Zofar sustentava a teoria de que Jó era culpado porque os maus devem ser punidos em conformidade com as regras da justiça, e como estava sendo punido, deveria ter sido um homem muito perverso. Apesar da maravilhosa confissão de fé feita por Jó no final do capítulo anterior, Zofar não estava disposto a ser movido da sua convicção, e considerava hipocrisia o que Jó dizia.
Os amigos de Jó se distanciavam dele agora que se encontrava nesta baixa condição; Zofar se impacientou com a sua contradição, sentiu-se ofendido porque Jó não se submetia ao que diziam dele, e julgou que a sua honra demandava dar-lhe uma resposta.
Começou seu sermão afirmando que estava ofendido com o que Jó tinha dito em resposta à sua repreensão. Sem dúvida, tendo condenado Jó como homem mau, estava muito descontente que ele falasse assim como um bom homem.
Disse que seu coração lhe deu uma forte incitação: os homens muitas vezes confundem os ditames de sua paixão com os ditames da sua razão e, portanto, acham que fazem bem em se enraivecerem.
Zofar prosseguiu a mostrar muito claramente a ruína e a destruição dos ímpios, insinuando que porque Jó fora destruído e arruinado, ele era certamente um homem perverso e hipócrita.
Apelou para o conhecimento do próprio Jó, e à convicção e à experiência de todas as idades para confirmar, em suma, que o salário do pecado é a morte.
Seu sermão para analisar este tema segue as seguintes linhas:
1) O triunfo dos ímpios é breve, e a alegria dos hipócritas dura só um momento.
Ele afirmou a miséria, não só daqueles que são abertamente ímpios e profanos, mas dos hipócritas, que praticam maldade secretamente debaixo de uma exibição e declaração de piedade, como ele via Jó ser. É verdade que uma forma de piedade, usada para esconder maldade, só torna o mal pior.
Ele concedeu que os homens maus podem prosperar por algum tempo, podem estar seguros e confortáveis, e muito alegres. Podem ser vistos triunfando e se alegrando em sua riqueza e poder, sua grandeza e sucesso sobre os seus vizinhos pobres honestos: não se sentem mal, não temem ninguém. Os amigos de Jó não pensavam, a princípio, que os perversos pudessem de qualquer forma prosperar (Jó 4:9), até que Jó o provou claramente (Jó 9:24, 12:6), e agora Zofar concordou com ele.
Mas afirmou que não prosperavam por muito tempo. Sua alegria era só por um momento, e rapidamente terminava em tristeza infinita. Por maior, mais rico, e mais jovial que fosse, o hipócrita seria humilhado, mortificado e feito miserável.
2) Como é ilustrado, v. 6-9:
Julgava que a sua prosperidade era muito alta, tão alta quanto se possa imaginar: não era a sua sabedoria e virtude, mas a sua riqueza ou grandeza mundana, que ele próprio valorizava.
Estava confiante de que a sua ruína seria, assim, muito grande, e sua queda ainda mais terrível por ter subido tão alto: pereceria para sempre, v. 7. Isto é verdade para todos os pecadores perdidos, mas Zofar significava a sua ruína neste mundo, que nem sempre é o caso. Seria uma destruição vergonhosa, rápida e total.
3) Exemplos da condição miserável do homem perverso neste mundo: são expressos com grande plenitude e fluência de línguagem, voltando-se para a mesma coisa e repetida em outras palavras (vers. 10-22 ).
4) A ruína final completa dos opressores e dos homens cruéis. A sua ruína surgiria da ira e da vingança de Deus, seria inevitávelmente uma ruína total terrível. Às vezes era uma ruína que vinha insensivelmente para ele. Os seus tesouros seriam envolvidos em trevas, um fogo não assoprado o consumirá e devorará o que ficar em sua tenda. Seria uma ruína, não só para si, mas à sua família: os seus filhos pedirão o favor dos pobres, e seus bens serão irrecuperáveis. A ruína parecerá manifestamente ser justa e reta, e a sua maldade será dada a conhecer a todo o mundo.
5) Zofar terminou como um orador (v. 29 ): Esta é a porção do homem ímpio da parte de Deus; é a herança que Deus lhe reserva. É a regra estabelecida para o seu julgamento, e dá a justa advertência a todos. Nunca houve qualquer doutrina mais bem explicada, ou mais mal aplicada, do que esta de Zofar, que através de tudo isto procurou provar que Jó era um hipócrita.
