No capítulo anterior vemos que ninguém é justificado por cumprir as obras da lei, mas que a justiça de Deus vem pela fé em Jesus Cristo para todos os que creem.
A “lei da fé” é superior à lei de Moisés (cap. 3:27), e isto é de interesse especial para os judeus, pois não há discriminação entre eles e os gentios. Assim como todos pecaram e por isso foram destituídos da glória (ou presença) de Deus, todos são justificados gratuitamente pela Sua graça mediante a propiciação pela fé no sangue de Cristo.
A justificação pela fé não é novidade, pois também foi por sua fé que os crentes do Velho Testamento foram justificados. Temos aqui, como exemplo, menção de dois dos mais importantes personagens do Velho Testamento.
Abraão viveu antes da lei de Moisés ser dada. A Escritura (o Velho Testamento) declara que “creu Abrão no Senhor, e o Senhor imputou-lhe isto por justiça” (Gênesis 15:6). Abrão confiava no Senhor, e creu quando o Senhor lhe prometeu que lhe daria um filho e que dele procederia uma descendência muito numerosa.
Foi justificado pela sua fé e não pela sua obediência: esta foi a consequência da sua fé. Se tivesse sido justificado pela sua obediência (obras de justiça) teria motivo de se orgulhar diante dos homens (Efésios 2:9), pois teria conquistado a justificação mediante o seu trabalho de obediência, que então seria a recompensa pelo seu trabalho.
Mas a Escritura diz que Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça: ao que crê nAquele que justifica ao ímpio (v. 5), a sua fé lhe é atribuída como justiça. Pode parecer estranho, mas quem é justificado não trabalhou primeiro fazendo boas obras para merecê-lo, antes de ser perdoado e justificado.
O ímpio (quem não reconhece ou não respeita Deus) não tem mérito ou bondade pessoal e, por melhor que faça, nunca terá perfeição suficiente para ser justo diante de Deus. Por mais boas obras que faça, nunca serão aptas para garantir sua justificação.
Ao invés disso, é suficiente que o ímpio creia na Palavra de Deus e ponha a sua fé e confiança no Senhor pois Ele justifica o transgressor e o iníquo. Não se trata de uma ação virtuosa que lhe dá mérito, pois o mérito não provém da sua fé, mas da Pessoa em que ele confia.
Note-se que Deus justifica o ímpio, não o que já se considera justo por causa dos seus próprios méritos. Deus dá graça, não paga uma suposta dívida ao que trabalha.
A justificação pela fé é confirmada por Davi, o outro exemplo tirado do Velho Testamento, que declarou ser “bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada e cujo pecado é coberto; bem-aventurado o homem a quem o Senhor não atribui a iniquidade...” (Salmo 32:1-2). Deus lhe atribui justiça por sua graça, a despeito da sua transgressão e iniquidade. Davi passou por essa experiência ele próprio e a sua fé o justificou, assim como aconteceu com Abraão.
Abrão foi justificado pela sua fé antes de ser circuncidado: a circuncisão foi apenas o sinal exterior da fé que justificou Abraão e foi seguida pela aliança que Deus fez com ele e com a sua descendência, em virtude da fé que o justificara. Foi também o selo da justiça da fé que teve quando ainda não era circuncidado: enquanto um sinal indica a existência daquilo que representa, um selo autentica, confirma, atesta ou garante ser genuíno aquilo onde é colocado. No caso de Abraão, confirmava que era considerado e tratado por Deus como um justo devido à fé que teve antes de ser circuncidado.
O seu exemplo demonstra que a bem-aventurança de que fala Davi vale tanto para os gentios (a incircuncisão) quanto para os judeus (circuncisão). Assim Abraão tornou-se o pai, ou antecessor, de todos os que creem, embora não circuncidados, e de todos os que, sendo circuncidados, seguem a mesma fé que Abraão teve antes de ser circuncidado. Esses todos são seus filhos porque imitam a sua fé, embora não o sejam por nascimento.
Esta passagem não ensina que os crentes gentios se tornam o Israel de Deus. O Israel de Deus se compõe apenas dos judeus que aceitam o Messias Jesus como seu Senhor e Salvador. São os “judeus messiânicos”, tradução de “judeus cristãos”. Vejamos:
Há uma diferença entre ser descendentes de Abraão e filhos de Abraão. O Senhor Jesus disse aos fariseus “Bem sei que sois descendência de Abraão” mas continuou dizendo “Se sois filhos de Abraão, fazei as obras de Abraão.” (João 8:37,39). Não é a descendência física (a circuncisão) que os identificava como sendo “filhos de Abraão”, mas era preciso que o acompanhassem pondo a sua fé no Deus vivente. Os da circuncisão que creem no Senhor Jesus Cristo é que compõem o verdadeiro Israel de Deus.
A fé de Abraão era independente da lei, bem como a promessa dada por Deus a Abraão que sua descendência possuiria a terra, pois a lei só foi dada ao povo de Israel centenas de anos mais tarde através de Moisés. Logo, essa promessa nada tinha a ver com a lei, mas veio pela justiça da fé de Abraão.
A expressão “herdeiro do mundo” significa que Abraão é o pai dos crentes gentios, bem como dos judeus crentes. Foi constituído “pai de muitas nações”, não só da nação de Israel. Os judeus se consideravam herdeiros do mundo (por causa da promessa) devido a ser fisicamente descendentes de Abraão, mas estavam enganados, pois a promessa veio pela justiça da fé, logo só se aplica aos filhos espirituais de Abraão.
