Habacuque ficou horrorizado com a solução que Deus havia dado para a sua primeira pergunta. Como podia Deus corrigir o Seu povo usando como instrumento de castigo uma nação muito pior do que a Sua própria?
Ainda estaria viva em sua memória como, pouco mais de um século antes, a Assíria (que Deus chamou de “vara da minha ira” – Isaías 10:5) havia invadido o território das dez tribos do norte e levado todos os habitantes cativos, desfazendo assim aquela nação idólatra e deixando apenas as duas tribos que formavam o reino de Judá. Parecia que a mesma história se repetiria agora, usando a Babilônia para castigar Judá, o remanescente de Israel.
Habacuque reconhecia a eternidade, bem como a santidade de Deus, e declarou sua convicção que Ele não ia permitir que o Seu povo morresse (tendo feito promessas incondicionais de bênçãos perpétuas à descendência de Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, Josué e Davi). Habacuque tinha razão, pois sua declaração foi confirmada através dos tempos, até hoje. Nunca houve um povo tão odiado, perseguido e chacinado desde a antiguidade até agora, e ainda conta com raras nações amigas, mas está longe de morrer e, com a aprovação das Nações Unidas já recuperou parte do seu território. Para nós, é uma garantia da infalibilidade das promessas de Deus.
Assim sendo, os babilônios seriam usados apenas para correção. Mas mesmo assim, como podia Deus, tão puro que não pode sequer ver o mal, outorgar ao povo babilônio, onde se encontrava toda a impiedade, maldade e perversidade conhecida, o poder para “devorar” o remanescente de Israel, que era mais justo do que ele? Habacuque não pôde entender (como muitos de nós ainda não podemos) certos aspectos do desempenho de Deus neste mundo.
Nos versículos 14 a 16 Habacuque faz uma analogia com a vida de pescador, em que o pescador fisga com seu anzol, apanha com a rede e recolhe com a sua rede varredoura, depois rende honras divinas à rede e à varredoura que o enriquecem e alimentam. Nesta comparação, o mundo é o mar; os habitantes das nações conquistadas são os peixes; Nabucodonozor era o pescador; e as redes eram o seu poder militar, mediante o qual ele pôde ganhar grande riqueza pela conquista de outros povos.
A analogia nos lembra a insensibilidade com que os babilônios tratavam os povos conquistados por eles, como os pescadores tratam os peixes que conseguem apanhar. Eram como se fossem objetos sem valor, sem qualquer direito à vida, para cumprir sem protesto a vontade dos seus senhores. Além da crueldade dos babilônios, essa analogia também fala da sua idolatria: seus sacrifícios e incenso são oferecidos aos objetos que lhe trazem alimento e riqueza.
Habacuque não entendia como Deus podia usar os babilônios para disciplinar o Seu povo. Apontando o dedo para a Babilônia, disse a Deus: "por que olhas para os que procedem aleivosamente, e te calas enquanto o ímpio devora aquele que é mais justo do que ele?” Ele não usou a palavra correta aqui: ninguém entre os homens é justo. Também ninguém pode ser “mais” justo que outro, porque ser justo já significa estar sem pecado, não há graus. O que ele quis dizer, é que os israelitas eram “menos pecadores” do que os babilônios. Em outras palavras, Habacuque está sugerindo que quem precisava de mais castigo eram os babilônios, pois pecavam mais. Ele já estava se afastando do tema principal do seu interrogatório, em que acusava Deus de não fazer nada para corrigir o seu próprio povo. Estava agora examinando e criticando o instrumento da correção.
Mas Deus não disse que ia castigar na base de “quem menos peca castiga ao que mais peca”. Talvez esse nos pareça um critério justo, mas Deus não faz uso dele e não podemos duvidar da Sua justiça. Nabucodonozor era um tirano cruel e temível, mas o Senhor o chamou de “meu servo” porque através da sua conquista e domínio Deus executou o Seu plano para o Seu povo (Jeremias 27:6). O profeta, enfim, humildemente expressa a esperança que Deus não permitirá que este destruidor da humanidade continue prosperando dessa forma.
Frequentemente nos vem a pergunta: porque Deus permite que aconteça a maldade? E somos tentados a procurar uma resposta dEle para o caso que no momento nos preocupa. Faríamos bem em levar nossa ansiedade a Ele em oração, como fez Habacuque.
Em nossos dias estamos mais bem colocados do que Habacuque, porque temos a perspectiva de toda a história, desde o início da família humana até hoje, vinte e seis séculos depois dele. Olhando para trás , vemos como Deus agiu com as nações deste mundo e com a nação de Israel. Deus também agiu, e está agindo com a igreja de Cristo que está no mundo. Deus opera maravilhas de forma misteriosa para nós, como Ele próprio disse: “os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor. Porque, assim como o céu é mais alto do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos” (Isaías 55:8, 9).
A grande longanimidade é também um dos atributos de Deus. Por causa dela, temos que suportar os grandes males e injustiças deste mundo, aguardando a Sua providência que pode demorar mais do que desejamos, em nossa impaciência. Habacuque reclamava que a paciência de Deus estava sendo abusada; e porque o castigo não vinha rapidamente sobre o malfeitor, ele era encorajado a intensificar e ampliar o mal que fazia, glorificando os instrumentos que usava. Mas sabemos que Deus estava usando Nabucodonozor para os Seus propósitos, e que, um dia, esse tirano foi castigado e veio a reconhecer a soberania de Deus acima da sua (Daniel 4:28-37).
Não devemos nos perturbar se não conseguirmos pensar como pensa Deus. Infelizmente, muitos procuram se colocar em Seu lugar. Em vez de culpar todo o mundo pelos problemas em que estamos envolvidos, em nossa nação, em nossa igreja ou em nossa casa, deveríamos cair em nossos joelhos diante de Deus e confessar nossos próprios pecados, não acusar os dos nossos irmãos em casa, na igreja, ou os dos nossos concidadãos.
" Tu que és tão puro de olhos que não podes ver o mal, e que não podes contemplar a perversidade" é uma declaração correta. A sublime santidade é um dos atributos de Deus, e não pode ser maculada com a visão do mal e da perversidade. É por isso que ninguém pode ir para a Sua presença no céu, levando pecado consigo. Logo, todos temos que ser justificados mediante o sangue do Cordeiro e receber uma natureza nova, santa, mediante o novo nascimento.
Assim como Deus tem um propósito eterno para o povo de Israel, também tem para a igreja que Ele está colhendo deste mundo. Todo filho de Deus pode dizer, "vivemos para nunca mais morrer". Em Jesus Cristo, Deus veio a esta terra para morrer em nosso lugar, e “foi morto por causa das nossas transgressões e ressuscitado para nossa justificação" (Romanos 4:25). O Senhor Jesus disse às duas irmãs que lamentavam a morte de Lázaro: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo aquele que vive, e crê em mim, jamais morrerá. Crês isto? “ (João 11:25-26).
No entanto, sabemos que Deus é santo e não aprova o mal. Seus olhos são puros demais para aprovar tal coisa. Somos nós que O ofendemos, por isto não é justo culpá-lo pelo mal que advém do nosso comportamento, e convém suportar com paciência as injustiças que vemos em redor de nós, embora às vezes nos pareça incompreensível a falta de ação direta de Deus. A Sua justiça não falhará, mas virá quando for mais oportuno, e isto só Ele sabe.