Os fatos relatados neste capítulo se seguiram talvez menos de um ano depois da visão do capítulo anterior. No intervalo, a Babilônia caiu, suplantada pela Medo-Pérsia, ficando sob Dario, rei dos caldeus (capítulo 6).
Daniel, estudioso das Escrituras, percebeu que as "assolações de Jerusalém" estavam para terminar: o profeta Jeremias havia anunciado, da parte do Senhor, em 605 a.C., que setenta anos após a deportação por Nabucodonozor dos judeus de Jerusalém para a Babilônia, eles retornariam à sua pátria. Faltavam agora menos de três anos para isto se cumprir, e Ciro já estava no poder à testa dos persas: segundo a profecia de Isaías (um século antes de Jeremias) ele (Ciro) era quem daria o cumprimento (Isaías 44:28).
Tendo recebido a revelação de Deus, nas visões anteriores, de que o seu povo ainda teria que passar por muitos sofrimentos, sob a dominação de outros povos, Daniel estava preocupado, e se dirigiu ao Senhor em "oração e súplicas, com jejum, pano se saco e cinza" - provavelmente lembrando-se de Levítico 26:40-45 e Deuteronômio 30:1-10. Assim ele intercedeu pelo seu povo, diante de Deus, na esperança de que Deus os restaurasse à sua terra, poupando-lhes mais sofrimentos. Esta foi uma oração interrompida por Deus: Deus teve que lhe mostrar que os 70 anos de assolação eram apenas um "tipo" para uma assolação maior que duraria 70 vezes 7 anos, tema da próxima visão (Deuteronômio 30 se cumprirá no fim dos últimos 7 anos).
A oração de Daniel é um modelo de confissão (v.4-15), súplica e intercessão (v.16-19), em que Daniel falou pelo seu povo: pessoalmente, Daniel era um homem reto e temente a Deus mas, externando sua humildade, ele jejuou, vestiu-se com pano de saco e lançou cinzas sobre si. Ele não disse "o povo tem pecado …", mas "temos pecado …", desta forma associando-se com seu povo, e reconheceu que todo o mal que veio sobre o povo foi em decorrência da sua desobediência, sendo que agora dependia inteiramente da misericórdia e perdão de Deus (vs. 9,18,19).
Sua oração foi interrompida às três horas da tarde (hora em que o sacrifício da tarde teria sido oferecido em Jerusalém antes da destruição do templo) pelo anjo Gabriel, que lhe aparecia em forma de homem. Ele fora enviado (por Deus) no principio da suplica de Daniel - tendo voado do céu até Babilônia em poucos segundos - para faze-lo entender a visão, porque Daniel é "mui amado".
Gabriel agora esclarece que Deus determinou para o povo de Daniel (Israel) e sua santa cidade (Jerusalém) setenta "semanas" (palavra que, no original hebraico, significa sete períodos de um espaço de tempo, seja dias, meses ou anos; neste caso é de anos) para atender ao que Daniel pedia em sua oração.
Examinando a cronologia desse povo, vemos que ela se divide em períodos de 490 anos, não contados os anos em que ele se alienou de Deus:
Da promessa dada por Deus a Abraão (Gênesis 12:1-4) em 2.111 a.C., até que Moisés recebeu a lei no monte Sinai em 1.606 a.C., são 505 anos: tirando os 15 anos de Ismael ficam 490.
Desde a entrega da lei até a dedicação do templo de Salomão em 1005 passaram-se 601 anos: tirando os 111 anos de servidão a outros povos durante os tempos dos juízes, ficam 490.
Da dedicação do templo até o decreto de Artaxerxes Longimanus para restaurar e edificar Jerusalém em 445 a.C. são 560 anos: deduzindo os 70 anos de cativeiro ficam 490.
Um novo período de 490 anos (as "setenta semanas"), confirmado agora por Gabriel, começa a partir desse decreto e termina com a destruição do "assolador" (o Anticristo). Esse período não inclui o "tempo dos gentios" que vai desde a morte do Ungido (o Messias) ao fim 483 anos, até o início da tribulação, que durará pelos sete anos finais desse período.
