Em seus discursos Bildade tinha começado duas vezes com “até quando” (Jó 8:2, 18:2), então, abordando-o, começou também com “até quando” (v.2). Aquilo de que não se gosta é comumente considerado comprido; mas Jó tinha mais razão para pensar que eram compridos os discursos dos que o acusavam, do que eles tinham para pensar que suas defesas eram longas. Há mais justiça em nos alongarmos em nossa defesa, se tivermos a razão do nosso lado, do que em estender-nos muito em ofender os nossos irmãos, ainda que tenhamos a justiça do nosso lado.
Seus amigos aumentavam o seu sofrimento:
Afligiam a sua alma: afetando sabedoria e piedade, seus amigos estavam prejudicando o único consolo que lhe fora deixado num Deus bom, uma boa consciência, e um nome bom; e isso era um tormento para sua alma.
Atormentavam-no com palavras: suas palavras duras e cruéis lhe causavam pesar, e assim o atormentavam. Isto lembra Judas 1:14-19 onde, citando uma profecia de Enoque, nos é dito que Senhor virá “executar juízo sobre todos e convencer a todos os ímpios de todas as obras de impiedade, que impiamente cometeram, e de todas as duras palavras que ímpios pecadores contra ele proferiram”.
Já o haviam humilhado por dez vezes: deram-lhe um mau caráter e acusaram-no de coisas que não tinha feito. Cada um dos cinco discursos até agora tinham sido uma censura dupla. Para uma mente inocente, a reprovação é cortante.
Não tinham vergonha de o maltratarem: eram de duro coração, inclementes, e inescrupulosos para com Jó, e disto deveriam ter se envergonhado depois de ouvir a verdade que Jó lhes contara.
Em outra tradução se lê que eles não se envergonhavam de se fazer estranhos a ele: eles o repeliam, agora que estava em apuros. Aqueles que se afastam de seus amigos quando estes estão em apuros são ímpios e falsos. O amigo ama a qualquer tempo.
Se Jó tinha cometido um erro ou não, não era da conta deles: não importava o erro que assumissem que cometera, pois era dele somente. Não deveriam fazer-se juízes de Jó. Ele falava de acordo com o seu melhor julgamento e não com um espírito de contradição, e ele não se metia com as outras pessoas, seja para ensiná-las ou julgá-las. Em caso de erro, era ele próprio quem tinha que pagar por ele e não precisavam aumentar ainda ainda mais a sua miséria com as suas repreensões.
Exaltavam-se contra ele por causa da sua desgraça: usavam da sua aflição como argumento contra ele, e se engrandeciam para deprimi-lo. É malvadez, é baixeza, espezinhar aqueles que são rebaixados assim.
É fácil apontar as falhas ou pecados de outrem. Os amigos de Jó o acusavam de pecado para explicar a sua queda, e para fazê-lo sentir-se culpado, não para animar ou corrigi-lo. Se sentimos que devemos repreender alguém, devemos primeiro ter certeza de que temos todos os fatos, e que estamos confrontando essa pessoa porque a amamos, não porque estamos irritados, molestados, ou desejando humilhá-lo.
Bildade dissera que Jó tinha sido lançado na rede por seus próprios pés, mas Jó manteve que :
Não tinha andado para dentro da rede, mas tinha sido virado de cabeça para baixo (tradução literal) e cercado com uma rede. Não podia sair.
Fora Deus quem fizera isso com ele e fora Sua a rede : é uma iniquidade perseguir aqueles a quem Deus afligiu e aumentar a dor daqueles a quem Deus feriu. (Salmo 69:26 ).
Não tinha maneira de conseguir um tratamento justo: se gritasse por justiça não teria resposta, e se clamasse por socorro não haveria justiça. Por vezes, pode nos parecer que Deus não ouve as nossas orações, que estamos sendo tratados injustamente e que Ele não está mantendo as promessas com que contamos. Nesses momentos será de ajuda pensar em Jó e da tribulação a que estava sendo submetido. Dificilmente poderemos nos encontrar em uma situação pior do que a dele - e Deus o tinha em alta consideração.
Bildade tinha considerado as queixas de Jó como uma descrição da condição desgraçada de um homem mau; Jó, no entanto, repetiu-as aqui, para mostrar quão graves eram as feridas que Deus infligira nele.
Deus o havia paralisado de forma que não podia avançar para fora da sua situação, e não podia sequer perceber onde estava e quais seriam as suas alternativas.
Deus o havia despojado de sua glória: sua antiga prosperidade, riqueza, honra, poder e influência, seus filhos, e qualquer alta consideração que outros poderiam ter tido por ele haviam se desvanecido. Esta é a vaidade da glória mundana: pode ser retirada de nós a qualquer momento, e não podemos levá-la conosco depois que morremos. É melhor construir o nosso tesouro no céu, onde nada pode tirá-lo isso de nós.
Deus continuou a destruí-lo, e ele ficou sem qualquer esperança. Parecia que Deus lutava contra ele, e intencionava destruí-lo. A esperança nesta vida perece, mas a esperança dos crentes, quando ela é cortada como uma árvore deste mundo, é do seu transplante para o jardim do Senhor no céu. Portanto, não teremos qualquer motivo de reclamar se Deus remover nossas esperanças da terra temporal para a eternidade no céu.
