Neste capítulo lemos sobre a morte de Sara, e as complicadas negociações que Abraão enfrentou para comprar um lugar em Canaã para lhe dar uma sepultura.
Ela morreu em Quiriate-Arba (cidade de Arba, que foi pai de Enaque, cujos descendentes foram chamados enaquins, gigantes que viviam ao sul de Canaã, encontrados pelos espias hebreus séculos mais tarde - Números 13:33) - segundo os estudiosos Hebrom foi o nome inicial, mudando para Quiriate-Arba depois de ter sido conquistada por Arba, liderando sua tribo. Voltou a ser chamada Hebrom após sua conquista pelos israelitas.
Nos tempos de Abraão, a morte e o sepultamento de uma pessoa estavam envolvidos em importantes rituais e tradições: deixar de cumpri-los seria uma grande falta de respeito, equivalente a uma maldição. Parentes e amigos se reuniam para choros e lamentações, que formavam parte essencial deste ritual, para serem ouvidos por toda a vizinhança.
Abraão estava na terra prometida, mas legalmente ela ainda não era dele. Os heteus, ou hititas, que moravam em Hebrom e seus arredores mantinham seus quinhões de terra de forma hereditária, não sendo costume vender qualquer parte a estrangeiros que morassem entre eles, como Abraão.
No entanto Abraão quis que ela fosse sepultada ali, porque o futuro de sua descendência estava naquela terra.
Atendendo ao pedido humilde de Abraão, eles lhe ofereceram, de graça, o uso de uma das suas melhores sepulturas. Notemos o respeito que tinham por Abraão, a quem chamaram de príncipe de Deus: sua reputação era excelente.
Mas Abraão não quis emprestar uma de suas sepulturas, por melhor que fosse: ele insistiu em adquirir uma caverna para esse fim. O que se passa nos lembra o episódio logo depois da libertação de Ló, em que o rei de Sodoma lhe ofereceu todo o despojo, mas Abraão recusou e disse "para que não digas: Eu enriqueci a Abraão". Ele e sua família haviam se separado do mundo para obedecer aos planos de Deus, eles eram estrangeiros no meio deste povo, e não lhes convinha participar das suas propriedades, mesmo depois da morte.
O intercâmbio que se seguiu entre Abraão e o proprietário da caverna nos dá um exemplo interessante de como uma compra e venda de imóvel se realizava naquele tempo. A cortesia demonstrada é surpreendente para nós, ocidentais, mas ainda é encontrada no oriente médio.
Abraão não foi diretamente ao proprietário, mas dirigiu-se ao povo para primeiro obter sua aprovação e intercessão junto a ele: Abraão declarou que queria pagar o preço justo pela caverna.
O proprietário, Efrom, então veio até o lugar onde se faziam os negócios, à porta da cidade, e se assentou no meio do povo que se ajuntava ali: estas eram as testemunhas. Fez uma proposta, então, que parecia mais que generosa: de forma alguma ia vender a caverna, mas sim dar a Abraão, não só a caverna, mas também o campo onde ela se encontrava.
Observemos que ele fez do campo uma parte integrante da transação: segundo os estudiosos, as leis daquela época exigiam que ele pagasse um imposto sobre o valor do campo se ele não fosse alienado junto com a caverna. Seria também um insulto para ele se Abraão, rico como era, aceitasse sua generosa oferta, e todos estavam bem a par disso.
Seguindo os usos e costumes daquele meio, Abraão respondeu inclinando-se diante do povo e declarando que, se Efrom de fato concordava em desfazer-se do terreno (com a caverna), ele queria pagar o preço do campo.
Efrom retrucou educadamente que o preço não era importante, mas não deixou de dizer o que era. Decerto ele declarou bem mais do que realmente valia, esperando que Abraão fizesse uma contra-oferta. Mas Abraão, generosamente, não estava disposto a pechinchar, e imediatamente pagou-lhe o preço estipulado.
Abraão assim obteve legalmente o direito ao campo onde sepultou Sara, dentro da caverna: posteriormente, tanto ele próprio como Isaque, Rebeca, Lia e Jacó foram sepultados ali (25:9; 49:31; 50:13).
Mais recentemente, os árabes muçulmanos, que se consideram descendentes de Abraão através de Ismael, construíram uma mesquita sobre a caverna, que ainda se encontra lá, no centro da atual cidade de Hebrom.
1 E foi a vida de Sara cento e vinte e sete anos; estes foram os anos da vida de Sara.
2 E morreu Sara em Quiriate-Arba, que é Hebrom, na terra de Canaã; e veio Abraão lamentar a Sara e chorar por ela.
3 Depois, se levantou Abraão de diante do seu morto e falou aos filhos de Hete, dizendo:
4 Estrangeiro e peregrino sou entre vós; dai-me possessão de sepultura convosco, para que eu sepulte o meu morto de diante da minha face.
5 E responderam os filhos de Hete a Abraão, dizendo-lhe:
6 Ouve-nos, meu senhor: príncipe de Deus és no meio de nós; enterra o teu morto na mais escolhida de nossas sepulturas; nenhum de nós te vedará a sua sepultura, para enterrares o teu morto.
7 Então, se levantou Abraão e inclinou-se diante do povo da terra, diante dos filhos de Hete.
8 E falou com eles, dizendo: Se é de vossa vontade que eu sepulte o meu morto de diante de minha face, ouvi-me e falai por mim a Efrom, filho de Zoar.
9 Que ele me dê a cova de Macpela, que tem no fim do seu campo; que ma dê pelo devido preço em posse de sepulcro no meio de vós.
10 Ora, Efrom estava no meio dos filhos de Hete; e respondeu Efrom, heteu, a Abraão, aos ouvidos dos filhos de Hete, de todos os que entravam pela porta da sua cidade, dizendo:
11 Não, meu senhor; ouve-me: o campo te dou, também te dou a cova que nele está; diante dos olhos dos filhos do meu povo ta dou; sepulta o teu morto.
12 Então, Abraão se inclinou diante da face do povo da terra
13 e falou a Efrom, aos ouvidos do povo da terra, dizendo: Mas, se tu estás por isto, ouve-me, peço-te: o preço do campo o darei; toma-o de mim, e sepultarei ali o meu morto.
14 E respondeu Efrom a Abraão, dizendo-lhe:
15 Meu senhor, ouve-me: a terra é de quatrocentos siclos de prata; que é isto entre mim e ti? Sepulta o teu morto.
16 E Abraão deu ouvidos a Efrom e Abraão pesou a Efrom a prata de que tinha falado aos ouvidos dos filhos de Hete, quatrocentos siclos de prata, correntes entre mercadores.
17 Assim, o campo de Efrom, que estava em Macpela, em frente de Manre, o campo e a cova que nele estava, e todo o arvoredo que no campo havia, que estava em todo o seu contorno ao redor,
18 se confirmaram a Abraão em possessão diante dos olhos dos filhos de Hete, de todos os que entravam pela porta da sua cidade.
19 E, depois, sepultou Abraão a Sara, sua mulher, na cova do campo de Macpela, em frente de Manre, que é Hebrom, na terra de Canaã.
20 Assim, o campo e a cova que nele estava se confirmaram a Abraão, em possessão de sepultura pelos filhos de Hete.
Gênesis capítulo 23