Na batalha final entre o exército do rei Saul e os filisteus, fatal para Saul, Davi e os seus homens se achavam refugiados de Saul na cidade de Ziclague, saqueada e queimada pelos amalequitas.
O dia da batalha fora um dia negro na história de Israel. Sua derrota teve como causa o pecado do seu rei, que havia se afastado de Deus e chacinado os seus sacerdotes. Agora seu rei estava morto, bem como três dos seus filhos, e os filisteus estavam conquistando o sul do seu país, já tendo tomado toda a área ao norte, ao redor da Galiléia.
Após libertar suas famílias das mãos dos amalequitas, Davi e seus homens se ocuparam na distribuição do rico despojo que haviam conquistado e na reconstrução da cidade. Nada sabiam sobre o resultado da batalha até que apareceu um homem com as vestes rotas e terra sobre a cabeça (sinal de luto), dizendo a Davi que havia fugido do arraial de Israel. Ele revelou que os filisteus haviam ganho a batalha e que Saul estava morto.
A seguir ele deu detalhes sobre a morte de Saul, à sua moda. Segundo o relato bíblico, Saul morreu ao se lançar sobre a sua espada. Este homem disse que Saul, sentindo-se incapacitado para continuar combatendo, apoiado em sua lança porque estava esgotado, o rogara que o matasse. Isto então fez.
Provavelmente ele era dos que saqueavam o campo de batalha e havia por acaso encontrado o corpo de Saul, atravessado pela sua espada. Tomou então a sua coroa e o seu bracelete e os levou a Davi inventando esses detalhes com vistas a angariar o seu reconhecimento e mesmo recompensa por ter matado o seu inimigo.
A notícia trouxe grande tristeza para Davi e os seus homens, que rasgaram as suas vestes em sinal de dor e luto, e prantearam, choraram e jejuaram até à tarde. Eles estavam evidentemente chocados pela morte do seu rei, do seu amigo Jônatas e dos outros combatentes; também lamentavam a humilhação de Israel diante dos seus inimigos e as conseqüências desastrosas para o seu futuro. Eles não se envergonhavam em externar os seus sentimentos. Hoje em dia isso é considerado um sinal de fraqueza, e muitos exercitam controle próprio reprimindo as suas emoções. Mas expressar nossa tristeza quando, por exemplo, morre uma pessoa muito querida, é útil para nos ajudar a superar a profunda mágoa que sentimos nessa ocasião.
Deve ter sido uma reação um tanto inexplicável para o homem que havia trazido as notícias. Mas sua surpresa deve ter sido ainda maior quando Davi o repreendeu severamente por ter matado o ungido do SENHOR, e mandou que o executassem por isso.
Se Davi o tivesse deixado vivo, ele se teria feito cúmplice desse provável regicida: afinal o homem havia trazido a coroa e o bracelete de Saul, provando que estivera com Saul antes da chegada dos filisteus (que os teriam levado como troféus). Davi sabia que o SENHOR havia ungido Saul como rei e só o SENHOR tinha autoridade para removê-lo da sua posição de autoridade. Somos instruídos que não há autoridade que não proceda de Deus; as autoridades que existem foram por Ele instituídas e devemos ser submissos às autoridades superiores (Romanos 13:1-5).
Dizendo-se amalequita (talvez outra vez mentindo) ele se identificou como um inimigo de Davi, provavelmente sem o saber. Para Davi ele era não somente o responsável pela morte de Saul, mas também um inimigo do seu povo, e merecia a pena de morte. Se o homem estivera mentindo, ele pagou sua mentira com a própria vida. O mentiroso às vezes sofre por aquilo que não fez, por causa da sua mentira.
Davi, o inspirado salmista, compôs então um hino louvando os feitos de Saul e Jônatas, chamado Hino ao Arco, transcrito a seguir no texto bíblico. É uma das duas transcrições do "Livro dos Justos" que encontramos no texto sagrado; o outro são as palavras de Josué dirigidas ao SENHOR durante a crise da batalha de Bete-Horom.
O "Livro dos Justos" era provavelmente uma coleção de poemas e hinos patrióticos, uma antologia aos heróis nacionais. Existem diversas transcrições na Bíblia de livros, hinos, poemas e outra matéria falada ou escrita. Deus dirigiu o escritores a usarem esse material ao escreverem sua parte das Escrituras, dando-lhe assim autoridade divina.
