Concluída a primeira série de discursos, cada amigo, na mesma ordem, insistiu mais em seu argumento, e Jó respondeu a cada um. Nesta rodada eles não apelaram para o arrependimento, mas usaram expressões fortes de condenação. Isso só tornou Jó mais teimoso do que antes.
Agora foi a vez de Elifaz, que tinha falado antes sobre um sonho e uma visão que teve. Pensou que tinha tido uma experiência marcante e devia ser ouvido.
Muitos dos testemunhos dados em nossos dias têm pouco valor, porque baseiam a verdade na experiência. Em primeiro lugar, devíamos ter a Verdade, que é a Palavra de Deus, e a experiência devia derivar dela. Muitas experiências não coincidem com a Palavra de Deus, mas as pessoas parecem dar-lhes mais crédito.
Desta vez, Elifaz foi mais rude, mais enérgico e mais ameaçador, mas não disse nada de novo. Começou com desdém dizendo que as palavras de Jó eram vazias e inúteis: procediam apenas de vão conhecimento, como o vento leste (quente e seco, fazendo mais mal do que bem), raciocinando com uma conversa inútil, e fazendo discursos que não eram de utilidade para ninguém.
Elifaz havia dado pouca atenção ao que Jó tinha dito, e agora estava a atacá-lo para tentar quebrá-lo e fazê-lo confessar. Não era a maneira de tratar um homem com problemas como os que Jó tinha. As palavras ousadas com que Jó desafiara a Deus podia torná-lo vulnerável à acusação de "destruir a reverência (a Deus)”, mas não era verdade que ele estava “escolhendo a língua dos astutos”. Na verdade, Jó era muito franco e autocrítico, e certamente não era um hipócrita.
Ninguém pode declarar-se justo diante de Deus, mas Jó estava confuso, porque não sabia o verdadeiro motivo do seu sofrimento, e queria conhecê-lo. A sua consciência estava limpa em que, tanto quanto soubesse, não tinha desagradado a Deus de alguma forma.
Em seguida Elifaz acusou Jó de arrogância em pensar que só ele era sábio e que sabia e entendia mais do que os outros. Teria ele ouvido o conselho de Deus? Elifaz aqui estaria insinuando que ele próprio ouvira, por causa da visão que teve. Acrescentou que entre eles estavam os de cabelos grisalhos e os idosos, mais idosos do que o próprio pai de Jó. (Esta é uma indicação de quão cedo na história foi o tempo de Jó, quando os homens viviam por muito mais tempo do que agora).
É revelador que Elifaz considerou os discursos anteriores dirigidos a Jó como "consolações de Deus" e "palavra falada benignamente". Obviamente lhe faltava um coração compassivo para um genuíno aconselhamento.
Continuando, Elifaz repetiu seus conceitos anteriores sobre a grande santidade de Deus, e disse que Deus não confiava em seus santos, nem o céu era puro aos seus olhos. Assim como pode o homem ser puro, sendo abominável e corrupto? Como podia Jó, então, voltar seu espírito contra Deus e falar dessa maneira?
Mas Jó nunca negara que fosse um homem pecador. É verdade que todos os homens são pecadores, mas Elifaz e seus amigos disseram isto com a premissa básica de que Jó tinha cometido um pecado muito terrível, e que deveria descobri-lo e admiti-lo.
Voltando-se para a antiga tradição dos pais, Elifaz descreveu a dor por que passa um homem mau na vida. Aqui há outra vez a sugestão de que Jó é perverso e está escondendo alguma coisa deles.
Ele e seus amigos nada sabiam que provasse que Jó fosse mais pecaminoso do que eles próprios. Não era justo aplicar a pecaminosidade geral a Jó mais do que a si mesmos. Este discurso era mais parecido com o falar dos astutos do que todos os protestos feitos por Jó. Teria sido melhor se Elifaz tomasse seu lugar ao lado de Jó e confessasse que ele também era "abominável e corrupto”. Jó poderia ter reagido favoravelmente a essa simpatia.
Jó firmemente rejeitou o parecer emitido por Elifaz e chamou todos os seus amigos de "consoladores molestos”. Estava cansado de ter de ouvir outro discurso - por que se dignavam em responder-lhe?
