Cereal era de importância vital naqueles dias: não só era essencial para os animais, mas era também o alimento principal do povo, pois continha toda a nutrição necessária e podia ser secado e conservado por muito mais tempo do que verduras, lacticínios ou carne. Era tão valioso que em alguns lugares era usado como moeda.
A seca chegou até a terra de Canaã, e Jacó, sabedor que havia mantimento no Egito, mandou aos seus filhos que fossem até lá para comprar o que precisavam, ao invés de ficarem parados olhando uns para os outros, esperando que algo acontecesse.
O caçula, Benjamim, não foi com eles pois Jacó temia que algum mal lhes acontecesse no caminho. Benjamim era, segundo ele pensava, o único sobrevivente de sua querida esposa Raquel e decerto havia tomado o lugar de José em sua afeição.
Como todo o mundo, ao chegarem ao Egito eles foram obrigados a ter uma entrevista com o governador geral, para negociar a compra. Humildemente, eles se prostraram diante daquele poderoso personagem.
José os reconheceu imediatamente, mas, lembrando-se de como eles o haviam detestado e sido extremamente cruéis com ele, não se deu a conhecer e falou muito asperamente com eles (os egípcios tratavam mal os hebreus - 43:32), na língua egípcia, através de um intérprete (v.23).
Seus irmãos não reconheceram José: eles já imaginavam que ele estaria morto, pois os escravos não costumavam sobreviver por muito tempo aos maus tratos que recebiam; além disso, já se haviam passado quase vinte anos, e José estava barbeado e vestido como um egípcio, falava como os egípcios, e estava em uma posição tão alta naquele mundo - eles nunca sonhariam encontrá-lo ali.
Vendo seus irmãos prostrados diante dele, José lembrou-se dos sonhos que tivera a respeito deles (capítulo 37:5-10), que agora se cumpriam. Contudo, ele se controlou bem e, sabiamente, resolveu testá-los primeiro antes de dizer-lhes quem ele realmente era.
Acusando-os de ser espiões, José os colocou em posição de réus, tendo que se defender para não serem condenados à morte. Devido à sua posição plenipotenciária, José era tanto acusador como juiz.
Em sua defesa, eles declararam que eram homens honestos, sem saber que era justamente sua honestidade que José punha em dúvida e queria verificar, pois ele os conhecia anteriormente como malfeitores e mentirosos.
Eles declararam ainda que eram filhos de um só homem, que originalmente eram doze, que o mais novo estava com seu pai, e que o outro já não existia mais (José deve ter rido por dentro ao ouvir isto).
Ansioso para ver seu irmão Benjamim outra vez, e talvez para se certificar que eles não o haviam tratado mal como a ele próprio, José continuou insistindo que eram espiões, a não ser que provassem ser verdade o que estavam dizendo: eles deveriam escolher um dentre eles para ir buscar seu irmão mais novo, e os outros ficariam presos até que a prova fosse obtida. E para aumentar seu medo, ele os colocou no cárcere por três dias.
José enfrentou-os outra vez ao terceiro dia, e abrandou sua exigência, para que vivessem, declarando que temia a Deus.
Ele decerto refletiu que não era necessária tanta severidade com seus irmãos, que o caminho era longo e perigoso e se um só dos seus irmãos fosse para buscar Benjamim o risco seria grande. Eles precisavam das provisões para suas famílias, e seria mais prudente que fossem nove, deixando um só para trás. A lealdade deles para com o que ficasse, também seria provada dessa forma.
Naqueles tempos deveria haver outras pessoas além da família de Jacó que temiam a Deus, mas os egípcios e os cananeus eram idólatras, tendo muitos deuses. A declaração de José deveria ter despertado a curiosidade de seus irmãos, mas parece que eles não estavam atentos, ou não se interessavam em "religião". José não perdia oportunidade em mencionar o seu Deus, a quem temia e obedecia. Seus irmãos podiam esperar ser tratados com justiça por causa disto.
