Todo o povo judeu, que habitava o vasto território subjugado pelos persas, ficou sabendo do decreto real promovido por Hamã, determinando a eliminação de todos os judeus no dia treze do décimo segundo mês daquele ano.
Como acontece sempre que se pratica o mal, seguiu-se imensa tristeza entre eles, com choro amargo, lamento, jejum e muitos se cobriam de pano de saco e cinza. O "pano de saco" era feito de cabelo caprino preto, áspero, tosco e grosso, usado para ensacamento e também por pessoas enlutadas, ou como sinal de arrependimento diante de Deus.
Eles devem ter sentido que era o juízo de Deus novamente caindo sobre eles - pouco imaginavam que a causa tinha sido o ódio de Hamã incendiado pela falta de subserviência de uma só pessoa - Mardoqueu.
Mardoqueu provavelmente também não sabia (pois Hamã nada havia dito) e, como os outros, demonstrou a sua grande tristeza em público. Saiu pela cidade chorando amargamente em alta voz, e foi até o palácio, mas ficou fora pois não lhe era permitido tomar o seu lugar de honra à porta do palácio vestido daquela forma.
O seu comportamento surpreendente logo chamou a atenção dos que se encontravam no palácio, e as criadas de Ester e os oficiais responsáveis pelas mulheres logo correram para levá-lo ao conhecimento dela. Aflita, Ester imediatamente mandou roupas ao seu primo para que se vestisse apropriadamente, evitando um escândalo maior. Mas ele não quis aceitá-las.
Isto nos dá uma ilustração do pecador convicto, que sabe que está debaixo da sentença de morte. Seu pecado, como o pano de saco e a cinza, não permitem seu acesso à presença do Deus puro e santo.
De nada adianta oferecer-lhe uma nova roupagem, seja de religião, de uma filosofia que nega o pecado, de uma reforma no comportamento, sua consciência continua acusando-o e ele sabe que a sentença pela sua culpa ainda paira sobre a sua cabeça. O salário do pecado é a morte - a eterna separação da presença de Deus, uma existência sem fim na perdição. Somente o novo nascimento, mediante a fé no sangue de Cristo pode trazer a justificação diante de Deus.
Surpresa com a recusa de Mardoqueu, Ester procurou então saber a razão por que ele estava se comportando daquela forma. Estaria ela tão isolada dentro do seu palácio que não sabia do decreto contra o seu povo? Ou, quem sabe, ela pensava que nada tinha a ver com ela ou o seu primo?
Seja como for, Mardoqueu lhe informou de tudo através do emissário que ela mandou, mesmo até quanta prata Hamã havia oferecido ao rei para a destruição dos judeus, e lhe mandou uma cópia do decreto para o seu conhecimento, pedindo ao emissário que insistisse com ela para que fosse à presença do rei para implorar misericórdia e interceder em favor do seu povo.
O emissário fez como Mardoqueu lhe pedira, mas Ester titubeou, não sem uma boa razão: de acordo com a lei, se ela fosse até a presença do rei sem ser chamada, ela estaria condenada à morte a não ser que ele estendesse o seu cetro de ouro para ela poupando-lhe a vida. E ela não havia sido chamada à presença do rei por mais de trinta dias. Ela mandou o emissário explicar sua situação a Mardoqueu.
A resposta que Mardoqueu lhe mandou foi taxativa: ela, da mesma forma que todos os judeus, já estava sujeita à pena de morte por causa do decreto. Se ela ficasse calada, socorro e livramento viriam para os judeus de outra parte (sem dúvida baseado nas profecias e nas promessas de Deus), mas ela e a família do seu pai (inclusive ele) morreriam. Reconhecendo os desígnios de Deus, ele indaga se porventura não seria para isto que ela havia sido feita rainha.
Ester estava disposta a imediatamente arriscar a sua vida pelo seu povo ao invés de esperar o cumprimento do decreto. Ela nos dá mais exemplos para seguir :
Calculou o custo, verificando que a sua vida estava em jogo.
Determinou as prioridades, crendo que a segurança do seu povo era mais importante do que a vida dela.
Preparou-se, assegurando o apoio do seu povo e das suas servas com o jejum.
Escolheu a ação a tomar e foi avante corajosamente. Ela não entrou em longas considerações e não usou de subterfúgios para adiar a tomada da sua decisão.
Três dias depois, terminado o jejum, Ester se vestiu com seus trajes de rainha, foi até o pátio interno do palácio e se colocou em frente à entrada do salão do rei. Vendo-a do seu trono, o rei teve misericórdia e estendeu-lhe o cetro de ouro.
A ousadia da rainha despertou a curiosidade do rei, e ele queria saber qual era o motivo, prometendo atender ao seu pedido, mesmo que fosse a metade do seu reino. Cautelosa, ela apenas o convidou a um banquete, trazendo Hamã consigo.
O rei ordenou a Hamã que o acompanhasse, e foram ao banquete. Ali o rei novamente quis saber qual era o pedido de Ester. Ela simplesmente o convidou para outro banquete no dia seguinte, acompanhado por Hamã, dizendo que então ela lhe faria o seu pedido.
Hamã saiu feliz com a honra que a rainha lhe fazia, mas ao sair pela porta do palácio real, enfureceu-se porque Mardoqueu novamente não lhe mostrou respeito quando passava.
Hamã se vangloriou em casa, na presença da sua esposa e dos seus amigos, da sua riqueza, posição e preferência pela rainha, mas reclamou amargamente de Mardoqueu. Seguindo o conselho da sua esposa e seus amigos, no dia seguinte Hamã mandou fazer uma forca de mais de vinte metros de altura onde ele poderia enforcar Mardoqueu, depois de obter a aprovação do rei.
