Bildade (“filho de contenção”) parecia gostar de controvérsia, e não fez uso da mesma ordem de cortesia e dignidade encontrada no primeiro discurso de Elifaz. Começou por acusar abertamente Jó de falar de maneira irresponsável e impetuosa, e repreendeu-o por alegar inocência e questionar a justiça de Deus. Parecia estar cioso da honra de Deus, e não podia permitir que fosse acusado.
O seu argumento era que, em Sua justiça, Deus deve punir o pecado e recompensar os retos, logo Jó teria que ser um pecador, pois estava sendo punido. Baseou seus comentários sobre provérbios e ditados tradicionais , acreditando que seus ancestrais tinham descoberto tudo acerca de Deus e que só precisava usar o conhecimento recebido deles.
Bildade sentia que não havia excepções à sua teoria. Como Elifaz, Bildade supôs erradamente que as pessoas sofrem apenas como resultado dos seus pecados. Bildade foi menos sensível e compassivo, dizendo que os filhos de Jó morreram por causa de sua maldade. Foi uma coisa horrível para falar. Bildade não tinha o direito de dizer tal coisa e sabemos (porque Deus nos informou desde o início do livro) que eles não foram destruídos por esse motivo.
Quantas vezes nós também tiramos conclusões precipitadas de forma semelhante, e fazemos julgamentos sobre outras pessoas baseados em teorias que consideramos ser totalmente comprovadas, esquecendo que frequentemente existem exceções às regras das quais podemos não estar cientes.
Se Jó tinha sido puro e reto, Bildade prosseguiu, e levara a sua súplica ao Todo-poderoso, Ele certamente o teria atendido, restaurado e abençoado abundantemente. Do jeito que estava, haveria algo radicalmente errado com Jó.
Na verdade Deus iria fazer exatamente isso a Jó depois que todos os discursos tivessem sido feitos. A teoria provou estar certa, mas Bildade estava enganado quanto ao momento determinado. Por vezes, também somos impacientes e esperamos uma resposta imediata às nossas orações e súplicas - a resposta favorável virá, mas primeiro poderá ser "espere um pouco".
Bildade desprezou a experiência de uma vida, que considerou como muito curta para obter sabedoria e entendimento. É a tradição, disse ele, ao trazer para todos nós tudo o que foi descoberto no passado, que constrói a nossa bagagem de conhecimento. Os antepassados podem nos ensinar e nos contar o que precisamos aprender.
Supondo erradamente que Jó estava confiando em algo fora de Deus para a sua segurança, Bildade apontou que tal apoio é inútil pois “a esperança do ímpio se desfará”. Assim deu a entender que Jó poderia ter se esquecido de Deus e ser um ímpio.
Uma das necessidades básicas do homem é a segurança, e faz quase tudo para se sentir seguro. Bildade disse corretamente que afinal “nossa casa”, que compreende o nosso dinheiro, posses, conhecimentos e relacionamentos, não subsistirá e até negará que nos conheceu. Só Deus nos pode dar uma segurança duradoura.
Toda a filosofia de Bildade se expressou nas suas palavras: "Deus não rejeitará ao reto, nem tomará pela mão os malfeitores." Se realmente Jó era irrepreensível, haveria alegria ainda no futuro para ele, e os seus inimigos seriam justiçados.
Jó concordou com esta filosofia, mas expressou que o homem mortal não pode ser justo diante de Deus, nem, se o quisesse, poderia discutir e argumentar com Ele. Disse ainda que Deus é onisciente e todo-poderoso, e o homem estaria em grande desvantagem se quisesse resistir-lhe, pois a Sua sabedoria é profunda e Seu poder é imenso.
Quem se opõe a Deus nunca será bem sucedido, pois Ele é o controlador do universo, incluindo maravilhas que o homem não é capaz de descobrir, milagres sem número. Além disso, Ele é um espírito e pode ir aonde quiser, invisível aos olhos humanos. Ninguém pode por em dúvida o que Ele faz, fará o que Ele quiser, e não vai mudar .
