O conteúdo deste capítulo é considerado uma oração, ou confissão, na forma de salmo ou hino para ser acompanhado por instrumentos de cordas. A versão corrigida Almeida traduz o primeiro versículo como “oração do profeta Habacuque, à moda sigionote” enquanto que a NIV interpreta como “oração do profeta Habacuque: Uma confissão”. Na realidade o verbete “sigionote” não existe em português, sendo uma transliteração do hebraico “shiggâyôn shiggâyônâh”, uma palavra relacionada com música, indicando ao regente de música a maneira em que deve ser tocado em um instrumento musical de cordas (versículo 19). Esse verbete também é encontrado no livro dos Salmos, i.e. no título do Salmo 7 onde aparece no singular e é traduzido incorretamente por “meditação” (Almeida) e “confissão” (NIV).
Nos capítulos anteriores encontramos todo o conteúdo da profecia em si, tendo Habacuque ali terminado as suas queixas contra Deus e contra os acontecimentos no seu tempo. Agora ele já não mais julgava que Deus estava alheio à violência e maldade que permeava o reino de Judá. Havia recebido a resposta à sua queixa que Deus iria usar os ímpios e cruéis babilônios como instrumento do Seu castigo sobre Israel, pois a série de cinco “ais” pronunciados por Deus sobre o rei da Babilônia confirmaram a Sua absoluta santidade. Terminou com a declaração que o Senhor está em Seu santo templo e que o conhecimento da Sua glória triunfará em todo o mundo. Diante d’Ele toda a terra deverá ficar em silêncio.
Quando Deus declara os Seus propósitos e mostra o Seu poder soberano em Suas realizações, todas as murmurações e queixas humanas terminam. Foi a experiência de Jó ao fim dos seus sofrimentos e angústia, pois um diálogo com Deus só pode resultar em silenciar as nossas reclamações... e provocar nossa adoração e louvor pelos Seus magníficos atributos! Assim podemos compreender agora o hino jubiloso de Habacuque no último capítulo do seu livro, mesmo sem o privilégio de tê-lo em forma de poesia em nossa língua nem o apropriado acompanhamento instrumental ao qual era destinado.
O segundo versículo consiste num resumo do conteúdo desse hino que se segue. Nele Habacuque nos recorda daquilo que Deus é na essência da Sua natureza, bem como a Sua fama em todo o mundo por tudo o que tem feito. Em seguida roga a Deus pelo reavivamento em seus dias da Sua obra, fazendo-a conhecida por todos e que, em Sua ira, se lembre de ter misericórdia.
Assim, no texto que vem em seguida, até o versículo 15, Habacuque traz à memória dos seus leitores a glória e as realizações de Deus no passado do povo de Israel. É bom lembrar as glórias do passado, quando Deus nos mostrou a Sua graça e o Seu poder ao nos conceder favores especiais e ao nos ajudar em certas ocasiões. É uma boa maneira de nos animar, sabendo que, assim como fez antes, Deus continuará conosco no presente e no futuro. A memória da experiência tida contribui muito para aumentar a nossa fé.
Antes ele havia enfatizado a ira de Deus em seu julgamento justo, apenas com um pequeno alívio diante da promessa gloriosa que “a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar” (2:14).Mas aqui Habacuque, em meio à justa punição dos ímpios devido à ira de Deus, lembra-se da Sua misericórdia ao sair “para o socorro do Seu povo, para o salvamento do Seu ungido” (v.13).
É notável como isto é tão relevante também em nossos dias, quando desejamos tanto que a Sua obra de salvação seja feita conhecida pelo mundo inteiro; sentimos que o Seu povo, a igreja de Cristo, anda ameaçada pela penetração do mundo em seu meio, e pelo inimigo que a ataca com dúvidas, teorias anti-creacionistas, ateísmo e paganismo.
Assim como Habacuque, cabe-nos rogar a Deus pelo reavivamento das Suas igrejas que andam desanimadas e pouco atuantes, especialmente nos países da Europa e da América do Norte, que no passado se destacaram pela sua piedade e evangelismo pelo mundo inteiro, mas que hoje parecem estar perdendo terreno para os seus inimigos em todas as frentes.
Hoje as igrejas dispõem de muitos outros meios para a evangelização além do contato pessoal e pregação oral do Evangelho, desde a distribuição de literatura e publicação em jornais e revistas, até os meios mais sofisticados de comunicação como rádio, televisão e internet. Convém constantemente rever que parte estamos tomando nesta batalha em que lutamos ao lado de Deus para enfrentar o nosso grande inimigo espiritual e conquistar terreno em seu território.
No primeiro capítulo, os babilônios são apresentados como irresistíveis em sua marcha de destruição, conquistando uma nação atrás da outra. Mas nesta passagem vê-se Deus mesmo, numa marcha vitoriosa cobrindo o mundo com poder absoluto. Com peste e praga ardente, terremotos, rios, inundações, marchando com indignação e ira Ele sai para o socorro do Seu povo, e salvamento dos Seus ungidos. “Os montes perpétuos se espalham, os outeiros eternos se abatem; assim é o Seu andar desde a eternidade” (v.6). Os caminhos de Deus são eternos, no passado, atualmente e no futuro, lembrando-nos do que Habacuque exclamou em 1:12: “Não és tu desde a eternidade, ó Senhor meu Deus, meu Santo? Nós não morreremos, ó Senhor...!”