Se fosse invertida a sua situação, poderia facilmente fazer discursos e repreensão como eles faziam com ele agora. Mas não seria como eles, preferiria falar para fortalecê-los e aliviá-los de seu sofrimento.
Jó era um homem de Deus . Séculos mais tarde, outro homem de Deus, Paulo, foi inspirado pelo Espírito Santo a escrever: "Irmãos, se alguém for surpreendido em algum pecado, vocês, que são espirituais, deverão restaurá-lo com mansidão. Cuide-se, porém, cada um para que também não seja tentado.” Gálatas 6:1 ( NVI ). Temos que restaurar essa pessoa com espírito de mansidão, que foi ilustrado por nosso Senhor, quando lavou os pés daqueles que eram Seus discípulos. Devemos “lavar os pés” uns dos outros.
Jó explicou que não tinha recebido qualquer alívio ao expressar as suas queixas, e não podia esperar socorro se tivesse permanecido em silêncio. Deus o tinha deixado exausto, mas eles o abandonaram e envelheceram.
Estes homens que supostamente eram seus amigos, eram como o ímpio, tratando-o como um inimigo. Pensavam que estavam defendendo a Deus, mas em fazê-lo, eram injustos e até mesmo brutais em suas acusações contra Jó, e tudo isso apesar do fato de que ele não era culpado de qualquer injustiça.
Jó sabia que Deus havia permitido que isso acontecesse com ele. Usando expressivos termos poéticos, ele descreve o seu sofrimento e angústia nas mãos de seu “inimigo". Sem estar ciente disto naquele momento, Jó descreveu exatamente o que estava acontecendo: na verdade, Deus o pôs à prova nas mãos do inimigo, Satanás, a fim de que sua fé pudesse ser provada. Ele estava sendo provado até o fim da sua resistência. Não estava sendo punido como os amigos insistiam, pois, como ele mesmo disse: "não há violência em minhas mãos e minha oração é pura ... Eis que mesmo mesmo agora a minha testemunha está no céu, e o meu fiador nas alturas."
Alguma da linguagem encontrada nos versículos 9 a 19 é empregada nos Salmos com referência ao Messias. Temos portanto justificação para aplicá-la aos sofrimentos de Cristo, mesmo que este não seja o sentido primário. Ambos eram inocentes, e sofreram nas mãos do mesmo inimigo, embora por razões muito diferentes.
Jó já tinha costurado saco sobre a sua pele em preparação para a morte. Sua aparência era de um homem desesperadamente doente. Desejava a morte, falava sobre isso como se fosse um alívio para o sofrimento, no entanto a evitou. Deve ter pensado que estava bem no limiar da morte, durante todo esse tempo. Mas a verdade nos foi dita desde o início, que Satanás não tinha permissão para matá-lo. Sua vida estava segura.
Jó, capítulo 15
1 Então respondeu Elifaz, o temanita:
2 Porventura responderá o sábio com ciência de vento? E encherá do vento oriental o seu ventre,
3 argüindo com palavras que de nada servem, ou com razões com que ele nada aproveita?
4 Na verdade tu destróis a reverência, e impedes a meditação diante de Deus.
5 Pois a tua iniqüidade ensina a tua boca, e escolhes a língua dos astutos.
6 A tua própria boca te condena, e não eu; e os teus lábios testificam contra ti.
7 És tu o primeiro homem que nasceu? Ou foste dado à luz antes dos outeiros?
8 Ou ouviste o secreto conselho de Deus? E a ti só reservas a sabedoria?
9 Que sabes tu, que nós não saibamos; que entendes, que não haja em nós?
10 Conosco estão os encanecidos e idosos, mais idosos do que teu pai.
11 Porventura fazes pouco caso das consolações de Deus, ou da palavra que te trata benignamente?
12 Por que te arrebata o teu coração, e por que flamejam os teus olhos,
13 de modo que voltas contra Deus o teú espírito, e deixas sair tais palavras da tua boca?
14 Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce da mulher, para que fique justo?
15 Eis que Deus não confia nos seus santos, e nem o céu é puro aos seus olhos;
16 quanto menos o homem abominável e corrupto, que bebe a iniqüidade como a água?