Portanto, ao invés de ficarem nove presos, como havia dito antes, José agora concede que um só fique detido, como refém, e os demais regressem aos seus lares, levando as provisões que tinham vindo comprar. Depois, para não morrer, eles deveriam voltar, trazendo com eles seu irmão mais novo como prova de sua honestidade. Eles se dispuseram a fazer o que José exigia.
Eles se lembraram do que haviam feito a José, revelando entre eles que sentiam remorso ao se lembrarem da angústia dele quando falaram em matá-lo, e depois, quando o venderam como escravo. Rúben recordou que os havia prevenido contra o que fizeram e disse que agora eles teriam que pagar pelo sangue de José.
José entendeu tudo, sem que eles soubessem, e teve que se afastar deles para esconder sua emoção. Depois voltou, tomou Simeão como refém e o algemou na presença deles. Simeão era o segundo filho de Jacó, o que havia liderado o massacre de Siquém, com Levi (capítulo 34:25). A escolha foi provavelmente dos seus irmãos, mas não sabemos porque Simeão foi escolhido.
Generoso, José mandou que lhes enchessem os sacos de cereal, que lhes restituíssem o dinheiro do pagamento escondendo-o dentro dos sacos, e que lhes suprissem de comida para a viagem.
Mas ao descobrirem o dinheiro nos sacos, seus irmãos, atemorizados, não sabiam a razão e pensaram que alguma coisa terrível estava para acontecer: por exemplo, seriam eles acusados de roubo por aquele feroz governador do Egito? Suas consciências pesadas faziam-nos pensar que Deus os estava julgando pelo mal que haviam cometido.
Voltando para casa, contaram tudo ao seu pai, e ele também teve medo.
O pobre Jacó, já bem velho, teve que enfrentar mais uma crise em sua vida, por causa de seus filhos. Ele mergulhou no pessimismo, refletindo que (segundo ele pensava) José já não existia, Simeão não estava mais com ele, e agora queriam levar embora seu querido Benjamim.
Seu filho mais velho, Rúben, ansioso para voltar ao Egito e libertar seu irmão, disse a Jacó que podia matar seus dois filhos se ele não trouxesse de volta Benjamim. Ele tinha certeza que ia dar certo.
Mas Jacó não estava disposto a arriscar a perda de Benjamim. Se ele sofresse algum desastre no caminho, Jacó declarou que morreria de tristeza.
1 Vendo, então, Jacó que havia mantimento no Egito, disse Jacó a seus filhos: Por que estais olhando uns para os outros?
2 Disse mais: Eis que tenho ouvido que há mantimento no Egito; descei até lá e comprai-nos trigo, para que vivamos e não morramos.
3 Então, desceram os dez irmãos de José, para comprarem trigo no Egito.
4 A Benjamim, porém, irmão de José, não enviou Jacó com os seus irmãos, porque dizia: Para que lhe não suceda, porventura, algum desastre.
5 Assim, vieram os filhos de Israel para comprar, entre os que vinham lá; porque havia fome na terra de Canaã.
6 José, pois, era o governador daquela terra; ele vendia a todo o povo da terra; e os irmãos de José vieram e inclinaram-se ante ele com a face na terra.
7 E José, vendo os seus irmãos, conheceu-os; porém mostrou-se estranho para com eles, e falou com eles asperamente, e disse-lhes: Donde vindes? E eles disseram: Da terra de Canaã, para comprarmos mantimento.
8 José, pois, conheceu os seus irmãos; mas eles não o conheceram.
9 Então, José lembrou-se dos sonhos que havia sonhado deles e disse-lhes: Vós sois espias e viestes para ver a nudez da terra.
10 E eles lhe disseram: Não, senhor meu; mas teus servos vieram a comprar mantimento.
11 Todos nós somos filhos de um varão; somos homens de retidão; os teus servos não são espias.
12 E ele lhes disse: Não; antes, viestes para ver a nudez da terra.
13 E eles disseram: Nós, teus servos, somos doze irmãos, filhos de um varão da terra de Canaã; e eis que o mais novo está com nosso pai, hoje; mas um já não existe.
