Já se destacaram algumas circunstâncias notáveis nos capítulos anteriores deste livro. Continuaremos vendo agora como os acontecimentos vão sendo dirigidos por Deus para que seus desígnios para a preservação do Seu povo sejam cumpridos.
O fato que o rei não conseguia dormir nessa noite foi decisivo na história do povo de Israel e também para o império persa no que tange ao seu relacionamento com ele. Decerto não fora a primeira vez que lhe faltara o sono, mas agora ele resolveu passar o tempo ouvindo a leitura das crônicas do seu reinado.
O leitor foi ler justamente o relato da ocorrência algum tempo atrás quando Mardoqueu havia salvo a vida do rei denunciando dois dos seus oficiais que haviam conspirado a assassiná-lo.
Ao ouvir isto, o rei não se lembrava de que maneira havia agradecido Mardoqueu, e perguntou aos seus oficiais, que então lhe informaram que nada havia sido feito. Parece curioso que o tempo houvesse passado sem que qualquer providência nesse sentido tivesse sido tomada, mas sabemos que contribuiu para que tudo acontecesse na hora certa.
O rei nesse instante ouviu alguém no seu pátio e, ao ser informado que era Hamã, mandou que ele entrasse. O rei queria honrar Mardoqueu para mostrar o seu agradecimento, e julgou que Hamã seria a pessoa indicada para aconselhá-lo sobre a melhor forma de fazer isso. Ele chegara na hora certa.
Hamã, que por sua vez talvez também dormira pouco ou nada naquela noite, consumido pela sua cólera enquanto construíam a forca que ele destinava ao Mardoqueu, logo às primeiras horas do dia havia corrido para obter a aprovação do rei ao enforcamento e assim conseguir a sua vingança o mais cedo possível.
Surgiu então um grande mal-entendido. O rei perguntou a Hamã como se deveria fazer ao homem que o rei tem o prazer de honrar. Era uma questão de princípio, e o rei não disse o nome da pessoa que tinha em mente.
Hamã, que até aquele momento tinha sido o favorito do rei, logo pensou que se tratava dele próprio, e imediatamente descreveu as homenagens que, em sua vaidade, ele mais almejava. O que ele disse revela muito da sua ambição, que provavelmente era a de substituir o rei no trono - seria apenas mais um passo a tomar, já que ocupava a mais alta posição no reino depois do rei.
Ele portanto pediu que fosse coberto com o manto real, que montasse no cavalo do rei com o brasão real na cabeça, e que fosse conduzido pelas ruas da cidade por alguns dos príncipes do rei, proclamando diante dele "Isto é o que se faz ao homem que o rei tem o prazer de honrar." Seria uma maneira de preparar o povo para o dia quando ele mesmo fosse o rei.
Teria o rei suspeitado disso? Se não o fez na hora, sem dúvida lhe viria à lembrança mais tarde quando Ester revelou a infâmia que Hamã havia cometido contra o seu povo.
Por enquanto, o rei apenas disse a Hamã que fosse depressa apanhar o manto e o cavalo e fizesse ao judeu Mardoqueu o que ele havia sugerido. Ele estava assentado no lugar que lhe competia, junto à porta do palácio (não estava mais de luto), e Hamã não deveria omitir nada do que recomendara ao rei.
Foi, sem dúvida, uma grande humilhação para Hamã e não havia sobrado a menor justificação para ele pedir ao rei que condenasse Mardoqueu à morte. Ao contrário, ele fora obrigado a apregoar por toda a cidade que o rei tinha prazer em honrar Mardoqueu.
Ao invés de Mardoqueu ser condenado porque não mostrava respeito a Hamã, Hamã teve que proclamar que o próprio rei homenageava Mardoqueu! Hamã estava arruinado porque Mardoqueu era judeu, e isso sua mulher e seus amigos logo reconheceram quando ele voltou para casa e contou tudo.
Hamã teve pouco tempo para refletir nisso - imediatamente os servos do rei vieram buscá-lo para o banquete que Ester estava dando ao rei e ao qual ele deveria comparecer. O grande Hamã estava agora cumprindo ordens e sendo levado às pressas para a presença da rainha, sua mais poderosa inimiga, sem que ele sequer o suspeitasse.