Terminado o último período (com a segunda vinda de Cristo), seis coisas vão acontecer com a nação de Israel e sua capital, Jerusalém:
Cessará a transgressão: toda a apostasia será eliminada de Israel.
Não pecará mais: uma tradução melhor para "dar fim ao pecado" é "selar o pecado", isto é, impedir a sua prática (Romanos 11:26-27).
A iniqüidade será expiada: a nação toda, em um só dia, se arrependerá e será salva (pela expiação efetivada por Cristo na cruz do Calvário - Romanos 11:26, Apocalipse 1:7, Isaías 66:8, Zacarias 12:10, 13:1).
Será trazida a justiça eterna: o reino de Deus se iniciará fisicamente com a volta do Messias, o Senhor Jesus, que fará uma nova aliança com o povo de Israel (Jeremias 31:33-34).
A profecia e visão serão seladas: este encerramento é devido ao fato que terá sido cumprido tudo o que fora revelado ao povo de Israel sobre o seu futuro.
Será ungido o Santo dos Santos: no templo havia uma divisão chamada "o Santo dos Santos", onde ficava a Arca do Concerto. Este recinto era ungido com a Presença de Deus. O "Santo dos Santos" do novo templo em Jerusalém será também consagrado (no milênio).
Os 490 anos se dividem em três fases:
Sete semanas (49 anos) durante as quais as praças e as circunvalações de Jerusalém foram reedificadas (tempos de Neemias e Malaquias, o último profeta).
Sessenta e duas semanas (434 anos), a partir dessa reedificação e terminando com a vinda do Ungido (Messias), o Príncipe. Esta se conta exatamente até a Sua entrada triunfal em Jerusalém e no templo, montado em um jumento. O "silêncio profético" está incluido dentro deste período, desde Malaquias, o último profeta do Velho Testamento, até os eventos que precedem o nascimento de João Batista, seguidos pelo nascimento e ministério de Jesus Cristo.
Uma semana (7 anos) começando com uma aliança que um príncipe que há de vir (o Anticristo), de um povo que terá destruído Jerusalém e o santuário (os romanos no ano 70 a.D.) firmará com muitos judeus. No meio da semana - após três anos e meio - ele suspenderá os sacrifícios e ofertas no templo, e mediante abominações (ele fará uma imagem de si próprio para ser adorada no templo) o assolador perseguirá o povo de Israel (a "grande" tribulação) até ser destruído (na volta de Cristo).
Como nos anteriores períodos de 490 anos, observa-se que também neste existe um intervalo correspondente aos anos em que o povo de Israel estará alienado de Deus. Ele começou com a rejeição do Messias (Mateus 21), e terminará com a retomada de Jerusalém pelos judeus e a reconstrução do templo. Durante este intervalo Cristo foi morto e assunto para os céus, e os romanos destruiram Jerusalém e o santuário, e está havendo guerras e desolações (para os judeus). Este é o período atual da Igreja de Cristo, mistério não revelado a Daniel.
1 No ano primeiro de Dario, filho de Assuero, da linhagem dos medos, o qual foi constituído rei sobre o reino dos caldeus,
2 No primeiro ano do seu reinado, eu, Daniel, entendi pelos livros que o número dos anos, de que falara o SENHOR ao profeta Jeremias, em que haviam de cumprir-se as desolações de Jerusalém, era de setenta anos.
3 E eu dirigi o meu rosto ao Senhor Deus, para o buscar com oração e súplicas, com jejum, e saco e cinza.
4 E orei ao SENHOR meu Deus, e confessei, e disse: Ah! Senhor! Deus grande e tremendo, que guardas a aliança e a misericórdia para com os que te amam e guardam os teus mandamentos;
5 Pecamos, e cometemos iniqüidades, e procedemos impiamente, e fomos rebeldes, apartando-nos dos teus mandamentos e dos teus juízos;
6 E não demos ouvidos aos teus servos, os profetas, que em teu nome falaram aos nossos reis, aos nossos príncipes, e a nossos pais, como também a todo o povo da terra.
7 A ti, ó Senhor, pertence a justiça, mas a nós a confusão de rosto, como hoje se vê; aos homens de Judá, e aos moradores de Jerusalém, e a todo o Israel, aos de perto e aos de longe, em todas as terras por onde os tens lançado, por causa das suas rebeliões que cometeram contra ti.
