Ao concluir o capítulo anterior vimos que, se Cristo não pudesse trazer a salvação pagando Ele próprio pelos pecados humanos com a Sua morte, ninguém escaparia ao julgamento e condenação. A lei era apenas um símbolo do que estava por vir, apontando para a pessoa e obra do Messias prometido, o Salvador Jesus, e não era a imagem exata da realidade. A lei nunca poderia fazer a justificação completa e por isso os sacrifícios tinham que continuar a ser feitos, ano após ano.
Essa repetição provou sua total incapacidade de atender ao que é requerido pelo verdadeiro e santo Deus. Os sacrifícios não podiam inocentar os adoradores, livrando-os da consciência do pecado pois, se assim fosse, um só sacrifício teria sido suficiente para sua purificação. Mas é impossível tirar os pecados com o sangue de touros e de bodes: esses sacrifícios eram rituais, dando uma certa limpeza cerimonial, mas eram totalmente incapazes de purificar a natureza corrupta do homem e as suas maldades. O sangue do animal sacrificado apenas dava cobertura aos pecados até que o Cordeiro de Deus viesse para tirar o pecado do mundo (ver João 1:29).
A lei mosaica serviu um bom propósito, como um caderno ilustrado para instruir Israel. Por ser tão perfeita, o Senhor podia julgar a nação severamente quando foi desobediente. Quando o Senhor Jesus estava ali em carne e osso Ele disse a Jerusalém: “Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta a sua ninhada debaixo das asas, e não quiseste!” Poucos anos depois, seus habitantes judeus tiveram que fugir e o templo foi completamente destruido, não ficando pedra sobre pedra.
O Velho Testamento era, e em muitos aspectos ainda é, uma cartilha. Muitas pessoas, até mesmo eruditas, procuram encontrar algo mais profundo nele. No entanto suas ilustrações são simples, dadas por Deus com o propósito de ensinar-nos como Ele é, como nos ama ao ponto de dar o Seu Filho para morrer como homem e assim pagar pelos nossos pecados, e como seguir o caminho da Sua justiça.
A lei dada através de Moisés envolvia, como ilustrações, um tabernáculo e sacrifícios de animais. Essa idéia que alguns têm de separar os mandamentos de Deus da sua “lei cerimonial” está completamente errada. É verdade que o Novo Testamento reconhece a justiça dos mandamentos que ali foram dados, mas eles são parte integrante de um tratado feito com o povo de Israel que inclui também todo o cerimonial ilustrativo. Esse tratado foi substituído por um novo, que envolve também os gentíos, baseado na graça de Deus que já pagou pelos pecados de todos aqueles que crêm em Seu Filho e se convertem dos seus pecados para viver uma nova vida para agradar a Deus. Estes são liberados da culpa do pecado, recebem força para livrar-se do poder do pecado e finalmente vão para a presença de Deus onde não há mais pecado.
Começando com a palavra portanto (pelo que), o versículo 5 cita passagens do Salmo 40, profecia de Davi, esclarecendo que são palavras de Cristo ao entrar no mundo:
Nessa passagem, o Senhor Jesus observou a insatisfação de Deus com os sacrifícios e ofertas da antiga aliança. Deus havia instituído esses sacrifícios, mas eles nunca foram Sua intenção final. Eles não foram instituídos para cobrir pecados, mas sim para apontar para a frente para o Cordeiro de Deus que iria levar o pecado do mundo. Poderia Deus se contentar com rios de sangue de animais ou com montes de carcaças de animais?
Outra razão para a insatisfação de Deus é que as pessoas pensavam que O agradavam com cerimônias, enquanto eram internamente corruptos e pecaminosos em suas vidas. Muitos deles andavam pela ronda sombria de sacrifícios, sem arrependimento ou contrição. Pensavam que Deus se contentaria com seus sacrifícios de animais, enquanto Ele queria o sacrifício de um coração contrito.
Para dar a solução final ao pecado do homem, Deus preparou um corpo humano para Seu Filho, que era essencial para que assumisse uma vida e natureza humana. Essa foi a maravilha insondável da encarnação, quando o Verbo eterno fez-se carne para que, como homem, pudesse morrer pela humanidade.