Jó confessou ser incapaz de encontrar palavras adequadas para discutir com Deus, nem tinha certeza de que Deus o ouviria. Deus o esmagaria e o feriria sem justa causa e pioraria a sua situação. Deus é forte e arbitrário, e Jó se sentia indefensável, porque qualquer coisa que pudesse dizer o condenaria, mesmo sendo inocente. Ele já não se importava mais e desprezava a sua própria vida.
Embora tivesse permanecido fiel a Deus, Jó aqui fez declarações das quais mais tarde iria se arrepender. Em tempos de doença prolongada ou dor prolongada, é natural que uma pessoa venha a duvidar, a desesperar-se, ou tornar-se impaciente. Durante esses períodos, ela precisa de alguém para ouvi-la e ajudá-la a regularizar os seus sentimentos e frustrações. Nossa paciência irá ajudá-la a reduzir a sua impaciência .
Em sua opinião, impulsionado pelo desespero, Jó acusou Deus de destruir tanto os inocentes como os maus, de se divertir com o sofrimento dos inocentes e de impedir os juízes de fazer julgamentos justos.
Ele acreditava que não havia ninguém mais que o pudesse ter feito: "Se não é ele, quem é então?". Deus governa o universo, de modo que só Ele podia ser responsabilizado por essas coisas.
Jó asseverou que seu tempo na terra estaria se esgotando rapidamente. Se fosse calar e fingir que estava tudo bem, embora estivesse ciente da injustiça dos seus sofrimentos, sabia que lhe seria negada a sua inocência pelos seus amigos. Tendo já sido considerado culpado por eles, do que adiantava continuar a lutar em vão? Seria inútil procurar provar a sua inocência, porque o culpariam novamente.
Era impossível discutir com Deus para que houvesse julgamento entre eles como se Deus fosse um homem. Como Jó gostaria que houvesse um árbitro, ou mediador, para se interpor entre Deus e ele e assim afastasse dele o castigo de Deus para que o seu terror não mais o assustasse. Então poderia falar sem medo. O pobre Jó estava à procura de um salvador.
Agora sabemos que séculos mais tarde, veio o único homem que alcançou os padrões de Deus: o Senhor Jesus Cristo. Porque Jesus foi um homem, podemos ir até Ele. Ele morreu por nós na cruz! E Ele mostrou-nos pela Sua vida que não podemos cumprir as normas de Deus, que precisamos de um Salvador. Pela Sua morte, Ele pode nos salvar.
Jó reclamou que não havia mediador que pudesse fazer a paz entre Deus e ele. No Novo Testamento aprendemos que "há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem " (1 Timóteo 2:5). Ele é o Homem Deus. Como Jó aspirava por Ele!
Se Deus parasse de ferir e aterrorizá-lo, Jó admitiu que estaria livre para falar sem medo. O Senhor Jesus tomou sobre Si o nosso castigo e a ira de Deus para que, em Seu nome, possamos nos aproximar d’Ele com toda a confiança e sem medo (Hebreus 4:16).
Jó capítulo 8:
1 Então respondeu Bildade, o suíta, dizendo:
2 Até quando falarás tais coisas, e até quando serão as palavras da tua boca qual vento impetuoso?
3 Perverteria Deus o direito? Ou perverteria o Todo-Poderoso a justiça?
4 Se teus filhos pecaram contra ele, ele os entregou ao poder da sua transgressão.
5 Mas, se tu com empenho buscares a Deus, e ,ao Todo-Poderoso fizeres a tua súplica,
6 se fores puro e reto, certamente mesmo agora ele despertará por ti, e tornará segura a habitação da tua justiça.
7 Embora tenha sido pequeno o teu princípio, contudo o teu último estado aumentará grandemente.
8 Indaga, pois, eu te peço, da geração passada, e considera o que seus pais descobriram.
9 Porque nós somos de ontem, e nada sabemos, porquanto nossos dias sobre a terra, são uma sombra.
10 Não te ensinarão eles, e não te falarão, e do seu entendimento não proferirão palavras?
11 Pode o papiro desenvolver-se fora de um pântano. Ou pode o junco crescer sem água?
12 Quando está em flor e ainda não cortado, seca-se antes de qualquer outra erva.
13 Assim são as veredas de todos quantos se esquecem de Deus; a esperança do ímpio perecerá,
14 a sua segurança se desfará, e a sua confiança será como a teia de aranha.