Jó queria ter um julgamento justo, e pediu que os seus amigos o ouvissem com atenção e não o interrompessem (como Zofar aparentemente tinha feito). Que procurassem compreender bem o seu caso antes de zombar dele. Eles tinham vindo para consolá-lo, mas se fossem pacientes o bastante para ouvi-lo, seu discurso seria para a consolação deles.
Jó ouviria o que tinham a dizer depois disso, quando chegasse a sua vez, mesmo se continuassem zombando - aqueles que querem ridicularizar os outros geralmente continuam com a zombaria, não importando o que lhes é dito. Mas ele esperava convencê-los. Eles não eram os seus juízes, pois a sua queixa não era contra os homens, mas contra Deus.
Havia no seu caso algo que era muito surpreendente e espantoso, e portanto tanto precisava como merecia a sua mais séria consideração. Não era um caso comum, mas sim algo muito extraordinário. Ele próprio ficava perturbado e horrorizado quando pensava nas catástrofres que se desencadearam sobre ele, e na interpretação dada por seus amigos que provocaram as suas acusações infames.
Jó mencionou muitos casos de grande e longa prosperidade daqueles que eram abertamente e declaradamente maus; embora fossem empedernidos em sua maldade por causa da prosperidade, ainda assim prosperavam.
Descreveu a sua prosperidade em tudo, e é um fato que vemos ao redor de nós o tempo todo. Eles vivem, e não são subitamente cortados pelos golpes da vingança divina . Alguns até mesmo se viraram contra Deus, no entanto não só eles vivem (ou melhor, são tolerados), mas vivem em prosperidade. Eles têm a honra, satisfação e vantagem de viver muito tempo, tempo suficiente para estabelecer as suas famílias e propriedades. Eles são grandes em poder, são escolhidos para os lugares de autoridade e confiança, e não apenas fazem uma grande figura, mas têm uma grande influência .
Ele mostrou como usam mal a sua prosperidade e são confirmados e empedernidos por ela em sua impiedade. "Que é o Todo-Poderoso, que nós o sirvamos? E que nos aproveitará, se lhe fizermos orações?" Como se fosse um mero nome, uma simples cifra, ou alguém com quem eles nada têm a ver, ou que nada tem a ver com eles. Não é suficiente, pensam eles, manter um relacionamento razoável com o Todo-Poderoso, mas ainda servi-lo, que consideram uma tarefa enfadonha e penosa. Todo mundo vive para o que pode ganhar para si, e acha que nada se ganha por servir a Deus.
Depois de assim descrever a prosperidade dos ímpios, Jó o comparou com o que os seus amigos haviam sustentado com respeito à sua ruína certa nesta vida, e o concilia com a santidade e a justiça de Deus. Mesmo na prosperidade os ímpios eram inúteis, seja para Deus ou para os sábios e os bons homens. Eles diziam que Deus reserva a iniquidade do pai para os seus filhos, mas é a ele mesmo que Deus deveria punir, para que O conheça.
Jó asseverou que o mau é preservado para o dia da destruição (na versão Almeida na coluna ao lado consta erradamente “do dia da destruição”), ele será levado para fora no dia da ira. Como podiam os seus amigos consolá-lo com palavras vazias, pois só falavam mentiras?
Jó capítulo 20
1 Então respondeu Zofar, o naamatita:
2 Ora, os meus pensamentos me fazem responder, e por isso eu me apresso.
3 Estou ouvindo a tua repreensão, que me envergonha, mas o espírito do meu entendimento responde por mim.
4 Não sabes tu que desde a antigüidade, desde que o homem foi posto sobre a terra,
5 o triunfo dos iníquos é breve, e a alegria dos ímpios é apenas dum momento?
6 Ainda que a sua exaltação suba até o ceu, e a sua cabeça chegue até as nuvens,
7 contudo, como o seu próprio esterco, perecerá para sempre; e os que o viam perguntarão: Onde está?
8 Dissipar-se-á como um sonho, e não será achado; será afugentado qual uma visão da noite.
9 Os olhos que o viam não o verão mais, nem o seu lugar o contemplará mais.
10 Os seus filhos procurarão o favor dos pobres, e as suas mãos restituirão os seus lucros ilícitos.
11 Os seus ossos estão cheios do vigor da sua juventude, mas este se deitará com ele no pó.
12 Ainda que o mal lhe seja doce na boca, ainda que ele o esconda debaixo da sua língua,
13 ainda que não o queira largar, antes o retenha na sua boca,
14 contudo a sua comida se transforma nas suas entranhas; dentro dele se torna em fel de áspides.