Ele compareceu ao banquete tomado por fortes emoções. Por um lado envaidecido porque somente ele havia sido convidado pela rainha para um banquete com o rei, por outro mortificado pela honra que fora obrigado a prestar a Mardoqueu.
Ester, se é que ela veio a saber do ocorrido entre Hamã e Mardoqueu, o que é mais do que provável, estaria agora mais confiante do que antes em ser atendida favoravelmente pelo rei. Mas precisava de continuar a ser cautelosa com a maneira de apresentar a sua causa.
Mais uma vez o rei perguntou a Ester qual era o seu pedido, e que dissesse qual era o seu desejo, pois lhe daria até a metade do seu reino. Já era a terceira vez que o rei fazia isso - sem dúvida estava muito curioso para saber.
Então ela fez o seu apelo - pediu que o rei poupasse a sua vida e a do seu povo. Disse ainda que, se fosse apenas o caso de terem sido vendidos como escravos, ela estaria disposta a suportar essa aflição sem perturbar o rei. Note-se que ela até aí não mencionou o nome de Hamã, falando num sentido geral, assim como antes o rei havia falado com Hamã sobre as honras destinadas a Mardoqueu.
O rei imediatamente tomou o lado dela e perguntou: "Quem se atreveu a uma coisa dessas? Onde está ele?" Sem dúvida estava muito irado e disposto a castigar severamente o culpado. Teria ele já conhecimento do decreto feito em seu nome contra os judeus por Hamã? Se assim fosse, não seria agora difícil para ele deduzir que ela era judia e o culpado era Hamã. Mas ele exigiu que ela própria o denunciasse. E foi o que ela fez, corajosamente, com o poderoso Hamã presente diante dela.
O rei ficou grandemente perturbado. Aquele homem em quem ele havia depositado toda a sua confiança e exaltado até a mais alta posição no país, que ele considerava como seu amigo e aliado, era um traidor. Decerto ele se lembrou outra vez das honras que Hamã havia pedido quando pensava que eram para si, e percebeu a extensão da sua falsidade. O rei saiu furioso para o jardim.
Hamã viu que o rei já estava disposto a executá-lo, então implorou por sua vida a Ester, caindo sobre o assento onde ela reclinava. Nesse momento o rei voltou e interpretou mal a posição de Hamã, julgando que ele queria violentar a rainha e clamou contra ele.
Os oficiais do rei imediatamente cobriram o rosto de Hamã (o que se fazia aos condenados à morte), e sugeriram ao rei que Hamã fosse enforcado na forca que havia construído para Mardoqueu. O rei ordenou que o fizessem, e Hamã foi enforcado imediatamente, assim acalmando a ira do rei.
As pessoas mais arrogantes são freqüentemente as que medem seu valor próprio em função do poder ou influência que pensam ter sobre outros. Hamã era um destes. Fora o rei, ele considerava todos os outros como inferiores.
Ele odiou e procurou destruir Mardoqueu e o seu povo porque Mardoqueu se recusou a prostrar-se diante dele. Mardoqueu colocava a obediência à lei de Deus acima das exigências de Hamã. Enquanto Ester arriscava tudo pelo seu povo, e venceu, Hamã dedicou-se a um mau propósito e perdeu.
Concluímos, acertadamente, que Hamã recebeu o que ele merecia. Mas devemos nos perguntar:
Quanto tenho de Hamã em mim?
Tenho por ambição controlar os outros?
Sinto-me ameaçado quando outros não me dão o valor que acho que mereço?
Procuro me vingar quando meu orgulho é ferido?
Devemos confessar tais atitudes a Deus e pedir que Ele os substitua com uma atitude de perdão. Senão, más conseqüências virão.
Capítulo 6:
1 Naquela mesma noite, fugiu o sono do rei; então, mandou trazer o livro das memórias das crônicas, e se leram diante do rei.
2 E achou-se escrito que Mardoqueu tinha dado notícia de Bigtã e de Teres, dois eunucos do rei, dos da guarda da porta, de que procuraram pôr as mãos sobre o rei Assuero.
3 Então, disse o rei: Que honra e galardão se deu por isso a Mardoqueu? E os jovens do rei, seus servos, disseram: Coisa nenhuma se lhe fez.