1 Quando Mardoqueu soube tudo quanto se havia passado, rasgou Mardoqueu as suas vestes, e vestiu-se de um pano de saco com cinza, e saiu pelo meio da cidade, e clamou com grande e amargo clamor;
2 e chegou até diante da porta do rei; porque ninguém vestido de pano de saco podia entrar pelas portas do rei.
3 E em todas as províncias aonde a palavra do rei e a sua lei chegavam havia entre os judeus grande luto, com jejum, e choro, e lamentação; e muitos estavam deitados em pano de saco e em cinza.
4 Então, vieram as moças de Ester e os seus eunucos e fizeram-lhe saber, com o que a rainha muito se doeu; e mandou vestes para vestir a Mardoqueu e tirar-lhe o seu silício; porém ele não as aceitou.
5 Então, Ester chamou a Hataque (um dos eunucos do rei, que este tinha posto na presença dela) e deu-lhe mandado para Mardoqueu, para saber que era aquilo e para quê.
6 E, saindo Hataque a Mardoqueu, à praça da cidade que estava diante da porta do rei,
7 Mardoqueu lhe fez saber tudo quanto lhe tinha sucedido, como também a oferta da prata que Hamã dissera que daria para os tesouros do rei pelos judeus, para os lançar a perder.
8 Também lhe deu a cópia da lei escrita que se publicara em Susã para os destruir, para a mostrar a Ester, e lha fazer saber, e para lhe ordenar que fosse ter com o rei, e lhe pedisse, e suplicasse na sua presença pelo seu povo.
9 Veio, pois, Hataque e fez saber a Ester as palavras de Mardoqueu.
10 Então, disse Ester a Hataque e mandou-lhe dizer a Mardoqueu:
11 Todos os servos do rei e o povo das províncias do rei bem sabem que para todo homem ou mulher que entrar ao rei, no pátio interior, sem ser chamado, não há senão uma sentença, a de morte, salvo se o rei estender para ele o cetro de ouro, para que viva; e eu, nestes trinta dias, não sou chamada para entrar ao rei.
12 E fizeram saber a Mardoqueu as palavras de Ester.
13 Então, disse Mardoqueu que tornassem a dizer a Ester: Não imagines, em teu ânimo, que escaparás na casa do rei, mais do que todos os outros judeus.
14 Porque, se de todo te calares neste tempo, socorro e livramento doutra parte virá para os judeus, mas tu e a casa de teu pai perecereis; e quem sabe se para tal tempo como este chegaste a este reino?
15 Então, disse Ester que tornassem a dizer a Mardoqueu:
16 Vai, e ajunta todos os judeus que se acharem em Susã, e jejuai por mim, e não comais nem bebais por três dias, nem de dia nem de noite, e eu e as minhas moças também assim jejuaremos; e assim irei ter com o rei, ainda que não é segundo a lei; e, perecendo, pereço.
17 Então, Mardoqueu foi e fez conforme tudo quanto Ester lhe ordenou.
1 Sucedeu, pois, que, ao terceiro dia, Ester se vestiu de suas vestes reais e se pôs no pátio interior da casa do rei, defronte do aposento do rei; e o rei estava assentado sobre o seu trono real, na casa real, defronte da porta do aposento.
2 E sucedeu que, vendo o rei a rainha Ester, que estava no pátio, ela alcançou graça aos seus olhos; e o rei apontou para Ester com o cetro de ouro, que tinha na sua mão, e Ester chegou e tocou a ponta do cetro.
3 Então, o rei lhe disse: Que é o que tens, rainha Ester, ou qual é a tua petição? Até metade do reino se te dará.
4 E disse Ester: Se bem parecer ao rei, venha o rei e Hamã hoje ao banquete que tenho preparado para o rei.
5 Então, disse o rei: Fazei apressar a Hamã, que cumpra o mandado de Ester. Vindo, pois, o rei e Hamã ao banquete, que Ester tinha preparado,
6 disse o rei a Ester, no banquete do vinho: Qual é a tua petição? E se te dará. E qual é o teu requerimento? E se fará, ainda até metade do reino.
7 Então, respondeu Ester e disse: Minha petição e requerimento é:
8 se achei graça aos olhos do rei, e se bem parecer ao rei conceder-me a minha petição e outorgar-me o meu requerimento, venha o rei com Hamã ao banquete que lhes hei de preparar, e amanhã farei conforme o mandado do rei.
9 Então, saiu Hamã, naquele dia, alegre e de bom ânimo; porém, vendo Hamã a Mardoqueu à porta do rei e que não se levantara nem se movera diante dele, então, Hamã se encheu de furor contra Mardoqueu.
10 Hamã, porém, se refreou e veio à sua casa; e enviou e mandou vir os seus amigos e a Zeres, sua mulher.
11 E contou-lhes Hamã a glória das suas riquezas, e a multidão de seus filhos, e tudo em que o rei o tinha engrandecido, e aquilo em que o tinha exaltado sobre os príncipes e servos do rei.
12 Disse mais Hamã: Tampouco a rainha Ester a ninguém fez vir com o rei ao banquete que tinha preparado, senão a mim; e também para amanhã estou convidado por ela juntamente com o rei.
13 Porém tudo isso não me satisfaz, enquanto vir o judeu Mardoqueu assentado à porta do rei.
14 Então, lhe disse Zeres, sua mulher, e todos os seus amigos: Faça-se uma forca de cinqüenta côvados de altura, e amanhã dize ao rei que enforquem nela Mardoqueu e, então, entra alegre com o rei ao banquete. E esse conselho bem pareceu a Hamã, e mandou fazer a forca.
Ester capítulos 4 e 5