Vemos assim que a paternidade espiritual de Abraão abrange o Israel de Deus e os que são salvos das outras nações, os crentes gentios. Se assim não fosse, a fé não teria valor e a promessa estaria nula.
A fé de Abraão “estava em Deus”, e é pela graça (presente gratuito, sem considerar o merecimento) de Deus que a justificação vem apenas pela simples fé (se fosse possível a justificação por mérito, não existiria a graça). Assim se tornou possível o cumprimento da promessa feita a Abraão de que sua descendência (todos os que, como ele, são justificados pela fé), herdaria a terra. Abraão creu nas promessas de Deus (que lhe daria uma terra, um filho, uma grande descendência), e deu prova disso com a sua obediência, estando plenamente convicto que Deus era poderoso para cumpri-las.
Semelhantemente, também somos justificados pela fé em Deus que ressuscitou dentre os mortos a Jesus nosso Senhor: ele foi entregue à morte por causa das nossas transgressões, ressuscitado provando que Deus aceitou o sacrifício de Seu Filho.
Quando a promessa de uma grande descendência foi feita pela primeira vez a Abraão, ele tinha 75 anos de idade (Gênesis 12:2-4) e ainda podia gerar filhos, tanto que teve Ismael com Hagar, serva de sua esposa Sara (Gênesis 16:1-11). Quando a promessa foi repetida, ele já tinha 100 anos, e tanto ele como Sara já tinham perdido a capacidade física de ter um filho (Gênesis 17:15-21). Mesmo assim, Abraão creu na promessa de Deus, certíssimo que Ele era poderoso para cumprir com a Sua promessa, e foi fortalecido na fé, dando glória a Deus. Isso lhe foi imputado como justiça, pois Deus se agradou em achar um homem que confiasse na Sua Palavra.
Esse fato ficou registrado não só como homenagem a Abraão, mas também como lição para nós que cremos em Deus ao ponto de crer na Sua Palavra que nos diz que ressuscitou Jesus nosso Senhor dos mortos. Em outras palavras, Abraão foi justificado porque creu que Deus daria vida aos seus corpos amortecidos, nós somos justificados porque cremos que Deus já deu vida ao que estava morto, ressuscitando-O da morte. Abraão creu numa promessa, nós cremos na Sua Palavra. Ele creu em algo que havia de acontecer no futuro, nós cremos num fato sobrenatural acontecido no passado.
O Senhor foi entregue à morte “por causa das nossas transgressões”: isto significa que morreu porque transgredimos, e também para poder tirar a nossa culpa. Ele ressuscitou “para a nossa justificação”, que afasta a culpa. Não poderia haver justificação se Ele permanecesse morto: a ressurreição nos assegura que a Sua obra foi completada e que Deus está eternamente satisfeito com o trabalho redentor (pagando Ele próprio o preço da nossa culpa) do nosso Salvador.
1. Que diremos, pois, ter alcançado Abraão, nosso pai segundo a carne?
2 Porque, se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar, mas não diante de Deus.
3 Pois, que diz a Escritura? Creu Abraão em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça.
4 Ora, àquele que faz qualquer obra, não lhe é imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida.
5 Mas, àquele que não pratica, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça.
6 Assim também Davi declara bem-aventurado o homem a quem Deus imputa a justiça sem as obras, dizendo:
7 Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos.
8 Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado.
9 Vem, pois, esta bem-aventurança sobre a circuncisão somente ou também sobre a incircuncisão? Porque dizemos que a fé foi imputada como justiça a Abraão.
10 Como lhe foi, pois, imputada? Estando na circuncisão ou na incircuncisão? Não na circuncisão, mas na incircuncisão.
11 E recebeu o sinal da circuncisão, selo da justiça da fé, quando estava na incircuncisão, para que fosse pai de todos os que crêem (estando eles também na incircuncisão, a fim de que também a justiça lhes seja imputada),
12 e fosse pai da circuncisão, daqueles que não somente são da circuncisão, mas que também andam nas pisadas daquela fé de Abraão, nosso pai, que tivera na incircuncisão.
13 Porque a promessa de que havia de ser herdeiro do mundo não foi feita pela lei a Abraão ou à sua posteridade, mas pela justiça da fé.
14 Pois, se os que são da lei são herdeiros, logo a fé é vã e a promessa é aniquilada.
15 Porque a lei opera a ira; porque onde não há lei também não há transgressão.
16 Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé de Abraão, o qual é pai de todos nós
17 (como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí.), perante aquele no qual creu, a saber, Deus, o qual vivifica os mortos e chama as coisas que não são como se já fossem.
18 O qual, em esperança, creu contra a esperança que seria feito pai de muitas nações, conforme o que lhe fora dito: Assim será a tua descendência.
19 E não enfraqueceu na fé, nem atentou para o seu próprio corpo já amortecido (pois era já de quase cem anos), nem tampouco para o amortecimento do ventre de Sara.
20 E não duvidou da promessa de Deus por incredulidade, mas foi fortificado na fé, dando glória a Deus;
21 e estando certíssimo de que o que ele tinha prometido também era poderoso para o fazer.
22 Pelo que isso lhe foi também imputado como justiça.
23 Ora, não só por causa dele está escrito que lhe fosse tomado em conta,
24 mas também por nós, a quem será tomado em conta, os que cremos naquele que dos mortos ressuscitou a Jesus, nosso Senhor,
25 o qual por nossos pecados foi entregue e ressuscitou para nossa justificação.
Romanos capítulo 4