8 O Senhor, a nós pertence a confusão de rosto, aos nossos reis, aos nossos príncipes, e a nossos pais, porque pecamos contra ti.
9 Ao Senhor, nosso Deus, pertencem a misericórdia, e o perdão; pois nos rebelamos contra ele,
10 E não obedecemos à voz do SENHOR, nosso Deus, para andarmos nas suas leis, que nos deu por intermédio de seus servos, os profetas.
11 Sim, todo o Israel transgrediu a tua lei, desviando-se para não obedecer à tua voz; por isso a maldição e o juramento, que estão escritos na lei de Moisés, servo de Deus, se derramaram sobre nós; porque pecamos contra ele.
12 E ele confirmou a sua palavra, que falou contra nós, e contra os nossos juízes que nos julgavam, trazendo sobre nós um grande mal; porquanto debaixo de todo o céu nunca se fez como se tem feito em Jerusalém.
13 Como está escrito na lei de Moisés, todo este mal nos sobreveio; apesar disso, não suplicamos à face do SENHOR nosso Deus, para nos convertermos das nossas iniqüidades, e para nos aplicarmos à tua verdade.
14 Por isso o SENHOR vigiou sobre o mal, e o trouxe sobre nós; porque justo é o SENHOR, nosso Deus, em todas as suas obras, que fez, pois não obedecemos à sua voz.
15 Agora, pois, ó Senhor, nosso Deus, que tiraste o teu povo da terra do Egito com mão poderosa, e ganhaste para ti nome, como hoje se vê; temos pecado, temos procedido impiamente.
16 O Senhor, segundo todas as tuas justiças, aparte-se a tua ira e o teu furor da tua cidade de Jerusalém, do teu santo monte; porque por causa dos nossos pecados, e por causa das iniqüidades de nossos pais, tornou-se Jerusalém e o teu povo um opróbrio para todos os que estão em redor de nós.
17 Agora, pois, ó Deus nosso, ouve a oração do teu servo, e as suas súplicas, e sobre o teu santuário assolado faze resplandecer o teu rosto, por amor do Senhor.
18 Inclina, ó Deus meu, os teus ouvidos, e ouve; abre os teus olhos, e olha para a nossa desolação, e para a cidade que é chamada pelo teu nome, porque não lançamos as nossas súplicas perante a tua face fiados em nossas justiças, mas em tuas muitas misericórdias.
19 O Senhor, ouve; ó Senhor, perdoa; ó Senhor, atende-nos e age sem tardar; por amor de ti mesmo, ó Deus meu; porque a tua cidade e o teu povo são chamados pelo teu nome.
20 Estando eu ainda falando e orando, e confessando o meu pecado, e o pecado do meu povo Israel, e lançando a minha súplica perante a face do SENHOR, meu Deus, pelo monte santo do meu Deus,
21 Estando eu, digo, ainda falando na oração, o homem Gabriel, que eu tinha visto na minha visão ao princípio, veio, voando rapidamente, e tocou-me, à hora do sacrifício da tarde.
22 Ele me instruiu, e falou comigo, dizendo: Daniel, agora saí para fazer-te entender o sentido.
23 No princípio das tuas súplicas, saiu a ordem, e eu vim, para to declarar, porque és mui amado; considera, pois, a palavra, e entende a visão.
24 Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade, para cessar a transgressão, e para dar fim aos pecados, e para expiar a iniqüidade, e trazer a justiça eterna, e selar a visão e a profecia, e para ungir o Santíssimo.
25 Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar, e para edificar a Jerusalém, até ao Messias, o Príncipe, haverá sete semanas, e sessenta e duas semanas; as ruas e o muro se reedificarão, mas em tempos angustiosos.
26 E depois das sessenta e duas semanas será cortado o Messias, mas não para si mesmo; e o povo do príncipe, que há de vir, destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será com uma inundação; e até ao fim haverá guerra; estão determinadas as assolações.
27 E ele firmará aliança com muitos por uma semana; e na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oblação; e sobre a asa das abominações virá o assolador, e isso até à consumação; e o que está determinado será derramado sobre o assolador.
Daniel, capítulo 9