17 Escuta-me e to mostrarei; contar-te-ei o que tenho visto
18 (o que os sábios têm anunciado e seus pais não o ocultaram;
19 aos quais somente era dada a terra, não havendo estranho algum passado por entre eles);
20 Todos os dias passa o ímpio em angústia, sim, todos os anos que estão reservados para o opressor.
21 O sonido de terrores está nos seus ouvidos; na prosperidade lhe sobrevém o assolador.
22 Ele não crê que tornará das trevas, mas que o espera a espada.
23 Anda vagueando em busca de pão, dizendo: Onde está? Bem sabe que o dia das trevas lhe está perto, à mão.
24 Amedrontam-no a angústia e a tribulação; prevalecem contra ele, como um rei preparado para a peleja.
25 Porque estendeu a sua mão contra Deus, e contra o Todo-Poderoso se porta com soberba;
26 arremete contra ele com dura cerviz, e com as saliências do seu escudo;
27 porquanto cobriu o seu rosto com a sua gordura, e criou carne gorda nas ilhargas;
28 e habitou em cidades assoladas, em casas em que ninguem deveria morar, que estavam a ponto de tornar-se em montões de ruínas;
29 não se enriquecerá, nem subsistirá a sua fazenda, nem se estenderão pela terra as suas possessões.
30 Não escapará das trevas; a chama do fogo secará os seus ramos, e ao sopro da boca de Deus desaparecerá.
31 Não confie na vaidade, enganando-se a si mesmo; pois a vaidade será a sua recompensa.
32 Antes do seu dia se cumprirá, e o seu ramo não reverdecerá.
33 Sacudirá as suas uvas verdes, como a vide, e deixará cair a sua flor como a oliveira.
34 Pois a assembléia dos ímpios é estéril, e o fogo consumirá as tendas do suborno.
35 Concebem a malícia, e dão à luz a iniqüidade, e o seu coração prepara enganos.
Jó capítulo 16
1 Então Jó respondeu, dizendo:
2 Tenho ouvido muitas coisas como essas; todos vós sois consoladores molestos.
3 Não terão fim essas palavras de vento? Ou que é o que te provoca, para assim responderes?
4 Eu também poderia falar como vós falais, se vós estivésseis em meu lugar; eu poderia amontoar palavras contra vós, e contra vós menear a minha cabeça;
5 poderia fortalecer-vos com a minha boca, e a consolação dos meus lábios poderia mitigar a vossa dor.
6 Ainda que eu fale, a minha dor naõ se mitiga; e embora me cale,
7 Mas agora, ó Deus, me deixaste exausto; assolaste toda a minha companhia.
8 Tu me emagreceste, e isso constitui uma testemunha contra mim; contra mim se levanta a minha magreza, e o meu rosto testifica contra mim.
9 Na sua ira ele me despedaçou, e me perseguiu; rangeu os dentes contra mim; o meu adversário aguça os seus olhos contra mim.
10 Os homens abrem contra mim a boca; com desprezo me ferem nas faces, e contra mim se ajuntam à uma.
11 Deus me entrega ao ímpio, nas mãos dos iníquos me faz cair.
12 Descansado estava eu, e ele me quebrantou; e pegou-me pelo pescoço, e me despedaçou; colocou-me por seu alvo;
13 cercam-me os seus flecheiros. Atravessa-me os rins, e não me poupa; derrama o meu fel pela terra.
14 Quebranta-me com golpe sobre golpe; arremete contra mim como um guerreiro.
15 Sobre a minha pele cosi saco, e deitei a minha glória no pó.
16 O meu rosto todo está inflamado de chorar, e há sombras escuras sobre as minhas pálpebras,
17 embora não haja violência nas minhas maos, e seja pura a minha oração.
18 ó terra, não cubras o meu sangue, e não haja lugar em que seja abafado o meu clamor!
19 Eis que agora mesmo a minha testemunha está no céu, e o meu fiador nas alturas.
20 Os meus amigos zombam de mim; mas os meus olhos se desfazem em lágrimas diante de Deus,
21 para que ele defenda o direito que o homem tem diante de Deus e o que o filho do homem tem perante, o seu proximo.
22 Pois quando houver decorrido poucos anos, eu seguirei o caminho por onde não tornarei.