15 Engoliu riquezas, mas vomitá-las-á; do ventre dele Deus as lançará.
16 Veneno de áspides sorverá, língua de víbora o matará.
17 Não verá as correntes, os rios e os ribeiros de mel e de manteiga.
18 O que adquiriu pelo trabalho, isso restituirá, e não o engolirá; não se regozijará conforme a fazenda que ajuntou.
19 Pois que oprimiu e desamparou os pobres, e roubou a casa que não edificou.
20 Porquanto não houve limite à sua cobiça, nada salvará daquilo em que se deleita.
21 Nada escapou à sua voracidade; pelo que a sua prosperidade não perdurará.
22 Na plenitude da sua abastança, estará angustiado; toda a força da miséria virá sobre ele.
23 Mesmo estando ele a encher o seu estômago, Deus mandará sobre ele o ardor da sua ira, que fará chover sobre ele quando for comer.
24 Ainda que fuja das armas de ferro, o arco de bronze o atravessará.
25 Ele arranca do seu corpo a flecha, que sai resplandecente do seu fel; terrores vêm sobre ele.
26 Todas as trevas são reservadas paro os seus tesouros; um fogo não assoprado o consumirá, e devorará o que ficar na sua tenda.
27 Os céus revelarão a sua iniqüidade, e contra ele a terra se levantará.
28 As rendas de sua casa ir-se-ão; no dia da ira de Deus todas se derramarão.
29 Esta, da parte de Deus, é a porção do ímpio; esta é a herança que Deus lhe reserva.
Jó capítulo 21
1 Então Jó respondeu:
2 Ouvi atentamente as minhas palavras; seja isto a vossa consolação.
3 Sofrei-me, e eu falarei; e, havendo eu falado, zombai.
4 É porventura do homem que eu me queixo? Mas, ainda que assim fosse, não teria motivo de me impacientar?
5 Olhai para mim, e pasmai, e ponde a mão sobre a boca.
6 Quando me lembro disto, me perturbo, e a minha carne estremece de horror.
7 Por que razão vivem os ímpios, envelhecem, e ainda se robustecem em poder?
8 Os seus filhos se estabelecem à vista deles, e os seus descendentes perante os seus olhos.
9 As suas casas estão em paz, sem temor, e a vara de Deus não está sobre eles.
10 O seu touro gera, e não falha; pare a sua vaca, e não aborta.
11 Eles fazem sair os seus pequeninos, como a um rebanho, e suas crianças andam saltando.
12 Levantam a voz, ao som do tamboril e da harpa, e regozijam-se ao som da flauta.
13 Na prosperidade passam os seus dias, e num momento descem ao Seol.
14 Eles dizem a Deus: retira-te de nós, pois não desejamos ter conhecimento dos teus caminhos.
15 Que é o Todo-Poderoso, para que nós o sirvamos? E que nos aproveitará, se lhe fizermos orações?
16 Vede, porém, que eles não têm na mão a prosperidade; esteja longe de mim o conselho dos ímpios!
17 Quantas vezes sucede que se apague a lâmpada dos ímpios? que lhes sobrevenha a sua destruição? que Deus na sua ira lhes reparta dores?
18 que eles sejam como a palha diante do vento, e como a pragana, que o redemoinho arrebata?
19 Deus, dizeis vós, reserva a iniqüidade do pai para seus filhos, mas é a ele mesmo que Deus deveria punir, para que o conheça.
20 Vejam os seus próprios olhos a sua ruina, e beba ele do furor do Todo-Poderoso.
21 Pois, que lhe importa a sua casa depois de morto, quando lhe for cortado o número dos seus meses?
22 Acaso se ensinará ciência a Deus, a ele que julga os excelsos?
23 Um morre em plena prosperidade, inteiramente sossegado e tranqüilo;
24 com os seus baldes cheios de leite, e a medula dos seus ossos umedecida.
25 Outro, ao contrário, morre em amargura de alma, não havendo provado do bem.
26 Juntamente jazem no pó, e os vermes os cobrem.
27 Eis que conheço os vossos pensamentos, e os maus intentos com que me fazeis injustiça.
28 Pois dizeis: Onde está a casa do príncipe, e onde a tenda em que morava o ímpio?
29 Porventura não perguntastes aos viandantes? e não aceitais o seu testemunho,
30 de que o mau é preservado no dia da destruição, e poupado no dia do furor?
31 Quem acusará diante dele o seu caminho? e quem lhe dará o pago do que fez?
32 Ele é levado para a sepultura, e vigiam-lhe o túmulo.
33 Os torrões do vale lhe são doces, e o seguirão todos os homens, como ele o fez aos inumeráveis que o precederam.
34 Como, pois, me ofereceis consolações vãs, quando nas vossas respostas só resta falsidade?