Tendo estabelecido com êxito na passagem anterior os fatos da superioridade do Senhor Jesus sobre os anjos quanto ao Seu nome, posição e autoridade, temos agora uma breve interrupção para esclarecer a gravidade do perigo que ameaça quem se descuida e deixa de lhes dar atenção.
É uma exortação solene para tomar a sério e atentar diligentemente ao Evangelho, assim como um navio se prende com firmeza à sua âncora a fim de evitar as correntes marinhas e tempestades que o podem desviar, levando-o ao naufrágio. O autor escreve aqui no plural da primeira pessoa, firmemente associando-se com os leitores, originalmente judeus mas eventualmente os gentios também, entre os quais estamos nós. Ou seja, esta admoestação é essencial para todo mundo, não só do primeiro século, mas de todas as épocas até hoje, a fim de segurar com firmeza e obedecer com toda diligência o que aprende da Palavra de Deus.
Por causa da sublimidade do Doador e da grandeza de Seu dom, nós os que ouvimos a Sua mensagem devemos lhe dar a máxima importância. É constante o perigo de nos deixamos levar por outros interesses e nos afastarmos da sua Pessoa, escorregando assim por um caminho que nos levará à perdição.
Em sua história, os judeus davam importância especial ao ministério dos anjos. Talvez os principais exemplos disto foram a entrega da lei, quando miríades de seres angélicos estavam presentes (Deuteronômio 33:2), e a conquista de Jerusalém (Salmo 68:17).
Tendo sido ditada através de anjos, a validade da lei não era posta em dúvida. A lei mosaica continha penalidades muito específicas para a transgressão de seus 613 mandamentos, tais como a oferta de sacrifícios para vários graus de infração, a excomunhão e outros, culminando com a pena de morte pelos pecados propositais mais graves. O castigo era automático, sem direito a recurso a algum tribunal superior. Estas coisas eram aceitas sem contestação.
Mas agora o argumento passa do que é menor ao maior. Se aqueles que violaram a lei foram punidos, qual será o destino daqueles que negligenciam o Evangelho? A lei diz aos homens o que devem fazer; o Evangelho diz aos homens o que Deus fez. Pela lei vem o conhecimento do pecado; pelo Evangelho, vem o conhecimento da oferta da salvação do pecado.
Negligenciar tão grande salvação é mais sério do que transgredir a lei. A lei foi dada por Deus através de anjos, de Moisés e depois por outras pessoas escolhidas por Ele. Mas o Evangelho foi proclamado diretamente pelo próprio Senhor Jesus. Não só isso, mas no início foi confirmado aos crentes pelos apóstolos e outros que ouviram o Salvador pessoalmente.
Deus pessoalmente autenticou a mensagem transmitida. Por exemplo, a alimentação dos cinco mil (João 6:1-14) serviu de base para o discurso sobre o Pão da Vida, feito em seguida (João 6:25-59). As maravilhas foram milagres feitos para o espanto dos espectadores, como a ressurreição de Lázaro (João 11:1-44). De maneira geral, os milagres demonstravam um poder sobrenatural que chegava a violar as leis da natureza. Todos esses milagres atestavam a verdade do Evangelho, especialmente para o povo judeu, que tradicionalmente pedia algum sinal antes de acreditar o que lhe era dito.
Os dons do Espírito Santo foram habilidades especiais superiores às naturais, dadas a certos homens, para a edificação da igreja (1 Coríntios 12:7, 14:12). A expressão “distribuídos segundo a sua vontade” indica que estes poderes miraculosos são dados pelo Espírito Santo conforme Deus escolhe. São dons soberanos de Deus, portanto não podem ser exigidos pelos homens, nem se pode alegar que foram recebidos em resposta à oração, porque Deus nunca os prometeu a todos. Existe evidência que a necessidade de milagres confirmativos cessou quando o Novo Testamento se tornou disponível em forma escrita.
Isto posto, ficou a pergunta: “como escaparemos nós, se descuidarmos de tão grande salvação?” (versículo 3). Esta pergunta tem causado inúmeras discussões por causa da palavra nós, e o uso da primeira pessoa do plural.
Alguns pensam que o autor do livro está aqui se dirigindo aos outros crentes, como ele próprio. Seria então o caso de um crente perder a sua salvação por descuido? Mas a salvação a que nos referimos aqui é o livramento da morte eterna, chamada também “perecimento”, que é a pena do pecado; esse livramento é também eterno, dado por Deus livremente e de imediato àqueles que aceitam Suas condições de arrependimento e fé no Senhor Jesus (João 3:14-16, 36, Atos 4:12, Romanos 10:8-13, Efésios 1:13-14, 2 Tessalonicenses 2:13).
Com esse entendimento eles estão também contradizendo outros textos, como: o Senhor Jesus disse a Nicodemos: “Quem crê nEle não é julgado; mas quem não crê, já está julgado; porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus” (João 3:18) e aos discípulos pouco antes da Sua ascensão: “Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado” (Marcos 16:16). E Paulo esclarece mais: “Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus.” (Romanos 8:1).
Veja também AQUI.
Não resta, portanto, dúvida que a palavra nós e o uso da primeira pessoa do plural se explica pelo fato que o autor era judeu e ele aqui se dirigia aos hebreus, seus compatriotas. Este era um apelo aos que entre eles ainda eram descrentes, ou ficavam adiando a sua decisão.
:1 Por isso convém atentarmos mais diligentemente para as coisas que ouvimos, para que em tempo algum nos desviemos delas.
2 Pois se a palavra falada pelos anjos permaneceu firme, e toda transgressão e desobediência recebeu justa retribuição,
3 como escaparemos nós, se descuidarmos de tão grande salvação? A qual, tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi- nos depois confirmada pelos que a ouviram:
4 testificando Deus juntamente com eles, por sinais e prodígios, e por múltiplos milagres e dons do Espírito Santo, distribuídos segundo a sua vontade.
Hebreus capítulo 2, versículos 1 a 4