A frase “um corpo me preparaste” (versículo 5), citado em Hebreus, está na tradução da versão grega do Septuaginta do Salmo 40:6. O original hebraico traduz-se em português como “abriste (ou furaste) meus ouvidos (ou orelhas)” que nos fornece dois significados:
O ouvido aberto, sempre pronto para receber as instruções de Deus e obedecê-las instantaneamente.
A orelha furada, em alusão ao escravo hebreu (Êxodo 21:1-6), cuja orelha era furada com uma sozela na porta como sinal que ele voluntariamente serveria ao seu senhor para sempre. Em sua encarnação, o Salvador disse, em efeito, "Eu amo Meu Senhor... vou serví-lo para sempre."
Continuando a citação do Salmo 40, o Messias repetiu que Deus não tinha prazer em holocaustos e sacrifícios pelo pecado. Os animais foram vítimas involuntárias, cujo sangue não podia purificar ninguém, nem satisfaziam o desejo supremo de Deus. Eram tipos e sombras, sem valor eles próprios, mas que ilustravam o sacrifício futuro de Cristo.
O que realmente deu prazer a Deus foi a vontade do Messias de satisfazer o desejo de Deus, não importando o alto custo. Sua obediência se evidenciou quando se ofereceu para ser a vítima do sacrifício no altar. Ao proferir estas palavras, Cristo nos lembra que seu sincero prazer em realizar a vontade de Deus é testemunhado desde o início até o fim do Velho Testamento.
A disposição de Jesus Cristo de assim satisfazer a vontade de Deus (e o seu cumprimento) fez com que Deus “tirasse o primeiro, para estabelecer o segundo", isto é, a substituição dos dois testamentos, finalizando o fim do antigo sistema sacrificial e a inauguração de uma perfeita, completa e final oferta de Jesus Cristo.
Por isto todos os que põem a sua fé em Cristo, aceitando para si a oferta que Ele fez pelos pecados de todos nós, são santificados, isto é separados, purificados e dedicados a Deus, mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma só vez para todo o sempre. O seu relacionamento com Deus passa a ser, definitivamente, o de filhos adotivos (Romanos 8:15, 9:4, Gálatas 4:5, Efésios 1:5).
O ministério dos sacerdotes levíticos é agora contrastado com o de Cristo:
Os sacerdotes levitas eram obrigados a ficar ministrando todos os dias continuamente, sempre da mesma forma, e os mesmos sacrifícios eram feitos repetidamente em um ciclo incessante, contínuo. Não havia cadeira no Tabernáculo ou no templo onde pudessem se assentar. Não havia descanso porque a sua obra nunca terminava. Os mesmos sacrifícios eram oferecidos várias vezes, numa rotina interminável que deixava intocados os pecados e não aliviava a consciência. Estes sacrifícios nunca poderiam tirar pecados.
Em contraste, Jesus ofereceu um sacrifício único e suficiente. Tendo conseguido realizar completamente o objetivo e a finalidade do Seu ministério através de um só ato de sacrifício, não foram necessários mais sacrifícios e o Senhor Jesus sentou-se à destra de Deus, lugar de honra, poder e afeto. Ele "ofereceu um único sacrifício pelos pecados para sempre", e portanto “sentou-se para sempre” (no que diz respeito ao problema do pecado). A Sua obra redentora permanece válida por toda a eternidade.
Desde a sua exaltação, entrada no céu como sumo sacerdote e entronização à mão direita de seu pai, o Senhor Jesus “espera até que os seus inimigos sejam postos por escabelo de seus pés”. Esta é a descrição usual do Novo Testamento da postura atual de Jesus exaltado (Romanos 8:34, Efésios 1:20, Colossenses 3:1, Hebreus 1:3, 8:1, 10:12, 1 Pedro 3:22). Lemos que Ele se levantou do seu trono à direita de Deus, para receber o espírito de Estêvão, o primeiro crente martirizado por causa do Seu nome ( Atos 7:56). Em algum momento no futuro, Jesus Cristo se levantará e descerá do céu para buscar a Sua igreja completa (João 14:3, 1 Tessalonicenses 4:16), e novamente para aniquilar os inimigos de Israel e estabelecer o Seu reino na terra (Ezequiel 39:21-29, Habacuque 3:1-19, Mateus 16:27, 24:30, Atos 1:9-11, Romanos 11:26, Judas 14-15, Apocalipse 19:1-16).