4 Então, disse o rei: Quem está no pátio? E Hamã tinha entrado no pátio exterior do rei, para dizer ao rei que enforcassem a Mardoqueu na forca que lhe tinha preparado.
5 E os jovens do rei lhe disseram: Eis que Hamã está no pátio. E disse o rei que entrasse.
6 E, entrando Hamã, o rei lhe disse: Que se fará ao homem de cuja honra o rei se agrada? Então, Hamã disse no seu coração: De quem se agradará o rei para lhe fazer honra mais do que a mim?
7 Pelo que disse Hamã ao rei: Quanto ao homem de cuja honra o rei se agrada,
8 traga a veste real de que o rei se costuma vestir, monte também o cavalo em que o rei costuma andar montado, e ponha-se-lhe a coroa real na sua cabeça;
9 e entregue-se a veste e o cavalo à mão de um dos príncipes do rei, dos maiores senhores, e vistam dele aquele homem de cuja honra se agrada; e levem-no a cavalo pelas ruas da cidade, e apregoe-se diante dele: Assim se fará ao homem de cuja honra o rei se agrada!
10 Então, disse o rei a Hamã: Apressa-te, toma a veste e o cavalo, como disseste, e faze assim para com o judeu Mardoqueu, que está assentado à porta do rei; e coisa nenhuma deixes cair de tudo quanto disseste.
11 E Hamã tomou a veste e o cavalo, e vestiu a Mardoqueu, e o levou a cavalo pelas ruas da cidade, e apregoou diante dele: Assim se fará ao homem de cuja honra o rei se agrada!
12 Depois disso, Mardoqueu voltou para a porta do rei; porém Hamã se retirou correndo a sua casa, angustiado e coberta a cabeça.
13 E contou Hamã a Zeres, sua mulher, e a todos os seus amigos tudo quanto lhe tinha sucedido. Então, os seus sábios e Zeres, sua mulher, lhe disseram: Se Mardoqueu, diante de quem já começaste a cair, é da semente dos judeus, não prevalecerás contra ele; antes, certamente cairás perante ele.
14 Estando eles ainda falando com ele, chegaram os eunucos do rei e se apressaram a levar Hamã ao banquete que Ester preparara.
Capítulo 7
1 Vindo, pois, o rei com Hamã, para beber com a rainha Ester,
2 disse também o rei a Ester, no segundo dia, no banquete do vinho: Qual é a tua petição, rainha Ester? E se te dará. E qual é o teu requerimento? Até metade do reino se fará.
3 Então, respondeu a rainha Ester e disse: Se, ó rei, achei graça aos teus olhos, e se bem parecer ao rei, dê-se-me a minha vida como minha petição e o meu povo como meu requerimento.
4 Porque estamos vendidos, eu e o meu povo, para nos destruírem, matarem e lançarem a perder; se ainda por servos e por servas nos vendessem, calar-me-ia, ainda que o opressor não recompensaria a perda do rei.
5 Então, falou o rei Assuero e disse à rainha Ester: Quem é esse? E onde está esse cujo coração o instigou a fazer assim?
6 E disse Ester: O homem, o opressor e o inimigo é este mau Hamã. Então, Hamã se perturbou perante o rei e a rainha.
7 E o rei, no seu furor, se levantou do banquete do vinho para o jardim do palácio; e Hamã se pôs em pé, para rogar à rainha Ester pela sua vida; porque viu que já o mal lhe era determinado pelo rei.
8 Tornando, pois, o rei do jardim do palácio à casa do banquete do vinho, Hamã tinha caído prostrado sobre o leito em que estava Ester. Então, disse o rei: Porventura, quereria ele também forçar a rainha perante mim nesta casa? Saindo essa palavra da boca do rei, cobriram a Hamã o rosto.
9 Então, disse Harbona, um dos eunucos que serviam diante do rei: Eis que também a forca de cinqüenta côvados de altura que Hamã fizera para Mardoqueu, que falara para bem do rei, está junto à casa de Hamã. Então, disse o rei: Enforcai-o nela.
10 Enforcaram, pois, a Hamã na forca que ele tinha preparado para Mardoqueu. Então, o furor do rei se aplacou.
Ester capítulos 6 e 7