o sempre, aos que se apropriam dos méritos infinitos e eternos de Jesus Cristo, o seu Substituto.
Desta forma, o problema da entrada do pecado no mundo foi solucionado e pode-se arguir que a solução trouxe ainda mais bênçãos para o homem que se converte a Cristo do que teria no estado inicial de inocência.
Agora ele é um filho de Deus, herdeiro de Deus ou coerdeiro com Jesus Cristo. Tem a promessa de um lar no céu e de estar com Cristo, sendo como Ele é, para sempre. Tudo por causa da obra redentora de Jesus Cristo, nosso Senhor.
12 Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram.
13 Porque até à lei estava o pecado no mundo, mas o pecado não é imputado não havendo lei.
14 No entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de vir.
15 Mas não é assim o dom gratuito como a ofensa; porque, se, pela ofensa de um, morreram muitos, muito mais a graça de Deus e o dom pela graça, que é de um só homem, Jesus Cristo, abundou sobre muitos.
16 E não foi assim o dom como a ofensa, por um só que pecou; porque o juízo veio de uma só ofensa, na verdade, para condenação, mas o dom gratuito veio de muitas ofensas para justificação.
17 Porque, se, pela ofensa de um só, a morte reinou por esse, muito mais os que recebem a abundância da graça e do dom da justiça reinarão em vida por um só, Jesus Cristo.
18 Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida.
19 Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, muitos serão feitos justos.
20 Veio, porém, a lei para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça;
21 para que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor.
Romanos capítulo 5:12-21