Naás o amonita sitiou Jabes-gileade. Os amonitas eram descendentes de Ló (Gênesis 19:38) e se associavam com os moabitas, também descendentes de Ló, com quem viviam ao oriente do rio Jordão, ao norte do mar Morto. Seu ídolo nacional era Milcom, ou Moloque (l Reis 11:5), e haviam sido derrotados por Jefté (Juízes 11:33). Jabes-gileade também estava ao oriente do rio Jordão, pertencendo à tribo de Gade, vizinha dos amonitas.
Os homens de Jabes-gileade temeram Naás e procuraram fazer um acordo de submissão a ele. Sem dúvida não confiavam no SENHOR para sua libertação, e estavam dispostos a se submeter a um povo idólatra para salvar a sua pele. Tinham medo de enfrentar o inimigo. Isto nos lembra que o diabo, nosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge, procurando alguém para devorar (1 Pedro 5:8). Não devemos procurar um acordo com ele, mas ser sóbrios e vigilantes, e resistir-lhe firmes na fé.
Os gileaditas se haviam declarado prontos a sacrificar sua liberdade e propriedades em troca da paz, e se os amonitas tivessem se contentado com isso, a questão estaria resolvida. Mas Naás julgou que podia exigir ainda mais: que os olhos direitos de todos eles fossem vazados. Alem da dor e sofrimento que isso causaria, a perda do olho direito incapacitaria os homens para a guerra, pois o olho esquerdo, geralmente, ficava escondido sob o escudo. Com isso ele traria vergonha sobre todo o Israel, de quem faziam parte, pois seriam considerados fracos e covardes por permitirem que uma das suas cidades principais fosse assim maltratada, sem que procurassem resgatá-la.
Os anciãos de Jabes pediram-lhe o prazo de sete dias para que pudessem verificar se haveria em Israel alguém que os livrasse. Naás concedeu o seu pedido, aparentemente convencido que em tão pouco tempo seria impossível aos israelitas formarem um exército capaz de derrotá-lo, mesmo se os mensageiros conseguissem convencê-los a vir em seu socorro. A vergonha para Israel seria ainda maior. Por outro lado, se não concordassem em deixar os mensageiros passar, os cidadãos de Jabes provavelmente iriam resistir por muito mais tempo, e os amonitas teriam que tentar tomar a cidade à força, o que seria custoso, pois muitos morreriam, inclusive os homens de Jabes que haviam se oferecido a serví-los. A cidade já estava sitiada, portanto ninguém podia escapar.
Os mensageiros de Jabes atravessaram o rio Jordão e foram relatar o caso em Gibeá, mais ao sul, ou porque haviam sido mandados até lá, ou porque, no caminho, souberam que o novo rei de Israel estava lá. Mas Saul estava trabalhando com seus bois no campo: notemos a sua humildade pois, tendo sido aclamado rei da nação, não se achou tão importante a ponto de abandonar a assistência que dava ao seu pai.
O povo de Gibeá, ao saber da mensagem que lhe era trazida, se pôs a chorar: preferiam lamentar o perigo e triste destino dos seus irmãos em Jabes do que providenciar para ajudá-los - dar-lhes suas lágrimas mas não seu sangue. Eles choraram, desesperando de ajudar os de Jabes, e provavelmente receosos que o inimigo, tendo conquistado aquela cidade, avançasse até onde eles estavam. Eles também não confiavam no livramento do SENHOR.
Voltando Saul para a cidade, ouviu todo aquele choro e perguntou do que se tratava. Notemos sua compaixão pelo povo: como bom magistrado, ele sentia pelo povo quando ele chorava. Ao ser informado do que acontecia em Jabes Gileade, o Espírito de Deus se apossou dele e ele se irou, zeloso pela segurança e honra de Israel. A ira é uma emoção forte, mas é admissível quando dirigida contra a crueldade e injustiça. A ira de Saul o moveu a tornar providências para socorrer os habitantes de Jabes. Nós também podemos canalizar nossa ira contra o pecado e a perversidade construtivamente, dentro dos desígnios de Deus.
Fazendo uso da sua nova autoridade e poder, Saul mandou mensageiros por todo o reino, convocando o povo inteiro para a guerra contra os amonitas. Modestamente, ele incluiu o profeta Samuel na sua mensagem ao povo, talvez porque ainda não tinha confiança na obediência do povo somente a ele próprio. Também ameaçou destruir os rebanhos daqueles que não o atendessem: leis sem sanção de uma pena pelo não cumprimento, têm pouca força.
O povo realmente veio, mas foi porque caiu sobre eles o temor do SENHOR: tão solidários estavam que saíram como um só homem. A tribo de Judá é mencionada em separado, como acontece muitas vezes na Bíblia. Não só era a tribo maior (Números 1:20-46), e da qual sairia mais tarde a maioria dos reis de Israel (Gênesis 49:8-12), mas seria uma das poucas tribos para voltar-se para Deus após um século de cativeiro, e, principalmente, era a tribo de onde proviria o Messias, o Senhor Jesus (Miqueias 5:2).
Tudo aconteceu muito depressa, tanto que Saul pode mandar os mensageiros dos habitantes de Jabes de volta com a promessa que no dia seguinte o exército de Israel já estaria ali para livrá-los.