Embora Davi tivesse boas razões para odiar Saul, assim mesmo ele preferiu focalizar nas coisas boas que Saul havia feito e esquecer o mal que sofrera das suas mãos. O rei Saul, como seu filho Jônatas, eram combatentes corajosos, e Saul havia ganho muitas batalhas e trazido prosperidade para o seu povo. É preciso ter um caráter forte para deixar para trás o ódio e a maldade e respeitar o lado positivo de uma pessoa, especialmente um inimigo, como Davi fez aqui.
A respeito de seu amigo Jônatas, Davi o chama de "meu irmão", pois era seu cunhado, e usa a curiosa expressão "excepcional era o teu amor, ultrapassando o amor de mulheres". Davi aqui se refere à profunda amizade que havia entre eles, e à fidelidade que lhe dedicava Jônatas. Elas contrastam com a atitude da primeira esposa de Davi, Mical, irmã de Jônatas, que amou Davi enquanto era um herói nacional, mas não o acompanhou quando Davi teve que fugir de seu pai Saul. Depois seu pai a entregou para ser mulher de outro homem (1 Samuel 25:44).
Davi sabia que ia ser o rei da nação de Israel depois de Saul (1 Samuel 16:13; 23:17; 24:20), mas embora parecesse que a hora havia chegado para reivindicar para si a sua autoridade, Davi foi consultar ao SENHOR para saber se devia voltar para o território da sua tribo, Judá. Ele ainda se encontrava foragido no estrangeiro, mas havia aprendido a obter a direção do SENHOR.
Antes de seguir por um caminho que se nos abre, para o que nos parece ser óbvio, convém ter absoluta certeza em nossas mentes que ele realmente é da vontade de Deus, e orar para que Deus nos dê a Sua confirmação se estivermos em dúvida. Ele sabe quando é chegada a hora certa.
O SENHOR mandou que ele fosse apenas até Hebrom, ao sul do território de Judá, perto da fronteira com a terra dos filisteus. Precisava ser cauteloso, não usando a força das armas para tomar o reino, mas apenas tornando-se disponível para ser coroado pelo povo. Hebrom era a maior cidade de Judá naquele tempo, era segura contra ataques, e por ali passavam os caminhos mais importantes das caravanas de mercadores, dando-lhe um bom suprimento de tudo o que era preciso.
Davi mudou-se para lá com suas duas mulheres. O SENHOR tolerava a poligamia, mas não aprovava. Davi iria ainda tomar para si mais mulheres, e sofreria muito por causa disso mais tarde. Davi também fez subir os homens que estavam com ele, cada um com sua família e habitaram nas aldeias de Hebrom.
Vieram então os homens de Judá e, em Hebrom, publicamente ungiram Davi rei sobre a tribo de Judá. Davi já havia sido ungido em particular por Samuel como rei de Israel, e agora estava sendo publicamente empossado, primeiramente só sobre a sua própria tribo, Judá. O restante da nação não veio a reconhecê-lo como seu rei até que se passassem sete anos e meio (2 Samuel 2:10, 11).
Sabedor que os homens de Jabes-Gileade haviam sepultado o corpo de Saul, Davi os agradeceu e abençoou por isso, e prometeu recompensá-los pelo que haviam feito. Eles estavam do outro lado do rio Jordão, e quarenta anos antes o rei Saul os havia livrado do domínio dos amonitas. Eles o queriam bem por isso. Davi também lhes comunicou que já havia sido coroado rei sobre Judá (decerto parte de sua diplomacia, esperando ganhar a boa vontade daqueles homens para que, no devido tempo, eles o aceitassem como rei também …).
Capítulo 1:
1 E, depois da morte de Saul, voltando Davi da derrota dos amalequitas e ficando Davi dois dias em Ziclague,
2 sucedeu, ao terceiro dia, que um homem veio do arraial de Saul com as vestes rotas e com terra sobre a cabeça; e sucedeu que, chegando ele a Davi, se lançou no chão e se inclinou.
3 E Davi lhe disse: De onde vens? E ele lhe disse: Escapei do exército de Israel.
4 E disse-lhe Davi: Como foi lá isso? Peço-te, dize-me. E ele lhe respondeu: O povo fugiu da batalha, e muitos do povo caíram e morreram, assim como também Saul e Jônatas, seu filho, foram mortos.
5 E disse Davi ao jovem que lhe trazia as novas: Como sabes tu que Saul e Jônatas, seu filho, são mortos?
6 Então, disse o jovem que lhe dava a notícia: Cheguei por acaso à montanha de Gilboa, e eis que Saul estava encostado sobre a sua lança, e eis que os carros e capitães de cavalaria apertavam com ele.