Na mente de Jó Deus se tornara seu inimigo e, como numa batalha, havia juntado as suas tropas contra ele: Ele tinha cortado as relações de Jó com seus irmãos, conhecidos, parentes e amigos próximos, e ele se tornara um estranho para aqueles que o serviam em sua própria casa, um estrangeiro aos seus olhos que não merecia a sua atenção.
Por causa de sua doença, ele era repugnante à sua mulher e irmãos, e desprezado até pelas crianças, que falavam mal dele quando se levantava. Era pouco mais que pele e ossos, coberto de feridas e rugas (capítulo 16:08). Ainda tinha a “pele dos seus dentes”, significando provavelmente suas gengivas e talvez os seus lábios.
Jó, então humildemente rogou pela compaixão de seus amigos, porque Deus o ferira. É natural que os amigos tenham pena quando estamos em apuros. Ao acrescentar suas censuras e reprovações aos sofrimentos de Jó os seus amigos revelaram uma atitude totalmente não amigável.
No coração do livro de Jó vem a sua declaração tocante: "Eu sei que o meu Redentor vive. " Sua convicção era tanta que queria as suas palavras foram escritas, gravadas num livro, esculpidas em uma rocha, com uma pena de ferro e com chumbo, para sempre! Seu desejo foi concedido por Deus de tal modo que podemos ler suas palavras hoje, cerca de quatro milênios mais tarde!
Que tremenda fé teve Jó, especialmente levando em conta que ele nada sabia do desafio feito por Satanás a Deus. Jó lutava com o pensamento que Deus estava contra ele naquela hora, e que havia trazido todas estas calamidades sobre ele! Confrontado com a morte e a corrupção, Jó ainda esperava ver a Deus - e esperava fazê-lo em seu corpo após a morte. Tinha a mesma fé que os patriarcas do seu tempo e os que os antecederam tinham (Hebreus 11:14), expressa no salmo 49:15.
Os últimos dois versículos são advertências aos seus "amigos": se ainda quisessem continuar com sua perseguição de Jó, deviam temer a espada do julgamento por vir. Jó manteve sua fé. Cria que o seu Redentor vivia, e viria para justificá-lo, sendo assim contado com os redimidos. Os seus amigos seriam punidos pela sua atitude irascível contra ele, por achar que a causa do mal estava nele.
1 Então Jó respondeu:
2 Até quando afligireis a minha alma, e me atormentareis com palavras?
3 Já dez vezes me haveis humilhado; não vos envergonhais de me maltratardes?
4 Embora haja eu, na verdade, errado, comigo fica o meu erro.
5 Se deveras vos quereis engrandecer contra mim, e me incriminar pelo meu opróbrio,
6 sabei então que Deus é o que transtornou a minha causa, e com a sua rede me cercou.
7 Eis que clamo: Violência! mas não sou ouvido; grito: Socorro! mas não há justiça.
8 com muros fechou ele o meu caminho, de modo que não posso passar; e pôs trevas nas minhas veredas.
9 Da minha honra me despojou, e tirou-me da cabeça a coroa.
Job 19:10 Quebrou-me de todos os lados, e eu me vou; arrancou a minha esperança, como a, uma árvore.
11 Acende contra mim a sua ira, e me considera como um de seus adversários.
12 Juntas as suas tropas avançam, levantam contra mim o seu caminho, e se acampam ao redor da minha tenda.
13 Ele pôs longe de mim os meus irmãos, e os que me conhecem tornaram-se estranhos para mim.
14 Os meus parentes se afastam, e os meus conhecidos se esquecem de, mim.
15 Os meus domésticos e as minhas servas me têm por estranho; vim a ser um estrangeiro aos seus olhos.
16 Chamo ao meu criado, e ele não me responde; tenho que suplicar-lhe com a minha boca.
17 O meu hálito é intolerável à minha mulher; sou repugnante aos filhos de minhã mae.
18 Até os pequeninos me desprezam; quando me levanto, falam contra mim.
19 Todos os meus amigos íntimos me abominam, e até os que eu amava se tornaram contra mim.
20 Os meus ossos se apegam à minha pele e à minha carne, e só escapei com a pele dos meus dentes.
21 Compadecei-vos de mim, amigos meus; compadecei-vos de mim; pois a mão de Deus me tocou.
22 Por que me perseguis assim como Deus, e da minha carne não vos fartais?
23 Oxalá que as minhas palavras fossem escritas! Oxalá que fossem gravadas num livro!
24 Que, com pena de ferro, e com chumbo, fossem para sempre esculpidas na rocha!
25 Pois eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra.
26 E depois de consumida esta minha pele, então fora da minha carne verei a Deus;
27 vê-lo-ei ao meu lado, e os meus olhos o contemplarão, e não mais como adversário. O meu coração desfalece dentro de mim!
28 Se disserdes: Como o havemos de perseguir! e que a causa deste mal se acha em mim,
29 temei vós a espada; porque o furor traz os castigos da espada, para saberdes que há um juízo.
Jó capítulo 19