Os mensageiros deram o recado aos de Jabes, que se alegraram muito. Aos amonitas eles prometeram entregar a cidade no dia seguinte, contando já com a chegada, bem cedo, do exército israelita para não ter que cumprir a sua promessa. Saul preparou a estratégia da batalha: dividiu seu exército em três companhias e atacou os amonitas em uma tática de surpresa, no meio do seu arraial, na "vigília da manhã": era a última das três vigílias da noite (Lamentações 2:19; Juízes 7:19, Êxodo 14:24-27), nas primeiras horas da manhã. Eles foram pegos de surpresa, e sofreram tamanha derrota, que dentre os que escaparam não ficaram dois juntos, fugindo cada um por si.
Com esse episódio, Saul demonstrou sua habilidade como líder da nação, dando ao povo a certeza que haviam escolhido o homem que desejavam.
Imediatamente foram até Samuel, a quem ainda consideravam o sábio juiz, e propuseram executar aqueles que haviam posto dúvida na autoridade de Saul como rei.
Saul não havia antes dado ouvidos àqueles homens que o rejeitavam, e mesmo agora ele não permitiu que os rebeldes fossem mortos porque naquele dia o SENHOR havia salvo Israel. Saul demonstrou compaixão pelos seus adversários e humildade diante do SENHOR, a quem atribuiu a vitória daquele dia. Começou muito bem!
Saul havia sido ungido rei em Ramá (l Samuel 10:1), a cidade de Samuel (l Samuel 2:11; 7:17); o povo o aclamou rei em Mispa (torre de vigia - l Samuel 10:17-27), o centro político-religioso da nação no tempo de Samuel, onde o povo era convocado para as grandes ocasiões (Josué 18:26; Juízes 20:1, 3; 21:1, 5; l Samuel 7:5-16); esta vitória sobre os amonitas confirmou sua autoridade no entendimento do povo, e Samuel então convocou o povo para renovar a coroação de Saul em Gilgal (rolando), o lugar onde Samuel administrava justiça ao povo (l Samuel 7:16), e onde ele havia passado a oferecer sacrifícios quando a arca fora removida do tabernáculo em Siló (l Samuel 10:8; 13:7-9).
Todo o povo foi a Gilgal e proclamaram a Saul seu rei perante o SENHOR a quem trouxeram ofertas pacíficas. As cerimônias envolveram uma confirmação do reino nas mãos de Saul e uma afirmação de compromisso do povo para com ele.
As instruções que dizem respeito às ofertas pacíficas se encontram em Levítico 3. Eram uma maneira do povo expressar a sua gratidão e ação de graças a Deus, simbolizando a paz que vem àqueles que 0 conhecem e vivem de acordo com os seus mandamentos. Embora Deus não quisesse que o povo tivesse um rei humano, o povo estava demonstrando através das suas ofertas que Ele ainda era o seu Soberano. Infelizmente, essa atitude não durou muito, conforme Deus já havia predito (1 Samuel 8:7-19).
1 Então, subiu Naás, amonita, e sitiou a Jabes-Gileade; e disseram todos os homens de Jabes a Naás: Faze aliança conosco, e te serviremos.
2 Porém Naás, amonita, lhes disse: Com esta condição, farei aliança convosco: que a todos vos arranque o olho direito, e assim ponha esta afronta sobre todo o Israel.
3 Então, os anciãos de Jabes lhe disseram: Deixa-nos por sete dias, para que enviemos mensageiros por todos os termos de Israel e, não havendo ninguém que nos livre, então, sairemos a ti.
4 E, vindo os mensageiros a Gibeá de Saul, falaram estas palavras aos ouvidos do povo. Então, todo o povo levantou a sua voz e chorou.
5 E eis que Saul vinha do campo, atrás dos bois; e disse Saul: Que tem o povo, que chora? E contaram-lhe as palavras dos homens de Jabes.
6 Então, o Espírito de Deus se apoderou de Saul, ouvindo estas palavras, e acendeu-se em grande maneira a sua ira.
7 E tomou um par de bois, e cortou-os em pedaços, e os enviou a todos os termos de Israel pelas mãos dos mensageiros, dizendo: Qualquer que não sair atrás de Saul e atrás de Samuel, assim se fará aos seus bois. Então, caiu o temor do SENHOR sobre o povo, e saíram como um só homem.
8 E contou-os em Bezeque; e houve, dos filhos de Israel, trezentos mil; e, dos homens de Judá, trinta mil.
9 Então, disseram aos mensageiros que vieram: Assim direis aos homens de Jabes-Gileade: Amanhã, em aquecendo o sol, vos virá livramento. Vindo, pois, os mensageiros, e, anunciando-o aos homens de Jabes, se alegraram.
10 E os homens de Jabes disseram: Amanhã, sairemos a vós; então, nos fareis conforme tudo o que parece bem aos vossos olhos.
11 E sucedeu que, ao outro dia, Saul pôs o povo em três companhias, e vieram ao meio do arraial pela vigília da manhã e feriram a Amom, até que o dia aqueceu. E sucedeu que os restantes se espalharam, que não ficaram dois deles juntos.
12 Então, disse o povo a Samuel: Quem é aquele que dizia que Saul não reinaria sobre nós? Dai cá aqueles homens, e os mataremos.
13 Porém Saul disse: Hoje, não morrerá nenhum, pois, hoje, tem feito o SENHOR um livramento em Israel.
14 E disse Samuel ao povo: Vinde, vamos nós a Gilgal e renovemos ali o reino.
15 E todo o povo partiu para Gilgal, e levantaram ali rei a Saul perante o SENHOR, em Gilgal, e ofereceram ali ofertas pacíficas perante o SENHOR; e Saul se alegrou muito ali com todos os homens de Israel.
1 Samuel 11