15 Encostar-se-á à sua casa, porém ela não subsistirá; apegar-se-lhe-á, porém ela não permanecerá.
16 Ele está verde diante do sol, e os seus renovos estendem-se sobre o seu jardim;
17 as suas raízes se entrelaçam junto ao monte de pedras; até penetra o pedregal.
18 Mas quando for arrancado do seu lugar, então este o negará, dizendo: Nunca te vi.
19 Eis que tal é a alegria do seu caminho; e da terra outros brotarão.
20 Eis que Deus não rejeitará ao reto, nem tomará pela mão os malfeitores;
21 ainda de riso te encherá a boca, e os teus lábios de louvor.
22 Teus aborrecedores se vestirão de confusão; e a tenda dos ímpios não subsistirá.
Jó capítulo 9
1 Então Jó respondeu, dizendo:
2 Na verdade sei que assim é; mas como pode o homem ser justo para com Deus?
3 Se alguém quisesse contender com ele, não lhe poderia responder uma vez em mil.
4 Ele é sábio de coração e poderoso em forças; quem se endureceu contra ele, e ficou seguro?
5 Ele é o que remove os montes, sem que o saibam, e os transtorna no seu furor;
6 o que sacode a terra do seu lugar, de modo que as suas colunas estremecem;
7 o que dá ordens ao sol, e ele não nasce; o que sela as estrelas;
8 o que sozinho estende os céus, e anda sobre as ondas do mar;
9 o que fez a ursa, o Oriom, e as Plêiades, e as recâmaras do sul;
10 o que faz coisas grandes e insondáveis, e maravilhas que não se podem contar.
11 Eis que ele passa junto a mim, e, nao o vejo; sim, vai passando adiante, mas não o percebo.
12 Eis que arrebata a presa; quem o pode impedir? Quem lhe dirá: Que é o que fazes?
13 Deus não retirará a sua ira; debaixo dele se curvaram os aliados de Raabe;
14 quanto menos lhe poderei eu responder ou escolher as minhas palavras para discutir com ele?
15 Embora, eu seja justo, não lhe posso responder; tenho de pedir misericórdia ao meu juiz.
16 Ainda que eu chamasse, e ele me respondesse, não poderia crer que ele estivesse escutando a minha voz.
17 Pois ele me quebranta com uma tempestade, e multiplica as minhas chagas sem causa.
18 Não me permite respirar, antes me farta de amarguras.
19 Se fosse uma prova de força, eis-me aqui, diria ele; e se fosse questão de juízo, quem o citaria para comparecer?
20 Ainda que eu fosse justo, a minha própria boca me condenaria; ainda que eu fosse perfeito, então ela me declararia perverso:
21 Eu sou inocente; não estimo a mim mesmo; desprezo a minha vida.
22 Tudo é o mesmo, portanto digo: Ele destrói o reto e o ímpio.
23 Quando o açoite mata de repente, ele zomba da calamidade dos inocentes.
24 A terra está entregue nas mãos do ímpio. Ele cobre o rosto dos juízes; se não é ele, quem é, logo?
25 Ora, os meus dias são mais velozes do que um correio; fogem, e não vêem o bem.
26 Eles passam como balsas de junco, como águia que se lança sobre a presa.
27 Se eu disser: Eu me esquecerei da minha queixa, mudarei o meu aspecto, e tomarei alento;
28 então tenho pavor de todas as minhas dores; porque bem sei que não me terás por inocente.
29 Eu serei condenado; por que, pois, trabalharei em vão?
30 Se eu me lavar com água de neve, e limpar as minhas mãos com sabão,
31 mesmo assim me submergirás no fosso, e as minhas próprias vestes me abominarão.
32 Porque ele não é homem, como eu, para eu lhe responder, para nos encontrarmos em juízo.
33 Não há entre nós árbitro para pôr a mão sobre nós ambos.
34 Tire ele a sua vara de cima de mim, e não me amedronte o seu terror;
35 então falarei, e não o temerei; pois eu não sou assim em mim mesmo.