Em nossos tempos, na maior parte do mundo civilizado, podemos sentir dificuldade em visualizar o poder de um Deus santo em ação dinâmica. Alguns podem até reagir contra a idéia de um Deus irado destruindo a Sua criação, e ferindo os homens como nas batalhas de antigamente. Mas o versículo 13 nos dá o contexto legítimo, pois o propósito de Deus é “salvamento do Teu povo, salvação com Teu Ungido” (tradução literal). A palavra hebraica para “Ungido” usada no original é “mâshîyach”, “ungido” no sentido de uma pessoa consagrada (como um rei ou sacerdote) e especificamente o Messias, ou Cristo que é o equivalente grego.
Deus agiu não só para defender a Sua própria santidade e justiça, mas para preparar o caminho para a salvação do Seu povo através do Senhor Jesus Cristo. Agora sabemos que o Seu povo são os “eleitos segundo a presciência de Deus Pai” (1 Pedro 1:2) “antes da fundação do mundo” (Efésios 1:4), ou seja, todos os que são salvos pela Sua graça mediante a fé em Seu Filho. Esse propósito de Deus foi tão forte que O levou a essas extremidades. Ainda mais, Ele mandou o Seu próprio Filho unigênito ao mundo para dar a Sua vida e assim cumprir com a Sua justiça e salvar o Seu povo. Foi o altíssimo preço que Deus pagou.
Vemos assim uma interessante continuidade: Israel como povo de Deus através de quem veio Jesus, o perfeito Messias e o perfeito Descendente de Abraão, e através d’Ele a Sua igreja composta universalmente de judeus e gentios. A igreja é atualmente o povo ungido por Deus com o ministério de anunciar a salvação de Jesus Cristo ao mundo necessitado. Temos aqui uma das muitas profecias sobre o Evangelho de Cristo.
Ao terminar o seu hino, o profeta declara o seu júbilo pela maneira em que, no passado, Deus havia libertado o Seu povo, a confiança tranquila que agora tem na vinda do “dia da angústia” sobre os inimigos que atacam o seu povo, e a sua exultação no Senhor e alegria no Deus da sua salvação que permitirão que enfrente as privações pelas quais passará o seu povo. O “dia da desgraça” pode também ser traduzido por “dia da tribulação”, e assim o período da tribulação, em que Deus trará a sua ira sobre a humanidade ímpia e rebelde, previsto pelo Senhor e detalhado na Sua revelação contida no livro do Apocalipse, está já previsto nesta pequena profecia.
Termina com louvor ao Senhor, o Soberano, que lhe dá força, ligeireza e exaltação.
1 Oração do profeta Habacuque, à moda de sigionote.
2 Eu ouvi, Senhor, a tua fama, e temi; aviva, ó Senhor, a tua obra no meio dos anos; faze que ela seja conhecida no meio dos anos; na ira lembra-te da misericórdia.
3 Deus veio de Temã, e do monte Parã o Santo. [Selá]. A sua glória cobriu os céus, e a terra encheu-se do seu louvor.
4 E o seu resplendor é como a luz, da sua mão saem raios brilhantes, e ali está o esconderijo da sua força.
5 Adiante dele vai a peste, e por detrás a praga ardente.
6 Pára, e mede a terra; olha, e sacode as nações; e os montes perpétuos se espalham, os outeiros eternos se abatem; assim é o seu andar desde a eternidade.
7 Vejo as tendas de Cusã em aflição; tremem as cortinas da terra de Midiã.
8 Acaso é contra os rios que o Senhor está irado? E contra os ribeiros a tua ira, ou contra o mar o teu furor, visto que andas montado nos teus cavalos, nos teus carros de vitória?
9 Descoberto de todo está o teu arco; a tua aljava está cheia de flechas. (Selá) Tu fendes a terra com rios.
10 Os montes te vêem, e se contorcem; inundação das águas passa; o abismo faz ouvir a sua voz, e levanta bem alto as suas maos.
11 O sol e a lua param nas suas moradas, ante o lampejo das tuas flechas volantes, e ao brilho intenso da tua lança fulgurante.
12 com indignação marchas pela terra, com ira trilhas as nações.
13 Tu sais para o socorro do teu povo, para salvamento dos teus ungidos. Tu despedaças a cabeça da casa do ímpio, descobrindo-lhe de todo os fundamentos. (selá)
14 Traspassas a cabeça dos seus guerreiros com as suas próprias lanças; eles me acometem como turbilhão para me espalharem; alegram-se, como se estivessem para devorar o pobre em segredo.
15 Tu com os teus cavalos marchas pelo mar, pelo montão de grandes águas.
16 Ouvindo-o eu, o meu ventre se comove, ao seu ruído tremem os meus lábios; entra a podridão nos meus ossos, vacilam os meus passos; em silêncio, pois, aguardarei o dia da angústia que há de vir sobre o povo
17 Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto nas vides; ainda que falhe o produto da oliveira, e os campos não produzam mantimento; ainda que o rebanho seja exterminado da malhada e nos currais não haja gado.
18 todavia eu me alegrarei no Senhor, exultarei no Deus da minha salvação.
19 O Senhor Deus é minha força, ele fará os meus pés como os da corça, e me fará andar sobre os meus lugares altos. (Ao regente de música. Para instrumentos de cordas.)
Habacuque, capítulo 3