14 Então, lhes disse José: Isso é o que vos tenho dito, dizendo que sois espias.
15 Nisto sereis provados: pela vida de Faraó, não saireis daqui senão quando vosso irmão mais novo vier aqui.
16 Enviai um dentre vós, que traga vosso irmão; mas vós ficareis presos, e vossas palavras serão provadas, se há verdade convosco; e, se não, pela vida de Faraó, vós sois espias.
17 E pô-los juntos em guarda três dias.
18 E, ao terceiro dia, disse-lhes José: Fazei isso e vivereis, porque eu temo a Deus.
19 Se sois homens de retidão, que fique um de vossos irmãos preso na casa de vossa prisão; e, vós, ide, levai trigo para a fome de vossa casa.
20 E trazei-me o vosso irmão mais novo, e serão verificadas vossas palavras, e não morrereis. E eles assim fizeram.
21 Então, disseram uns aos outros: Na verdade, somos culpados acerca de nosso irmão, pois vimos a angústia de sua alma, quando nos rogava; nós, porém, não ouvimos; por isso, vem sobre nós esta angústia.
22 E Rúben respondeu-lhes, dizendo: Não vo-lo dizia eu, dizendo: Não pequeis contra o moço? Mas não ouvistes; e, vedes aqui, o seu sangue também é requerido.
23 E eles não sabiam que José os entendia, porque havia intérprete entre eles.
24 E retirou-se deles e chorou. Depois, tornou a eles, falou-lhes, tomou a Simeão dentre eles e amarrou-o perante os seus olhos.
25 E ordenou José que enchessem os seus sacos de trigo, e que lhes restituíssem o seu dinheiro, a cada um no seu saco, e lhes dessem comida para o caminho; e fizeram-lhes assim.
26 E carregaram o seu trigo sobre os seus jumentos e partiram dali.
27 E, abrindo um deles o seu saco, para dar pasto ao seu jumento na venda, viu o seu dinheiro; porque eis que estava na boca do seu saco.
28 E disse a seus irmãos: Devolveram o meu dinheiro, e ei-lo mesmo aqui no meu saco. Então, lhes desfaleceu o coração, e pasmavam, dizendo um ao outro: Que é isto que Deus nos tem feito?
29 E vieram para Jacó, seu pai, na terra de Canaã; e contaram-lhe tudo o que lhes aconteceu, dizendo:
30 O varão, o senhor da terra, falou conosco asperamente e tratou-nos como espias da terra.
31 Mas dissemos-lhe: Somos homens de retidão; não somos espias;
32 somos doze irmãos, filhos de nosso pai; um não é mais, e o mais novo está hoje com nosso pai na terra de Canaã.
33 E aquele varão, o senhor da terra, nos disse: Nisto conhecerei que vós sois homens de retidão: deixai comigo um de vossos irmãos, e tomai para a fome de vossas casas, e parti;
34 e trazei-me vosso irmão mais novo; assim, saberei que não sois espias, mas homens de retidão; então, vos darei o vosso irmão, e negociareis na terra.
35 E aconteceu que, despejando eles os seus sacos, eis que cada um tinha a trouxinha com seu dinheiro no seu saco; e viram as trouxinhas com seu dinheiro, eles e seu pai, e temeram.
36 Então, Jacó, seu pai, disse-lhes: Tendes-me desfilhado: José já não existe, e Simeão não está aqui, e, agora, levareis a Benjamim! Todas estas coisas vieram sobre mim.
37 Mas Rúben falou a seu pai, dizendo: Mata os meus dois filhos, se to não tornar a trazer; dá-mo em minha mão, e to tornarei a trazer.
38 Ele, porém, disse: Não descerá meu filho convosco, porquanto o seu irmão é morto, e só ele ficou. Se lhe sucede algum desastre no caminho por onde fordes, fareis descer minhas cãs com tristeza à sepultura.
Gênesis capítulo 42