7 E, olhando ele para trás de si, viu-me a mim e chamou-me; e eu disse: Eis-me aqui.
8 E ele me disse: Quem és tu? E eu lhe disse: Sou amalequita.
9 Então, ele me disse: Peço-te, arremessa-te sobre mim e mata-me, porque angústias me têm cercado, pois toda a minha vida está ainda em mim.
10 Arremessei-me, pois, sobre ele, e o matei, porque bem sabia eu que não viveria depois da sua queda, e tomei a coroa que tinha na cabeça e a manilha que trazia no braço, e as trouxe aqui a meu senhor.
11 Então, apanhou Davi as suas vestes e as rasgou, como também todos os homens que estavam com ele.
12 E prantearam, e choraram, e jejuaram até à tarde por Saul, e por Jônatas, seu filho, e pelo povo do SENHOR, e pela casa de Israel, porque tinham caído à espada.
13 Disse, então, Davi ao jovem que lhe trouxera a nova: De onde és tu? E disse ele: Sou filho de um homem estrangeiro, amalequita.
14 E Davi lhe disse: Como não temeste tu estender a mão para matares o ungido do SENHOR?
15 Então, chamou Davi a um dos jovens e disse: Chega e lança-te sobre ele. E ele o feriu, e morreu.
16 E disse-lhe Davi: O teu sangue seja sobre a tua cabeça, porque a tua própria boca testificou contra ti, dizendo: Eu matei o ungido do SENHOR.
17 E lamentou Davi a Saul e a Jônatas, seu filho, com esta lamentação,
18 dizendo ele que ensinassem aos filhos de Judá o uso do arco. Eis que está escrito no livro do Reto:
19 Ah! Ornamento de Israel! Nos teus altos, fui ferido; como caíram os valentes!
20 Não o noticieis em Gate, não o publiqueis nas ruas de Asquelom, para que não se alegrem as filhas dos filisteus, para que não saltem de contentamento as filhas dos incircuncisos.
21 Vós, montes de Gilboa, nem orvalho, nem chuva caia sobre vós nem sobre vós, campos de ofertas alçadas, pois aí desprezivelmente foi arrojado o escudo dos valentes, o escudo de Saul, como se não fora ungido com óleo.
22 Do sangue dos feridos, da gordura dos valentes, nunca se retirou para trás o arco de Jônatas, nem voltou vazia a espada de Saul.
23 Saul e Jônatas, tão amados e queridos na sua vida, também na sua morte se não separaram! Eram mais ligeiros do que as águias, mais fortes do que os leões.
24 Vós, filhas de Israel, chorai por Saul, que vos vestia de escarlata em delícias, que vos fazia trazer ornamentos de ouro sobre as vossas vestes.
25 Como caíram os valentes no meio da peleja! Jônatas nos teus altos foi ferido!
26 Angustiado estou por ti, meu irmão Jônatas; quão amabilíssimo me eras! Mais maravilhoso me era o teu amor do que o amor das mulheres.
27 Como caíram os valentes, e pereceram as armas de guerra!
Capítulo 2:
1 E sucedeu, depois disso, que Davi consultou ao SENHOR, dizendo: Subirei a alguma das cidades de Judá? E disse-lhe o SENHOR: Sobe. E disse Davi: Para onde subirei? E disse: Para Hebrom.
2 E subiu Davi para lá, e também as suas duas mulheres, Ainoã, a jezreelita, e Abigail, a mulher de Nabal, o carmelita.
3 Fez também Davi subir os homens que estavam com ele, cada um com a sua família; e habitaram nas cidades de Hebrom.
4 Então, vieram os homens de Judá e ungiram ali a Davi rei sobre a casa de Judá. E deram avisos a Davi, dizendo: Os homens de Jabes-Gileade são os que sepultaram Saul.
5 Então, enviou Davi mensageiros aos homens de Jabes-Gileade e disse-lhes: Benditos sejais vós do SENHOR, que fizestes tal beneficência a vosso senhor, a Saul, e o sepultastes!
6 Agora, pois, o SENHOR use convosco de beneficência e fidelidade; e também eu vos farei esse bem, porquanto fizestes isso.
7 Esforcem-se, pois, agora as vossas mãos, e sede homens valentes, pois Saul, vosso senhor, é morto, mas também os da casa de Judá já me ungiram a mim rei sobre si.
2 SAMUEL 1 a 2:7