O valor superior da Sua oferta é evidenciado em que por meio dela Jesus Cristo aperfeiçoou para sempre (ou na perpetuidade) aqueles que estão sendo santificados. “Aqueles que estão sendo santificados” aqui significa todos os que Deus tenha separado do mundo, ou seja, todos os verdadeiros crentes. Eles foram “aperfeiçoados” de duas formas:
Têm uma posição perfeita diante de Deus, colocados diante do Pai, em toda a aceitabilidade de Seu amado Filho.
Têm perfeita consciência no que respeita à culpa e à penalidade do pecado: sabem que o preço foi pago na íntegra, e que Deus não exigirá o pagamento outra vez.
Ver também Isaías 53:11.
O Espírito Santo também testificou através das Escrituras do Velho Testamento que, debaixo da nova aliança, os pecados seriam eficazmente tratados uma vez por todas:
Em Jeremias 31:31-36, o Senhor prometeu fazer uma nova aliança com o povo fisicamente descendente de Israel (a casa de Israel e a casa de Judá), seu povo terreno escolhido. No versículo 34 lemos “... lhes perdoarei a sua iniqüidade, e não me lembrarei mais dos seus pecados”. É notável que, tendo já esta promessa de um completo perdão final dos seus pecados, alguns daqueles que viveram quando a promessa começou a ser cumprida estavam ainda dispostos a retornar aos sacrifícios intermináveis do judaísmo!
A promessa de perdão sob a nova aliança significa que já “não há mais oferta pelo pecado”. Com estas palavras o livro de Hebreus encerra o que poderíamos chamar de sua parte doutrinária. O livro então prossegue, trazendo incentivos para se ter uma vida de fé, dando-nos exemplos de homens do passado que se destacaram pela sua fé e apresentando o modelo de um estilo de vida duradouro proveniente da fé.
1 Porque a lei, tendo a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas, não pode nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem de ano em ano, aperfeiçoar os que se chegam a Deus.
2 Doutra maneira, não teriam deixado de ser oferecidos? pois tendo sido uma vez purificados os que prestavam o culto, nunca mais teriam consciência de pecado.
3 Mas nesses sacrifícios cada ano se faz recordação dos pecados,
4 porque é impossível que o sangue de touros e de bodes tire pecados.
5 Pelo que, entrando no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste, mas um corpo me preparaste;
6 não te deleitaste em holocaustos e oblações pelo pecado.
7 Então eu disse: Eis-me aqui (no rol do livro está escrito de mim) para fazer, ó Deus, a tua vontade.
8 Tendo dito acima: Sacrifício e ofertas e holocaustos e oblações pelo pecado não quiseste, nem neles te deleitaste (os quais se oferecem segundo a lei);
9 agora disse: Eis-me aqui para fazer a tua vontade. Ele tira o primeiro, para estabelecer o segundo.
10 É nessa vontade dele que temos sido santificados pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez para sempre.
11 Ora, todo sacerdote se apresenta dia após dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem tirar pecados;
12 mas este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, assentou-se para sempre à direita de Deus,
13 daí por diante esperando, até que os seus inimigos sejam postos por escabelo de seus pés.
14 Pois com uma só oferta tem aperfeiçoado para sempre os que estão sendo santificados.
15 E o Espírito Santo também no-lo testifica, porque depois de haver dito:
16 Este é o pacto que farei com eles depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei as minhas leis em seus corações, e as escreverei em seu entendimento; acrescenta:
17 E não me lembrarei mais de seus pecados e de suas iniqüidades.
18 Ora, onde há remissão destes, não há mais oferta pelo pecado.
Hebreus, capítulo 10, versículos 1 a 18